Como “Piece of Mind” levou o Iron Maiden enfim às rádios americanas

Álbum que marca estreia do baterista Nicko McBrain é o favorito do vocalista Bruce Dickinson; 1º single escancarou portas do principal mercado consumidor de discos

“A gente se sentia como se estivesse nas alturas, e dá para perceber essa atmosfera ouvindo o álbum”, diz o baixista Steve Harris ao biógrafo do Iron Maiden, Mick Wall, no livro “Run to the Hills: A Biografia Autorizada” (Évora, 2014).

Pode parecer exagerado, mas em 16 de maio de 1983, o mundo do heavy metal foi presenteado com um álbum que se tornaria um marco na história da música e um dos mais icônicos da lendária banda britânica.

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Quarto da discografia, “Piece of Mind” representou um momento de transição e crescimento para o Maiden. Solidificou ainda mais sua posição entre as lideranças do gênero e lançou as bases para o seu sucesso global duradouro.

Além do impacto sonoro expresso em faixas como “The Trooper” e “Flight of Icarus”, que rapidamente se tornaram hinos do metal, o disco também apresentou ao mundo o talento excepcional do baterista Nicko McBrain, que se juntou à banda pouco antes das gravações e trouxe uma energia intensa e uma abordagem técnica impressionante às músicas.

Substituição no banquinho da bateria

No dia 10 de dezembro de 1982, o Iron Maiden subiu ao palco do Kenmin Kaikan, em Niigata, no Japão. Era o último dos 185 shows da The Beast on the Road, turnê de divulgação do álbum “The Number of the Beast”, lançado em março daquele ano.

Seria também a saideira do baterista Clive Burr.

Em entrevistas, os demais integrantes do Maiden chegaram a dizer que a bebida e as drogas vinham comprometendo a performance do baterista, que chegava a ter um balde posicionado ao lado de seu instrumento para vomitar durante os shows. A saída, ao que tudo consta, foi amigável.

Para o lugar de Clive, a banda recrutou o londrino Nicko McBrain. Nascido Michael Henry McBrain em 5 de junho de 1952, Nicko começou a tocar ainda criança, inspirado por Joe Morello, do Dave Brubeck Quartet. Aos 14 anos, fez sua estreia nos pubs locais.

Antes de se juntar ao Maiden, McBrain tocou com uma vasta gama de artistas, incluindo o Streetwalker (composto por ex-integrantes do Family), o cantor Pat Travers e os franceses do Trust, com os quais gravou os álbuns “Marche Ou Crève” (1981) e “Savage” (1982), além de ter feito turnês pela Europa.

Como a notícia da saída de Burr ainda não havia sido anunciada, McBrain fez suas primeiras aparições ao vivo com grupo disfarçado do mascote Eddie. Uma vez efetivado no posto, Nicko se tornou uma parte fundamental da chamada formação clássica do Maiden, contribuindo com sua técnica e estilo únicos para a sonoridade da banda.

Gravação no estrangeiro e um veto estarrecedor

As sessões de composição do material que veria a luz do dia como “Piece of Mind” teve início em janeiro de 1983, no Le Chalet, hotel situado nas Ilhas do Canal, localizadas entre a Inglaterra e a França e que em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, foi requisitado pelos nazistas para servir como quartel-general. O salão de festas desativado foi convertido em espaço para ensaios. Sentindo-se em casa, o Iron Maiden voltaria a usar o Le Chalet na pré-produção de seu álbum seguinte, “Powerslave” (1984).

Por causa dos impostos da Coroa Britânica, a gravação se deu no Compass Point Studios, na ilha de Nassau, nas Bahamas. Por mais relaxante e inspiradora que a atmosfera praiana fosse, o fator determinante foi, realmente, a questão financeira, conforme afirma o empresário do Maiden, Rod Smallwood, a Mick Wall:

“Ainda tentávamos poupar até o último centavo […] Particularmente no início, quando ainda tenta consolidar sua reputação, uma banda não pode simplesmente achar que fará tanto sucesso quanto seu último lançamento.”

Como de costume, as composições de Steve Harris dão o tom do disco. O baixista assina sozinho em quatro composições: “Where Eagles Dare”, “The Trooper” — aquela que a maior parte dos fãs se lembra primeiro quando alguém menciona o álbum —, “Quest for Fire” e “To Tame a Land”, inspirada no livro “Duna”, de Frank Herbert.

A ideia, aliás, era batizar o épico que encerra “Piece of Mind” de “Dune” e incluir a narração de uma passagem da obra como introdução, o que Herbert se recusou a dar permissão. Por meio de seu agente literário, ele disse que não gostava de bandas de rock, “particularmente de rock pesado, e, em especial, bandas como o Iron Maiden”.

A Mick Wall, Smallwood, recordou-se do episódio com perplexidade:

“Ele [Herbert] assumiu que, pelo fato de sermos uma banda de rock, devíamos ser um bando de imbecis, o que, no mínimo, é uma atitude de quem tem uma visão bem estreita.”

