Quando assisti ao primeiro filme do Shazam, lá em 2019, a sensação que eu tive foi “este é o Guardiões da Galáxia do Universo DC dos cinemas”. Um filme gostoso, leve, descontraído e, principalmente, descompromissado.
A obra conversava com o tal do conceito de “universo expandido”, sim, trazendo uma referência aqui e outra ali. Mas, no geral, era uma história fechada em si mesma, começo, meio e fim. E um filme que, não por acaso, muita gente por aí disse que seria “a DC tentando simular a Marvel nos cinemas” – uma trama colorida, cheia de piadinhas, cheia de referências pop, longe do estilo sombrio do chamado #Snyderverso.
Corta pra 2023. Os Guardiões da Galáxia vão ganhar seu terceiro e último filme dirigido por James Gunn – que assume justamente as rédeas da concorrente DC nos cinemas. E enquanto ele prepara uma espécie de recomeço deste universo nas telonas e telinhas, chega – veja só – a continuação das aventuras de Billy Batson e sua família, “Shazam! Fúria dos Deuses”, um dos poucos resquícios da construção da era Zack Snyder. E com produção de Peter Safran… o cara que divide o controle do DC Studios com Gunn. Para completar o ciclo, só faltava mesmo “Shazam! Fúria dos Deuses” ter um cheiro de Marvel na trama. Será que tem?
Bom… Sinto informar àqueles que odeiam a Casa das Ideias que a resposta é “sim”, hahaha. O segundo filme do Mortal Mais Poderoso da Terra, aquele mesmo que nos gibis outrora atendeu pela alcunha de Capitão Marvel, cresceu, ganhou corpo e até tentou flertar com o épico em certo momento. É, de fato, uma produção maior e com muito mais orçamento. Mas carrega, essencialmente, o mesmo espírito galhofeiro do filme anterior.
Portanto, sim, para alguns é de novo “a DC tentando simular a Marvel nos cinemas”. Vivam com isso.
“Shazam! Fúria dos Deuses”, uma história de família
Talvez a grande diferença, narrativamente falando, seja que “Shazam! Fúria dos Deuses” ainda tem Billy Batson como protagonista. Mas, aqui, sua família superpoderosa ganha muito mais espaço, contorno e personalidade, tal qual acontece na fase Geoff Johns dos gibis, fonte de inspiração máxima desta versão do herói.
Tanto é que uma das mais interessantes histórias paralelas é a de Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), o garoto deficiente que tenta encontrar seu próprio espaço como super-herói e ser humano, longe da vigilância do irmão adotivo Billy. As sequências dele ao lado do Mago Shazam (Djimon Hounsou) são absolutamente impagáveis e valeriam um filme à parte.
E se o assunto é a caçulinha Darla (Faithe Herman na versão criança, Meagan Good na versão heroica), tem fofura pra dar e vender, tanto na já icônica sequência final – uma saída simplesmente genial, que eu amei de paixão – quanto numa sequência envolvendo o sensacional tigre Tawky Tawny, coadjuvante icônico dos gibis e que merecia ter sido maior e melhor explorada.
A trama mostra que, agora que todos os irmãos têm poderes, Billy tenta ser uma espécie de líder desta equipe, mantendo todos juntos sempre, não importa em qual seja a missão, resultando numa gestão um pouco controladora demais. Ainda amadores, um tanto atrapalhados, eles são vistos como verdadeiros “fracassos” de capa na Filadélfia.
Enquanto isso, uma outra família, esta de deusas, loucas e feiticeiras, filhas do titã grego Atlas, estão livres, leves e soltas graças a um vacilo cometido pelo próprio Shazam lá no primeiro filme (você vai descobrir qual). E elas estão em busca de vingança, justamente por uma questão relacionada aos poderes do herói e sua turma.
Sabe a coisa do significado do acrônimo Shazam – Salomão (sabedoria), Hércules (força), Atlas (vigor), Zeus (poder), Aquiles (coragem) e Mercúrio (velocidade)? Isso é enfim abordado na história e ganha vital importância, ajudando inclusive no autoconhecimento e amadurecimento do personagem principal.
