“Seventh Son of a Seventh Son”: o flerte do Iron Maiden com o prog conceitual

Embora não conte uma história ao longo de suas oito faixas, sétimo álbum de estúdio dos britânicos foi vendido — e mal recebido pelo principal mercado do mundo — como tal

No final de maio de 1987, em Osaka, Japão, o Iron Maiden encerrou a chamada Somewhere on Tour, turnê mundial de divulgação do álbum “Somewhere in Time” (1986), que manteve o grupo na estrada por oito meses. Foram ao todo 154 shows em mais de vinte países. Só nos Estados Unidos, a banda se apresentou 69 vezes.

E foi justamente o público americano que não abraçou que o que para muitos fãs foi e continua sendo o melhor álbum que o Maiden já lançou: “Seventh Son of a Seventh Son”.

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Conceitual, sim, mas só no plano de marketing

Quando teve início a caminhada que resultaria em “Seventh Son of a Seventh Son”, o baixista e principal compositor do Iron Maiden, Steve Harris, não tinha nem título nem ideias. Daí, conforme revela ao biógrafo da banda, Mick Wall, em “Run to the Hills” (Évora, 2014):

“Li uma história sobre o sétimo filho de um sétimo filho, uma figura mítica que deveria ter vários dons paranormais, como clarividência e coisas assim. No começo, era só um bom título para o sétimo álbum, sabe? Mas, depois que telefonei para o Bruce [Dickinson, vocalista] e contei minha ideia, ela simplesmente cresceu.”

A história a qual o baixista se refere é a do livro “Seventh Son” (1987), primeiro dos seis volumes da série “The Tales of Alvin Maker”, do romancista americano Orson Scott Card. Inspirada num conto folclórico transmitido oralmente ao longo do tempo, ela se passa em um mundo alternativo, cheio de magia e superstição, do século 19 na América do Norte e traz como protagonista Alvin, o sétimo filho de um sétimo filho, que nasce com poderes especiais e é destinado a ser um “Fabricante” (“Maker”); alguém com habilidades mágicas e uma missão profética.

Compor um álbum conceitual pareceu uma ótima ideia para Bruce Dickinson, que, na autobiografia “Para Que Serve Esse Botão?” (Intrínseca, 2018), escreve:

“Quando ele [Steve] mencionou a expressão ‘álbum conceitual’, meus ouvidos se espicharam e meu coração disparou. Trama, teatro: estava tudo lá em ‘Seventh Son of a Seventh Son’.”

Só que não estava. Não tudo, conforme ele sinaliza:

“A narrativa nunca foi consumada em todos os seus aspectos: minhas letras aludiam à história, mas as de Steve não.”

Foi questão de tempo até a ideia original, de lançar um álbum duplo, com uma história desenvolvida de forma contínua por completo, narração entre as músicas e adições semelhantes adequadas a um trabalho conceitual fossem descartadas. Ainda assim, a banda insistiu para que o marketing o divulgasse como tal.

Composição integrada, gravação objetiva

Diferente de “Somewhere in Time”, em que as canções foram praticamente divididas entre Steve Harris e o guitarrista Adrian Smith — a ponto de Bruce Dickinson ter se sentido quase resignado com o fato de que seria “apenas o vocalista” depois de ter suas contribuições para o álbum rejeitadas —, em “Seventh Son of a Seventh Son”, apenas três das oito faixas foram feitas pelo baixista sozinho: os singles “Infinite Dreams” e “The Clairvoyant” e a épica faixa-título.

Das cinco restantes, duas foram creditadas a Bruce, Adrian e Steve (os singles “Can I Play with Madness” e “The Evil That Men Do”), uma a Bruce e Adrian (a faixa de abertura, “Moonchild”, óbvia homenagem a Aleister Crowley, o satanista-mór do século 20), uma a Bruce e Steve (a derradeira “Only the Good Die Young”, que chegou a tocar num episódio do seriado “Miami Vice”) e uma a Steve e ao guitarrista Dave Murray (“The Prophecy”, aquela da qual pouca gente se lembra). Nenhuma composição é coassinada pelo baterista Nicko McBrain.

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No livro “Seventh Son of a Seventh Son” (Estética Torta, 2021), o autor Stjepan Juras reproduz trecho de entrevista dada por Bruce na qual versa acerca do processo de composição “feito em casa”:

“O álbum inteiro foi escrito na casa do Steve em Essex, no celeiro antigo dele, que tem uma acústica ótima e uma excelente atmosfera para se trabalhar. A gente tocava o material de cada um e gravava tudo em fita, com uma guitarra e um baixo. Só ideias que cada um tem. E o Adrian vinha à minha casa de vez em quando, e foi nessa época que escrevemos ‘Moonchild’, ‘Can I Play with Madness’ e ‘The Evil That Men Do’. Aí a gente entrou em estúdio.”

