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“Entre Mulheres”: um gigante que será esquecido no Oscar

Longa da cineasta Sarah Polley, que traz elenco feminino de peso e fala sobre opressão do patriarcado, muito provavelmente passará ileso ao barulho da premiação

“Entre Mulheres” (no original em inglês, “Women Talking”) entrou para a lista de indicados ao Oscar 2023 em duas das principais categorias: Melhor Filme – com outros nove nomes – e Melhor Roteiro Adaptado. Mas a película até agora não havia chamado muita atenção, diferente de outros blockbusters com os quais concorre.

Isso é um indicativo grave, porque muito provavelmente o longa será um pária, um tesouro esquecido como os muitos que já foram indicados e sumiram nas areias da mídia e do marketing, ao longo de 95 anos de premiação.

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Baseado no livro homônimo da canadense Miriam Toews, publicado em 2018, “Entre Mulheres” conta a história de oito mulheres menonitas – movimento evangélico ultraortodoxo, um braço dos Amish, cuja algumas variações rejeitam a modernidade e tecnologia, incluindo eletricidade e automóveis. Ao perceberem que estavam sendo vítimas de violência sexual, precisam decidir se continuam na comunidade ou não.

O livro conta um caso real. Towes foi criada em um agrupamento menonita do Canadá e ficou sabendo de estupros coletivos nas colônias da Bolívia entre 2005 e 2009, se colocando a investigá-los. O caso culminou com a prisão e pena de 25 anos para 7 homens da colônia, em 2011, além de levar à publicação de seu livro.

Sua história será diferente da nossa

O filme se passa praticamente inteiro em um celeiro onde 8 mulheres, aproveitando a ausência temporária dos homens da colônia, se reúnem para debater sobre seu futuro. Elas têm até 48 horas para decidir se fogem, fazem uma rebelião ou aceitam o destino que lhes foi imposto. 

O formato, que conta com um cenário reduzido, focos de luz pontuais e diálogos poderosíssimos e extremamente significativos, lembra bastante uma peça de teatro. Mesmo assim, as poucas cenas externas são de extrema beleza e poesia em meio à violência crua pela qual passam.

A diretora explicou que a escolha da coloração pálida foi para dar a impressão de “uma sociedade que se desintegrava no passado”. Ao mexer na saturação das cores, o longa parece ser em preto e branco, mas certos tons, mais escuros e outros quentes, aparecem, ainda que bem tênues, em tela. Apesar da trama se passar em 2010, a impressão é de que todas estão no século 19, por exemplo.

A história é semi-narrada pela adolescente Autje (Kate Hallet)  mas conta com um elenco peso pesado com nomes como Frances McDormand (“Nomadland”), Rooney Mara (“Carol”) Jessie Buckley (“A Filha Perdida”), Claire Foy (“The Crown”), Judith Ivey (“Advogado do Diabo”) e Ben Whishaw, o único homem presente no fórum e que tem o papel de escrivão na reunião.

Apesar de ter como pano de fundo um fato real brutal, o foco do filme não são os ataques que essas mulheres sofreram, mas a argumentação, o desenvolvimento e a conclusão da ação que elas vão tomar diante deste pesadelo. A escolha de concentrar toda a trama no debate dessas mulheres é deveras significativa, já que elas não têm qualquer voz nessa comunidade e são proibidas de questionar, argumentar e até mesmo de pensar.

Múltiplas mulheres

Como se trata de uma discussão, nem todas são a favor das propostas sugeridas ali e muito se revela nesse riquíssimo debate. Nele enxergamos os diversos feminismos e suas motivações, incluindo uma assimilação do machismo também, já que as protagonistas são totalmente diferentes entre elas – mas todas parte de uma sociedade machista que oprime a cada mulher por igual.

Nessas cenas, vemos temas como relações de gênero e poder, classe e construção do patriarcado in a nutshell. Nos diálogos e nos silêncios, nas referências e nas passagens bíblicas usadas como alento, nas canções para acolhimento, nos abraços e nas explosões de raiva, nas lágrimas e nas risadas aparentemente sem nexo. “Às vezes eu acho que as pessoas riem o tanto quanto gostariam de chorar”, comenta a narradora.

O mais importante, no entanto, está no fato de ali, apesar de resultado de um ato de violência, as mulheres finalmente tomarem as rédeas da própria vida. Pela primeira vez elas podem falar, pensar, discordar e decidir o rumo que vão tomar SEM A INTERFERÊNCIA dos homens, apesar de estarem sofrendo a consequência de seus atos.

“Entre Mulheres” com certeza tem falhas e pode ser encarado por alguns como um apanhado raso sobre questões extremamente profundas. Mas cabe lembrar aqui que filmes ficcionais contam histórias, não necessariamente são teses ou aulas sobre determinados assuntos. Por isso, pedem um parecer mais leve, muito mais focado no conjunto da obra, no mérito de trazer esse tipo de discussão à tona, do que na precisão de teorias dispostas.

O longa é um soco no estômago necessário em tempos de red pills e discursos misóginos ao redor do globo. Uma pena não ter sido tão incensado antes de sua indicação, mas esperamos que reverbere infinitamente agora à luz do Oscar, como sua mensagem merece.

* “Entre Mulheres” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (2).