As vilãs e o tamanho da ameaça
Ao invés de uma um cientista louco bwahahahahaha como Doutor Silvana, a história tem duas deusas como antagonistas, a assustadora Hespera (Helen Mirren, claramente se divertindo horrores) e a sociopata Kalypso (Lucy Liu). Portanto, já dá pra imaginar que o tamanho da ameaça é bem maior.
No fim, a Filadélfia acaba sofrendo um ataque de proporções tamanhas que chega a lembrar a destruição em massa que atingiu Metrópolis em “O Homem de Aço” (2013), com direito a criaturas mitológicas como harpias, minotauros e ciclopes. Isso, é claro, além de um monstruoso dragão com corpo de madeira, uma versão do Ladão, criatura da mitologia grega que guardava a árvore das maçãs douradas no Jardim das Hespérides.
Portanto, claro que a coisa toda ganha um escopo bem maior. As piadocas de tiozão estão todas lá, óbvio. Mas espere também muito mais cenas de ação, pancadaria, efeitos especiais, raios, trovões e a p#rra toda. Digamos que demora um pouco pra acontecer mas, quando a tal Fúria dos Deuses do título do filme vem, ela vem com tudo. Com direito até a um inesperado desfecho de tons dramáticos, na melhor tradição das histórias de morte e sacrifício dos mitos gregos.
As referências pop em “Shazam! Fúria dos Deuses”
A comparação com os Guardiões da Galáxia está longe de ser descabida porque tanto o filme anterior do Shazam quanto este “Shazam! Fúria dos Deuses” são cheios de pequenas, médias e enormes menções a clássicos da cultura pop.
Tem gracejos sobre “O Senhor dos Anéis”, “Velozes e Furiosos”, “Game of Thrones”. Tem uma coleção de camisetas que falam diretamente com algumas das inspirações anos 1980 do diretor, como Goonies e Gremlins (e se você prestar bem atenção, vai identificar um temperinho de ambos ao longo da projeção). Além da Marvel, é claro. Sim, sim. Da mesma forma que a Marvel referenciou a DC em “Eternos”, o Shazam brinca até com os Vingadores, sem qualquer vergonha ou preconceito.
A conexão com o restante da DC
Além de abrir os trabalhos com o Shazam em terapia, falando sobre suas frustrações como super-herói na comparação com o irado Batman e o machão Aquaman, o filme mostra que Billy, um garoto prestes a completar 18 anos, está numa espécie de luta para aceitar a sua maioridade. E, igualmente, numa obsessão completa com a Mulher-Maravilha.
Neste tipo de trama, toda regada à mitologia grega, a conexão com Diana faz sentido completo. E sim, isso não é spoiler algum (até porque a própria Warner resolveu anunciar isso oficialmente aos 45 do segundo tempo), mas a heroína aparece no filme, devidamente interpretada por Gal Gadot, diferente daquele Superman sem rosto no filme anterior. E digamos que ela surge em um momento com importância ímpar para a trama, trazendo uma interação entre os dois que pula do emocionante para o (propositalmente) constrangedor.
Quando o filme acaba, o Shazam está em outro momento. Digamos que o menino passou de fase. Ele e toda a família, aliás. O grande ponto é que, levando em consideração tanto a aparição da Mulher-Maravilha quanto uma das cenas pós-créditos, podemos esperar que Zachary Levi tenha de fato um futuro como Shazam nas próximas produções da DC, ao lado de um novo Batman e de um novo Superman? Pois se a gente não sabe nem se a própria Gal Gadot está garantida, o que dirá do pobre Billy Batson? E as tais especulações sobre um encontro com o Adão Negro, então? Esquece.
Por enquanto, da mesma forma que aconteceu em 2019, só senta aí e se diverte, meu.
*“Shazam! Fúria dos Deuses” chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (16).
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