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Como o Ghost anunciou a chegada do anticristo com “Infestissumam”

Gravado nos EUA, segundo álbum dos suecos foi o responsável por estourá-los no principal mercado consumidor de discos do mundo

O som mistura heavy metal e elementos do classic rock dos anos 1970, do doom e da música sacra. A estética, teatral e única, adiciona uma aura de mistério a sua identidade. As letras, inteligentes e provocativas, abordam questões de religião, sexualidade e sociedade. Foi em razão disso que, desde sua formação em 2008, o Ghost ganhou destaque na cena musical mundial.

Fãs do gabarito de Dave Grohl (Foo Fighters), James Hetfield (Metallica) e Phil Anselmo (Pantera), entre muitos outros, endossaram apoio à banda liderada por um enigmático vocalista vestido de papa — que hoje sabemos se tratar do genial Tobias Forge — e composta por mascarados, denominados “Nameless Ghouls” (“Carniçais Sem Nome”, em português). Mas depois de cantar sobre sacrifícios humanos, orações satânicas e Elizabeth Bathory na estreia “Opus Eponymous” (2010), os suecos resolveram perscrutar ainda mais as profundezas do ocultismo de boutique em seu segundo álbum, “Infestissumam”.

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Da Suécia para o Bible Belt

A maior parte de “Infestissumam” foi escrita entre o lançamento de “Opus Eponymous” — embora algumas canções datem até de antes desse disco — e setembro de 2011, dois meses antes da primeira grande turnê europeia do Ghost, que o manteve na estrada de novembro a dezembro daquele ano. Sua gravação, no entanto, se daria somente a partir de outubro de 2012, em circunstâncias totalmente inéditas para os suecos.

Enquanto “Opus Eponymous” foi gravado em um pequeno estúdio em sua cidade natal Linköping, Suécia, com pouquíssimo envolvimento de pessoas de fora e um orçamento apertado, para “Infestissumam”, a banda, recém-contratada por uma grande gravadora — a parceria Loma Vista Recordings/Republic Records, uma divisão do Universal Music Group —, foi mandada para Nashville, Tennessee e ficou praticamente presa no estúdio com o produtor Nick Raskulinecz sem opção a não ser trabalhar, trabalhar e trabalhar até tudo ficar pronto.

Americano de Knoxville, cidade vizinha no Tennessee, Raskulinecz é cria do lendário Sound City Studios, de Los Angeles, Califórnia, onde iniciou sua trajetória como assistente de gravação e aprendeu a produzir. Seu primeiro trabalho de projeção foi “One by One” (2002), do Foo Fighters. No currículo, constam ainda álbuns de Rush, Deftones e os três de estúdio que o Alice in Chains lançou desde a retomada das atividades em 2005.

Raskulinecz acabou revelando-se a escolha certa no decorrer do processo. Um dos Nameless Ghouls em 2013 disse ao MSN: “Ele consegue trabalhar com uma banda sem tentar transformá-la em outra coisa”. No entanto, a gravadora — na figura de Tom Whalley, responsável pela Loma Vista — também fez sua parte, abstendo-se de exercer pressões de qualquer natureza; ou, como um Nameless Ghoul disse ao Pitchfork: “o mais próximo que você pode chegar de ser uma banda independente sem ser uma banda independente”.

O anticristo do dia a dia

Um único contratempo consta das gravações de “Infestissumam”. Por causa das letras satânicas, nenhum coro local topou cantar no disco, obrigando o Ghost a realizar tais acréscimos na Califórnia, longe do Bible Belt, “onde as pessoas não veem problema em adorar o Diabo”.

Mas “Infestissumam” — termo em latim para “a maior ameaça”, em referência ao anticristo — não é um mero apanhado de versos estarrecedores e gratuitamente demoníacos. De acordo com um Nameless Ghoul, a maioria das músicas possui um significado literal e um subliminar:

“A mensagem literal do álbum é o conceito de [que há] um demônio e seu filho em nossa presença enquanto falamos. Ou, mais especificamente, como a humanidade se relaciona com isso e como escolhe rotular as coisas como obras do diabo e afins, e não como [resultados da própria] ambição humana e sua vontade de progredir.”

