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A história de “Walking into Clarksdale”, único álbum de inéditas do Page & Plant

Impulsionada pelo ao vivo "No Quarter", dupla do Led Zeppelin voltou à carga em 1998 e uniu forças com o punk Steve Albini para parceria em estúdio

Entre 1994 e 1998, dois gigantes voltaram a caminhar juntos sobre a Terra. Jimmy Page e Robert Plant, respectivamente a guitarra e a voz do Led Zeppelin, provavelmente o maior fenômeno do rock nos anos 1970, se reaproximaram e tiraram da cartola um novo truque que levava o sobrenome de ambos: Page & Plant.

Mais uma colaboração do que uma banda propriamente dita, o duo teve vida curta. Foram quatro anos de armistício nas diferenças musicais entre eles, o que resultou no ao vivo “No Quarter: Jimmy Page and Robert Plant Unledded” (1994) e no álbum de estúdio “Walking into Clarksdale” (1998), além de algumas turnês.

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Para lançar esse disco de inéditas depois de quase duas décadas, os dois monstros sagrados se uniram a um parceiro improvável, mas completamente em alta naquele momento: o produtor Steve Albini, cujo background fora todo forjado no punk, com uma ética de trabalho diametralmente oposta à de astros do show business setentista.

Lançado em 21 de abril de 1998, “Walking into Clarksdale” chega aos 25 anos sem ter muito o que comemorar. Irregular e pouco lembrado, foi o primeiro e único trabalho completamente inédito do Page & Plant, que se dissolveu logo em seguida.

Surge uma fagulha

Em 1988, Jimmy Page e Robert Plant já haviam feito uma dobradinha, um aparecendo no disco solo do outro. Plant emprestou sua voz a “The Only One”, do álbum “Outrider” de Page. O guitarrista, por sua vez, gravou os solos de “Heaven Knows” e “Tall Cool One” no multiplatinado “Now and Zen”, quarto esforço individual do vocalista.

No entanto, os dois não se juntavam para compor desde o fim da década de 1970, nos derradeiros anos do Led Zeppelin, apesar de muita gente ter tentado promover esse reencontro criativo. Coube ao empresário Bill Curbishley tal façanha.

Bill já trazia no currículo nomes como The Who e Judas Priest. Nos anos 1980, começou a empresariar Plant. Ao longo do tempo, o vocalista se notabilizou pela postura arredia em relação ao material do Led Zeppelin, algo que permanece até os dias atuais. Porém, acabou cedendo em 1993, e o empresário fez a ponte com Jimmy Page, que também viraria seu cliente no ano seguinte.

Plant recebia constantes sondagens para participar da série “MTV Unplugged”, que no Brasil ficou conhecida como “Acústico MTV”. Numa delas, Bill Curbishley o convenceu a aceitar e a ter Page a bordo para que ambos revisitassem a obra do Zeppelin.

Em 2004, o guitarrista relembrou a ocasião a Charles Murray, da Mojo:

“Recebi uma ligação do empresário de Robert para aparecer e vê-lo em Boston, a caminho de Los Angeles para ensaiar. Robert disse: ‘fui abordado pela MTV para fazer um Unplugged e gostaria muito de fazer isso com você’. Então, eu disse ok.”

Plant endossou a narrativa em entrevista a Nigel Williamson, da Uncut, em 2005:

“Naquela época eu nem me sentia mais um cantor de rock. Então fui abordado pela MTV para fazer uma sessão do Unplugged, mas sabia que não poderia ser visto segurando a bandeira do legado do Zeppelin sozinho na televisão. Misteriosamente, Jimmy apareceu em um show que eu estava fazendo em Boston e foi como se aqueles últimos dias difíceis do Led tivessem desaparecido. Tínhamos um entendimento novamente. Conversamos sobre a oferta da MTV e decidimos ver até onde poderíamos ir.”

O resultado foi “No Quarter: Jimmy Page and Robert Plant Unledded”. Gravado no Marrocos, no País de Gales e na Inglaterra, o ao vivo foi lançado em 1994 e trazia no repertório clássicos do Led Zeppelin, bem como quatro músicas novas. O enorme sucesso – 4º lugar nas paradas americanas e 7º lugar no Reino Unido – impulsionou a criação de um novo álbum inteiro de inéditas.

Do blues ao ethos punk

“Walking into Clarksdale” foi o nome dado pelo Page & Plant a seu rebento. Referência à cidade de Clarksdale, no delta do Rio Mississipi, considerada o berço do blues.

Jimmy Page e Robert Plant convocaram o baixista Charlie Jones e o baterista Michael Lee para as gravações. Ambos já haviam participado de algumas tomadas ao vivo de “No Quarter…”, mas não eram nomes de impacto. A intenção foi justamente recrutar músicos eficientes, sem se preocupar com grife.

O single “Most High” mesclava Led Zeppelin clássico com nuances de música marroquina, inserida, sobretudo, por meio do teclado oriental executado por Tim Whelan. No videoclipe esquisitão, Page e Plant surgiam como prisioneiros em uma espécie de cela, com criaturas macabras ao redor. A música faturou o Grammy de Melhor Performance de Hard Rock daquele ano.

Ao contrário de “No Quarter…”, no entanto, “Walking into Clarksdale” pegou leve na influência de sons orientais e no esoterismo. Em suma, o álbum trazia a impressão digital roqueira do Led Zeppelin – ouça “Shining in the Light” e “Please Read the Letter” –, mas com ares de modernidade, para não soar (tão) deslocado da década de 1990 – ouça “When the World Was Young”, a sombria faixa-título e “Sons of Freedom”.