A gravação se deu no Musicland, em Munique, na Alemanha, o qual o produtor Martin Birch, que lá produzira os três primeiros álbuns de estúdio do Rainbow e trabalhara em outros do Deep Purple, vinha sondando há tempos visando a um trabalho mais objetivo. Deu certo: bastaram dois meses para o álbum ficar pronto.

Quatro singles no Top 10 — precisa de mais?

Primeiro dos quatro singles extraídos do álbum, “Can I Play with Madness”, viu a luz do dia em 26 de março e pulou direto para a 3ª posição da parada britânica, onde permaneceu por incríveis três semanas. A Mick Wall, Adrian conta que ficou surpreso quando a faixa, que começou como uma balada na qual vinha trabalhando chamada “On the Wings of Eagles”, se tornou um hit tão grande:

“Já tivemos singles nas paradas, mas, em geral, eles apareciam e, logo depois, saíam. Mas ‘Can I Play with Madness’ ficou séculos por lá. E até tocou nas paradas de domingo à tarde da [estação de rádio] BBC Radio 1, que é algo que nunca [nos] havia acontecido antes, nunca mesmo.”

O single seguinte, “The Evil That Men Do”, só viria em 13 de agosto. Sua inspiração é a peça Júlio César, de William Shakespeare. Da fala “O mal que os homens fazem sobrevive a eles” veio a ideia tanto para o título quanto para o refrão. Embalada por imensa campanha promocional — que incluiu a apresentação do vinho Eddie’s Evil Brew —, a música atingiria a 5ª posição no ranking britânico.

Em 7 de novembro foi a vez de “The Clairvoyant”, em cuja letra Steve reflete sobre a ideia de clarividentes serem capazes de prever a própria morte. Tal ideia tomou conta da cabeça do baixista quando da morte da notória médium britânica Doris Stokes (1920-1987):

“Se ela realmente fosse clarividente, se fosse realmente capaz de prever o futuro, não seria capaz de prever a própria morte?”

O último single, “Infinite Dreams”, lançado no fim do ano, repetiu o feito de seu antecessor, alcançando o número seis do ranking.

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“Os EUA não compreenderam o disco”

Embora “Seventh Son of a Seventh Son”, que chegou às lojas em 11 de abril de 1988, tenha sido o álbum do Iron Maiden de maior vendagem em todo o mundo, as vendas nos Estados Unidos caíram das 2 milhões de cópias registradas por “Somewhere in Time”, para a marca de 1,2 milhão. Mas para Steve, os números não são indicativo de nada:

“Você não pode se guiar só pelas vendas. As pessoas podem comprar o álbum e não gostar do material; talvez, alguns fãs que compraram ‘Somewhere in Time’ não tenham gostado dele e, portanto, não compraram o disco seguinte. Não sei.”

Ele complementa dando louvores e graças ao álbum e alfinetando o incompreensível público dos EUA:

“Foi o melhor álbum que fizemos desde ‘Piece of Mind’. Eu o adorei por ser mais progressivo. Os teclados se encaixaram com brilhantismo, e fiquei p#to com os americanos porque eles pareciam não aceitar aquilo [os teclados], eles não compreenderam o disco.”

Mesmo satisfeito — afinal, foi o sexto disco de platina consecutivo da banda, e trazia uma capa que fora ideia sua —, Bruce sente que mais poderia ter sido feito, até mesmo em outras esferas:

“O show, a capa e a faixa-título eram mais do que épicos o suficiente para satisfazer os fãs. Mas eu gostaria de ter podido explorar um pouco mais a história, talvez até no formato de graphic novel.”

Na estrada, só sucesso

No que diz respeito a shows, a turnê de “Seventh Son of a Seventh Son” — inevitavelmente denominada “Seventh Tour of a Seventh Tour” — colocou o Iron Maiden de vez como headliner em arenas e festivais.

A primeira etapa do giro, iniciada em 13 de maio, no Canadá, contou com 59 datas por toda a América do Norte. A partir de agosto, começaram os compromissos pela Europa, com destaque para a apresentação no Monsters of Rock, na Inglaterra, diante de um público recorde de mais de 100 mil pessoas, em 20 de agosto, e para dois shows em Wembley com ingressos esgotados nos dias 10 e 11 de dezembro.

A turnê chegaria ao fim em 12 de dezembro, quando os quase 10 mil fãs que lotavam o Hammersmith Odeon testemunhariam o que seria o último show de Adrian Smith no Iron Maiden até sua volta ao grupo em 1999.

Iron Maiden — “Seventh Son of a Seventh Son”

  • Lançado em 11 de abril de 1988 pela EMI
  • Produzido por Martin Birch

Faixas:

  1. Moonchild
  2. Infinite Dreams
  3. Can I Play with Madness
  4. The Evil That Men Do
  5. Seventh Son of a Seventh Son
  6. The Prophecy
  7. The Clairvoyant
  8. Only the Good Die Young

Músicos:

  • Bruce Dickinson (vocal)
  • Dave Murray (guitarra)
  • Adrian Smith (guitarra, sintetizadores)
  • Steve Harris (baixo, sintetizadores)
  • Nicko McBrain (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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