O single desbravador de mercados

Em comparação ao antecessor “The Number of the Beast” (1982), em que circunstâncias contratuais o impediram de ser creditado como autor ou coautor de “Children of the Damned”, “The Prisoner” e “Run to the Hills”, em “Piece of Mind” Bruce Dickinson finalmente pôde ver seu nome listado como responsável por “Revelations”. Ele também coassina “Flight of Icarus”, “Sun and Steel” (ambas com Adrian Smith) e “Die with Your Boots On” (com Smith e Steve Harris).

Dickinson conta que “Flight of Icarus” teve origem em um toalete. Diz ele que Smith sempre gostou de tocar guitarra em banheiros em razão da atmosfera fornecida pelos ladrilhos. Um dia, enquanto Adrian dedilhava, Bruce escutou uma sequência de acordes e começou a cantarolar segundo a melodia: surgiu, assim, o refrão da música que, lançada como single inaugural do álbum, em 28 de abril, tinha como missão conseguir que o Maiden fosse executado nas rádios americanas.

Dito e feito: a canção chegaria a uma impressionante 12ª posição nos Estados Unidos, escancarando para o Maiden as portas daquele que era o principal mercado consumidor de discos do planeta.

A letra de “Flight of Icarus”, de acordo com seu autor, basicamente revisita uma típica história de pai dominador. Na mitologia grega, Ícaro é conhecido por ter voado com asas de penas e cera que seu pai, Dédalo, construiu para eles. No entanto, Ícaro acabou voando muito perto do sol, a cera derreteu e ele caiu no mar e morreu.

Na autobiografia “Para que serve esse botão?” (Intrínseca, 2019), Dickinson assume ainda parte da responsabilidade pela introdução de bateria de “Where Eagles Dare”. Segundo ele:

“Foi baseada na [introdução] de Cozy Powell para ‘Stargazer’, do Rainbow, ainda que eu buscasse mais o efeito do que propriamente as mesmas notas […] Parecia o Pica-Pau dando bicadas enquanto tinha um ataque epilético.”

Nicko McBrain levou dias para cravar a introdução. Ao término, ele disse: “Essa a gente nunca vai tocar ao vivo”. Mal sabia ele que “Where Eagles Dare” abriria o show em todas as datas da turnê.

Um dos melhores para Harris, o favorito de Dickinson

Falando nisso, a turnê de 140 shows denominada “World Piece Tour” começou em 2 de maio — sim, quase um mês antes do lançamento do álbum —, bombardeando Hull, Inglaterra, e durando até 18 de dezembro, num evento transmitido por TV a cabo para toda a Europa em Dortmund, Alemanha.

Mas o principal acontecimento do giro seria a etapa norte-americana, a primeira da banda como headliner, que incluiu uma apresentação diante de um Madison Square Garden lotado.

“Piece of Mind” teve como melhor colocação um terceiro lugar no Reino Unido, além de um décimo quarto nos Estados Unidos, onde recebeu disco de ouro exatos dois meses depois e de platina três anos mais tarde.

Independentemente de números, para Steve Harris, “Piece of Mind” foi…

“Certamente o melhor álbum que fizemos até então. E continuei achando isso até o ‘Seventh Son’, que veio cinco anos depois. Não estou dizendo que ‘Powerslave’ e ‘Somewhere in Time’ (1986) não eram bons; em ambos existe muita coisa que está entre o melhor que já produzimos. Mas, repito, ‘Piece of Mind’ foi especial.”

Bruce Dickinson vai até além, e em depoimento a Martin Popoff reproduzido no compêndio “Top 500 heavy metal albums of all time” (ECW Press, 2004), opina:

“Acho que a entrada do Nicko nos deu um baita empurrão. Estávamos a toda em termos de música. Havia tanta confiança na banda após o sucesso do ‘The Number of the Beast’ que sentimos que poderíamos fazer qualquer coisa. E nós realmente nos propusemos a fazer algumas coisas interessantes no ‘Piece of Mind’ e acho que conseguimos. Foi um ótimo álbum, o meu favorito do catálogo até hoje.”

Iron Maiden — “Piece of Mind”

  • Lançado em 16 de maio de 1983 pela EMI
  • Produzido por Martin Birch

Faixas:

  1. Where Eagles Dare
  2. Revelations
  3. Flight of Icarus
  4. Die with Your Boots On”
  5. The Trooper
  6. Still Life
  7. Quest for Fire
  8. Sun and Steel
  9. To Tame a Land

Músicos:

  • Bruce Dickinson (voz)
  • Dave Murray (guitarra)
  • Adrian Smith (guitarra)
  • Steve Harris (baixo)
  • Nicko McBrain (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. a maior obra de arte da história dessa icônica banda, meu cerebro recebe as mesmas mensagens e meu coração a mesma emoção de quando o ouvi a primeira vez, nos idos de 1985, que prazer e privilégio ter testemunhado isso em vida

    • Para mim, desde o The Number até o Seventh Son, estes estão todos no mesmo nível, todos obras de arte. Os demais álbuns são ótimos, mas não se equiparam. A melhor fase dessa banda fantástica.

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