Para chegar a esse meio termo, o Page & Plant recorreu ao produtor Steve Albini, aclamado pelo o que fez com ícones do rock alternativo, como Nirvana, Pixies, PJ Harvey e outros. No entanto, a escola dele era um punk muito mais “raiz” do que isso.

Na década de 1980, Albini foi a mente maligna por trás do Big Black, banda seminal para o desenvolvimento do hardcore enquanto cultura em movimento, expandindo os limites do gênero. Grunge, post-hardcore e industrial, só para citar algumas ramificações, leram a cartilha do grupo, radical na crítica à indústria comercial do rock.

Steve Albini insistia no total controle da banda sobre sua própria arte, levando a ética “do it yourself” (“faça você mesmo”) às últimas consequências. Ele também tocou em bandas como Rapeman, Flour e Shellac, todas simpáticas a essa prerrogativa.

À Uncut, Albini falou sobre como recebeu o convite para produzir o Page & Plant:

“Eu literalmente recebi um telefonema de Robert Plant. Foi incrível. Eu estava falando com pessoas que são responsáveis por meia dúzia dos melhores discos já gravados e que moldaram o idioma da minha vida. Pessoas que, então, me ligaram para trabalhar em seu novo álbum. Não existe uma palavra em inglês para descrever como me senti. Ficou claro que eles estavam no comando de tudo, mas também valorizavam o esforço de todos os envolvidos.”

Ao “Alternative Nation”, programa de TV americano dos anos 1990, ele acrescentou, sobre um dos aspectos que mais lhe chamou a atenção em estúdio:

“É muito louco o que eles conseguem fazer, apenas por ter dinheiro infinito à disposição. Torna a vida realmente ótima. Quero dizer, toda a experiência foi ótima. Eles tomavam todas as decisões artísticas e dirigiam a banda. Eu era meio que apenas uma ajuda técnica, mas estava feliz desta forma. Foi uma baita experiência.”

“Walking into Clarksdale” ganhou vida no renomado Abbey Road Studios, em Londres. Foram cerca de 35 dias de gravação. De acordo com Albini, quase todas as músicas foram captadas em um único take.

A capa trazia uma foto obscura de dois garotos, tirada por Anton Corbijn. O álbum contou com divulgação maciça e atingiu o 3º lugar no Reino Unido; nos EUA, chegou ao 8º posto da Billboard.

A dissolução

Apesar do bom desempenho, o Page & Plant se separou ainda em 1998, no mesmo ano de lançamento do disco. A turnê “Walking Into Everywhere” se estendeu por Europa e Estados Unidos com 97 datas, mas ao chegar ao fim, tudo estava acabado.

Alguns shows foram filmados profissionalmente para um vídeo futuro, o qual acabou abortado. Havia planos para levar a turnê ao Japão, à América do Sul e à Austrália em 1999; nada disso saiu do papel.

Anos depois, Jimmy Page contou à Uncut que já tinha o esboço de algumas músicas para um novo trabalho, mas que Robert Plant não quis continuar o projeto.

“Poderia ter havido uma continuação para ‘Walking into Clarksdale’. Eu certamento tinha cerca de uma dúzia de músicas escritas para um terceiro álbum. Robert as ouviu e disse que algumas eram realmente boas, mas que ele queria seguir outro rumo. É justo.”

Apesar de ter elogiado Steve Albini e suas técnicas de gravação, Plant não manteve a política de boa vizinhança após o lançamento do disco e simplesmente o definiu como: “não combinou comigo”.

No início de 1999, o eterno vocalista do Led Zeppelin já estava envolvido com outras prioridades em sua carreira. Em participação recente no podcast “Digging Deep” (via Rock Celebrities), ele comentou sobre a breve experiência com o Page & Plant:

“‘Walking into Clarksdale’ foi uma tentativa de falar: ‘ok, vamos fazer um disco de estúdio’. No entanto, não posso dizer que me agradou muito. Acho que permitiu que Jimmy e eu nos livrássemos da mentalidade e da manta do Zeppelin e seguíssemos em frente.

O derradeiro show da turnê ocorreu em Paris, no dia 10 de dezembro de 1998. Em 2001, o Page & Plant se reuniu para uma última aparição, no Festival de Jazz de Montreux. Mas nunca mais os dois gigantes voltaram a compor juntos novamente.

Page & Plant – “Walking into Clarksdale”

  • Lançado em 21 de abril de 1998 pela Atlantic / Mercury
  • Produzido por Jimmy Page e Robert Plant

Faixas:

  1. Shining in the Light
  2. When the World Was Young
  3. Upon a Golden Horse
  4. Blue Train
  5. Please Read the Letter
  6. Most High
  7. Heart in Your Hand
  8. Walking into Clarksdale
  9. Burning Up
  10. When I Was a Child
  11. House of Love
  12. Sons of Freedom
  13. Whiskey from the Glass (faixa bônus na edição japonesa)

Músicos:

  • Jimmy Page (guitarra, violão, bandolim)
  • Robert Plant (vocal)
  • Charlie Jones (baixo, percussão)
  • Michael Lee (bateria, percussão)

Músicos adicionais:

  • Lynton Naiff (arranjos de corda na faixa 3)
  • Ed Shearmur (programação na faixa 6)
  • Tim Whelan (teclados na faixa 6)

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

1 COMENTÁRIO

  1. Por que ignorar The Honeydrippers quando o assunto é Robert Plant e Jimmy Page? Até fui ler o texto sobre Page nos anos 80 e o Marcelo Vieira também deu um perdido nesse disquinho bacana…

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