Outro ponto no qual o álbum toca por meio de referências a figuras femininas e aos ditos prazeres da carne em suas letras é como a humanidade — predominantemente homens — sempre demonizou as mulheres, ao longo da história e até os dias de hoje. Ao Pitchfork, um Nameless Ghoul faz a seguinte relação:

“[É como na] Inquisição, que foi basicamente homens acusando mulheres de serem o Diabo só porque sentiam tesão por elas.”

Musicalmente, “Infestissumam” traz o Ghost pisando fora do quadrado que desenhara — ou que as restrições orçamentárias lhes obrigaram a desenhar — para si em “Opus Eponymous”. Em entrevista à Revolver, conduzida por Phil Anselmo, um Nameless Ghoul revela quais artistas e álbuns constavam da playlist do grupo além de Blue Öyster Cult, Mercyful Fate e Voivod, levantados por Anselmo:

“‘Season of the Dead’, do Necrophagia, e ‘Seven Churches’, do Possessed, assim como ‘Ocean Rain’, do Echo & the Bunnymen, e ‘Strange Days’, do The Doors. Acho que o que nos diferencia das outras bandas, especialmente aquelas que também misturam estilos musicais tão diversos, é que fazemos com que soe natural em vez de misturados ao acaso.”

O Nameless Ghoul em questão ainda destaca um diferencial na maneira de compor do Ghost:

“As músicas são escritas começando pelos vocais e depois enriquecidas com riffs e instrumentações, enquanto a maioria das bandas pesadas se concentra primeiro nos riffs e depois adiciona as linhas vocais, suponho.”

Sucesso do jeito que o diabo gosta

Com capa inspirada na do filme “Amadeus” (1984), “Infestissumam” chegou às lojas em 10 de abril de 2013; quatro meses depois de o primeiro single, “Secular Haze”, ser disponibilizado na internet, cerca de um após “Year Zero” e passados dois dias desde a terceira prévia, “Monstrance Clock”. Todas essas faixas vieram acompanhadas de videoclipes.

Como de praxe, o público japonês foi presenteado com bonus tracks exclusivas: a autoral “La Mantra Mori” e covers de “I’m a Marionette”, do Abba, e “Waiting for the Night”, do Depeche Mode; essas duas, com Dave Grohl na bateria.

A recepção foi calorosa: a imprensa musical nos quatro cantos do mundo abraçou o Ghost e prospectou-o como uma das novas lideranças do rock. Presente em diversas listas de melhores do ano, “Infestissumam” pôs o grupo na estrada para sua primeira e bem-sucedida turnê norte-americana (Haze Over North America 2013) e ainda o fez ser escalado na edição daquele ano do Rock in Rio. Além da capital fluminense, São Paulo e Curitiba receberam shows. A divulgação se estendeu até 2014, abrangendo o lançamento do EP “If You Have Ghost”, em novembro de 2013.

De acordo com o banco de dados BestSellingAlbums.org, “Infestissumam” vendeu 20 mil cópias na Suécia, conquistando disco de ouro no país. Nos EUA, os números mostraram-se bem mais expressivos: 14 mil cópias foram comercializadas somente na primeira semana, levando o Ghost a um esplêndido 28º lugar no Billboard 200 e um número 1 na parada de hard rock; feito somente repetido por “Impera” (2022).

Ghost — “Infestissumam”

  • Lançado em 10 de abril de 2013 pela Sonet / Loma Vista
  • Produzido por Nick Raskulinecz

Faixas:

  1. Infestissumam
  2. Per Aspera ad Inferi
  3. Secular Haze
  4. Jigolo Har Megiddo
  5. Ghuleh / Zombie Queen
  6. Year Zero
  7. Body and Blood
  8. Idolatrine
  9. Depth of Satan’s Eyes
  10. Monstrance Clock

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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