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InícioResenhasCríticas de filmes“Entre Mulheres”: um gigante que será esquecido no Oscar
Gabriela Franco
Gabriela Francohttps://linktr.ee/minasnerds
Gabriela Franco é criadora do Minas Nerds, jornalista, cineasta, podcaster, mãe de gente, pet e planta. Ex-HBO, MTV, Folha de S.Paulo, Globo… Atualmente, escreve pro Gibizilla e também apresenta os podcasts Imagina Se Pega no Olho e Imagina Se Pega no Ouvido. É marvete, mas até tem amigos DCnautas.

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Longa da cineasta Sarah Polley, que traz elenco feminino de peso e fala sobre opressão do patriarcado, muito provavelmente passará ileso ao barulho da premiação

“Entre Mulheres” (no original em inglês, “Women Talking”) entrou para a lista de indicados ao Oscar 2023 em duas das principais categorias: Melhor Filme – com outros nove nomes – e Melhor Roteiro Adaptado. Mas a película até agora não havia chamado muita atenção, diferente de outros blockbusters com os quais concorre.

Isso é um indicativo grave, porque muito provavelmente o longa será um pária, um tesouro esquecido como os muitos que já foram indicados e sumiram nas areias da mídia e do marketing, ao longo de 95 anos de premiação.

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Baseado no livro homônimo da canadense Miriam Toews, publicado em 2018, “Entre Mulheres” conta a história de oito mulheres menonitas – movimento evangélico ultraortodoxo, um braço dos Amish, cuja algumas variações rejeitam a modernidade e tecnologia, incluindo eletricidade e automóveis. Ao perceberem que estavam sendo vítimas de violência sexual, precisam decidir se continuam na comunidade ou não.

O livro conta um caso real. Towes foi criada em um agrupamento menonita do Canadá e ficou sabendo de estupros coletivos nas colônias da Bolívia entre 2005 e 2009, se colocando a investigá-los. O caso culminou com a prisão e pena de 25 anos para 7 homens da colônia, em 2011, além de levar à publicação de seu livro.

Sua história será diferente da nossa

O filme se passa praticamente inteiro em um celeiro onde 8 mulheres, aproveitando a ausência temporária dos homens da colônia, se reúnem para debater sobre seu futuro. Elas têm até 48 horas para decidir se fogem, fazem uma rebelião ou aceitam o destino que lhes foi imposto. 

O formato, que conta com um cenário reduzido, focos de luz pontuais e diálogos poderosíssimos e extremamente significativos, lembra bastante uma peça de teatro. Mesmo assim, as poucas cenas externas são de extrema beleza e poesia em meio à violência crua pela qual passam.

A diretora explicou que a escolha da coloração pálida foi para dar a impressão de “uma sociedade que se desintegrava no passado”. Ao mexer na saturação das cores, o longa parece ser em preto e branco, mas certos tons, mais escuros e outros quentes, aparecem, ainda que bem tênues, em tela. Apesar da trama se passar em 2010, a impressão é de que todas estão no século 19, por exemplo.

A história é semi-narrada pela adolescente Autje (Kate Hallet)  mas conta com um elenco peso pesado com nomes como Frances McDormand (“Nomadland”), Rooney Mara (“Carol”) Jessie Buckley (“A Filha Perdida”), Claire Foy (“The Crown”), Judith Ivey (“Advogado do Diabo”) e Ben Whishaw, o único homem presente no fórum e que tem o papel de escrivão na reunião.

Apesar de ter como pano de fundo um fato real brutal, o foco do filme não são os ataques que essas mulheres sofreram, mas a argumentação, o desenvolvimento e a conclusão da ação que elas vão tomar diante deste pesadelo. A escolha de concentrar toda a trama no debate dessas mulheres é deveras significativa, já que elas não têm qualquer voz nessa comunidade e são proibidas de questionar, argumentar e até mesmo de pensar.

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Como se trata de uma discussão, nem todas são a favor das propostas sugeridas ali e muito se revela nesse riquíssimo debate. Nele enxergamos os diversos feminismos e suas motivações, incluindo uma assimilação do machismo também, já que as protagonistas são totalmente diferentes entre elas – mas todas parte de uma sociedade machista que oprime a cada mulher por igual.

Nessas cenas, vemos temas como relações de gênero e poder, classe e construção do patriarcado in a nutshell. Nos diálogos e nos silêncios, nas referências e nas passagens bíblicas usadas como alento, nas canções para acolhimento, nos abraços e nas explosões de raiva, nas lágrimas e nas risadas aparentemente sem nexo. “Às vezes eu acho que as pessoas riem o tanto quanto gostariam de chorar”, comenta a narradora.

O mais importante, no entanto, está no fato de ali, apesar de resultado de um ato de violência, as mulheres finalmente tomarem as rédeas da própria vida. Pela primeira vez elas podem falar, pensar, discordar e decidir o rumo que vão tomar SEM A INTERFERÊNCIA dos homens, apesar de estarem sofrendo a consequência de seus atos.

“Entre Mulheres” com certeza tem falhas e pode ser encarado por alguns como um apanhado raso sobre questões extremamente profundas. Mas cabe lembrar aqui que filmes ficcionais contam histórias, não necessariamente são teses ou aulas sobre determinados assuntos. Por isso, pedem um parecer mais leve, muito mais focado no conjunto da obra, no mérito de trazer esse tipo de discussão à tona, do que na precisão de teorias dispostas.

O longa é um soco no estômago necessário em tempos de red pills e discursos misóginos ao redor do globo. Uma pena não ter sido tão incensado antes de sua indicação, mas esperamos que reverbere infinitamente agora à luz do Oscar, como sua mensagem merece.

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