A guitarra do Led Zeppelin encontra a voz do Whitesnake e das formações Mk3 e Mk4 do Deep Purple para um álbum. O que poderia dar errado?
Sem saberem que era possível desapontar uma fatia considerável de seus fãs, Jimmy Page e David Coverdale toparam se juntar só para ver se dava liga. Até que deu, mas não das mais resistentes e duradouras. Dependendo do ângulo, pode-se dizer até que o tiro saiu pela culatra.
Jimmy Page ainda vivo
A produção de Jimmy Page nos anos 1980 se resumiu à trilha sonora do filme “Desejo de Matar 2” (1982), aos dois discos do The Firm, supergrupo de curta duração que formou com o vocalista Paul Rodgers (Free, Bad Company) — o homônimo, de 1985, e “Mean Business”, de 1986 —, e a “Outrider” (1988).
No mesmo ano deste, que permanece até hoje como seu único álbum solo, Page começou a remasterizar o catálogo do Led Zeppelin para vindouro lançamento em CD. O trabalho o fez pensar que ele ainda tinha muito a contribuir e dizer na música.
Mais que isso: ele mostraria ao mundo que estava vivo e com tudo em cima.
A Brad Tolinski, autor de “Luz & Sombra” (Globo, 2012), Jimmy Page revela a sensação que pairou no ar depois do lançamento dos CDs do Led Zeppelin remasterizados por ele:
“Havia a sensação entre meus empresários e os de John Paul Jones e Robert Plant que de uma forma ou de outra acabaríamos nos reunindo. Não tínhamos certeza se íamos planejar a ‘lendária turnê que nunca aconteceu’, ou gravar um álbum novo, ou as duas coisas. Infelizmente, o destino não quis. Então, minha opção seguinte era pensar em outro álbum solo.”
David Coverdale em desencanto
Por sugestão de John Kalodner, executivo de A&R da Geffen Records e arquiteto responsável pela volta triunfal do Aerosmith, em 1991 Jimmy Page uniu forças com David Coverdale, vocalista do Whitesnake e colega de gravadora, para trabalharem juntos num novo álbum.
Em entrevista ao autor Martin Popoff reproduzida em “Whitesnake: A fantástica jornada de David Coverdale” (Estética Torta, 2020), Kalodner explica seu plano:
“Eu realmente queria que o Whitesnake continuasse e que o Led Zeppelin se reunisse. Então, na época, foi o melhor que pude fazer, juntando um ótimo cantor com um ótimo guitarrista.”
Desiludido com toda a estética pomposa do glam metal à qual o Whitesnake havia se sujeitado para permanecer em evidência, Coverdale resolvera desmanchar o grupo e, assim, distanciar-se de seu passado recente, como afirmou a Brad Tolinski:
“Eu estava totalmente desencantado em fazer parte do Whitesnake por conta dos aspectos periféricos de ser músico — os clipes, a imprensa, a maquiagem —, que começavam a ficar mais importantes que compor e cantar. Tudo caiu em: ‘com licença que vou vestir algo mais confortável’.”
Vestiu, de fato: depois do último show da exaustiva turnê de “Slip of the Tongue” (1989), em 26 de setembro de 1990, David se deu conta de que estava vivendo uma vida de ilusões, e colocou um ponto-final nisso pedindo para sua figurinista queimar todas as suas constrangedoras roupas de palco.
“Fumamos o mesmo cigarro”
Jimmy Page e David Coverdale se deram muito bem pessoalmente. Como uma alfinetada nos críticos que foram ligeiros em taxar o projeto como algo menor na carreira do guitarrista, Page afirmou:
“Nosso pé é do mesmo tamanho e fumamos o mesmo cigarro. Isso é o que eu chamo de parceria!”
O próximo passo era tentar compor a quatro mãos, coisa que o guitarrista não fazia desde os tempos do Led. Ele prossegue:
“Só porque éramos dois ‘pesos pesados’ não significava que íamos conseguir criar a mesma magia necessária para juntar os dois nomes. Decidimos tentar durante duas semanas. Imaginei que, com sorte, conseguiríamos montar umas quatro músicas.”
Nessas duas semanas, a coisa começou a verter. A ideias outrora rejeitadas pelo Led — o riff de “Shake My Tree” data dos tempos de “In Through the Out Door” (1979) —, misturam-se momentos como “Take a Good Look at Yourself” (prima distante de “Here I Go Again”, do Whitesnake) e “Don’t Leave Me This Way”, que Coverdale afirma ser a sua predileta do projeto.
Como não poderia faltar, o disco traz um número épico de encerramento na forma de “Whisper a Prayer for the Dying”, que pleiteia seu lugar junto às imortais “When the Levee Breaks”, do Zeppelin e “Midnight Moonlight”, do Firm; dois exemplos de que, em se tratando de Page, o melhor de um disco muitas vezes está nos sulcos finais.
Quando muito empenho ainda é nada
Com meia dúzia de músicas prontas, Jimmy Page e David Coverdale convocaram o baixista Ricky Phillips e o baterista Denny Carmassi (Heart) para gravar as demos do que se tornaria o álbum “Coverdale/Page”.
A Martin Popoff, Phillips rememora a espartana rotina em estúdio:
“Denny e eu acordávamos cedo. Nos encontrávamos às oito ou nove horas da manhã no apartamento dele e íamos trabalhar em cima do que quer que tivéssemos feito com Jimmy na véspera. Íamos até o estúdio ali perto… chegávamos por volta das dez. Trabalhávamos com Jimmy das dez ao meio-dia, parando para almoçar, depois continuávamos até duas, três da tarde, hora que David chegava para ver o que havia sido feito, e começava a cantar.”
Os quatro fizeram isso por semanas a fio e, depois, passados quatro ou cinco meses, finalmente começaram a gravar pra valer. Segundo Page, as bases do álbum foram gravadas no Little Mountain Studio, em Vancouver. Vocais e overdubs foram finalizados no Criteria Studios, em Miami.
O guitarrista, que demorou um ano para registrar suas partes, conta que sempre quis trabalhar assim:
“O intuito por trás do projeto era fazer as coisas com bastante tempo e manter a qualidade. Eu queria mostrar o melhor de mim. Tinha 72 canais para brincar, então aproveitei. Não tocava tão bem desde a época do Led Zeppelin.”
Apesar do tempo investido em minúcias e da altíssima expectativa gerada em torno da parceria, para John Kalodner, ainda assim, faltou dedicação de ambos os principais envolvidos:
“Eles não se empenharam muito no disco, especialmente Jimmy Page. Ele é talvez o melhor guitarrista de todos os tempos, ou segundo melhor, ao lado de Jeff Beck e Eric Clapton. Mas produziu pouco, e Coverdale meio que entrou nesse ritmo fazendo o mínimo. Eles compraram a ideia do projeto, mas não acho que tenham dado 100% de si; faltava empenho.”
Mordido de ciúme
O casamento forçado entre Jimmy Page e David Coverdale não foi visto com bons olhos por Robert Plant, que foi a público dizer que não aprovava a colaboração, soltando um monte de indiretas contra o guitarrista. No fim das contas, coube a John Kalodner o gerenciamento da crise, conforme detalha a Martin Popoff:
“Tive que escrever uma carta com um pedido de desculpas ao Robert. Page me disse que Robert estava muito chateado comigo, e eu queria lhe dizer que nunca partiria de mim desrespeitá-lo. Ele ficou ofendido por eu ter colocado David Coverdale para cantar com Jimmy Page. Se aquilo o ofendeu, de fato, não foi minha intenção.”
No mesmo bate-papo, Kalodner aventa um motivo possível para Plant ter ficado ofendido:
“Acho que ele via David como um cantor de segunda categoria, talvez… não sei.”
“Um álbum dos anos 1980 nos anos 1990”
Lançado em março de 1993, “Coverdale/Page” fez sucesso tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido, ganhando disco de platina. A banda fez sete shows no Japão, mas o clima não era de comemoração, e sim de saco cheio. Cinco singles foram extraídos do álbum, mas apenas “Pride and Joy” e “Shake My Tree” repercutiram.
Quanto à sonoridade, que Martin Popoff define como a de um álbum dos anos 1980 que caiu de paraquedas nos anos 1990, Ricky Phillips avalia, com notório amargor:
“Acho que, por melhor que esse disco tenha sido, e acho ele um ótimo álbum, eu adoraria saber como seria se nós o tivéssemos editado inteiramente em três semanas, da forma como o ensaiamos. Essas músicas, nos nossos ensaios, soavam formidáveis e ao vivo, como Led Zeppelin, e não superproduzido. Tudo naquele período soava superproduzido, e foi assim que esse disco acabou soando. A abordagem Led Zeppelin teria sido fantástica e mais do meu agrado.”
No fim das contas, o Coverdale/Page foi uma colaboração curta, mas serviu para inspirar Jimmy Page e Robert Plant a se reunirem menos de um ano depois. Já David Coverdale teria de esperar quatro anos até gravar um novo álbum.
Coverdale/Page – “Coverdale/Page”
- Lançado em 15 de março de 1993 pela EMI
- Produzido por David Coverdale, Jimmy Page e Mike Fraser
Faixas:
- Shake My Tree
- Waiting on You
- Take Me for a Little While
- Pride and Joy
- Over Now
- Feeling Hot
- Easy Does It
- Take a Look at Yourself
- Don’t Leave Me This Way
- Absolution Blues
- Whisper a Prayer for the Dying
Músicos:
- David Coverdale (vocal, violão nas faixas 4 e 7)
- Jimmy Page (guitarra; baixo na faixa 3; violão nas faixas 1, 3, 4, 5, 7, 9 e 11; gaita; dulcimer na faixa 4)
- Denny Carmassi (bateria, percussão)
- Ricky Phillips (baixo nas faixas 7 e 10)
- Jorge Casas (baixo em todas as faixas, exceto 7 e 10)
- Lester Mendez (teclados nas faixas 3, 5, 7, 8, 9, 10 e 11; percussão na faixa 7)
- Tommy Funderburk (backing vocals nas faixas 2, 6, 7, 10 e 11)
- John Sambataro (backing vocals nas faixas 2, 6, 10 e 11)
- John Harris (gaita acústica na faixa 4)
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eu encaro esse álbum como um clássico. embora tenha gerado tantas desavenças com o enciumado Page, é um álbum que tenho muito carinho. E não tem como não escutar “Take Me For A Little While” e não lembrar da morena.
Gosto muito desse álbum, acho Coverdale um dos melhores vocais e ainda se juntou com o gigante Page. Gosto do peso e também gosto de ser um disco pouco comercial sem clichês para alavancar vendas. Discordo com algumas críticas e acredito que esse álbum tem que ser mais valorizado.
abraços.
Ótimo álbum. Não tem nenhuma música ruim, ao contrário dos dois últimos do Led Zeppelin. Gostaria que ele fosse disponibilizado no Spotify e afins.