A dificuldade encontrada por este jornalista para listar os dez álbuns lançados em 2022 de que mais gostou diz muito sobre como o ano foi recheado de boas novidades. Da mesma forma, o nível de ecletismo e leveza presentes na lista abaixo denota que, pelo menos para mim, 2022 não foi um ano metálico ou extremo.
Destacaram-se, no meu entendimento, artistas e bandas que foram além do óbvio e souberam, de alguma forma, canalizar sentimentos pessoais de modo a torná-los coletivos. Mas houve também escolhidos mais pela forma do que pelo conteúdo.
E antes que alguém comente “faltou fulano”, bem… a lista é minha, logo, não faltou, né, parça?
Os melhores discos de 2022 na opinião de Marcelo Vieira
10) Stryper – “The Final Battle”
Sangue de Jesus tem poder e, se depender do que o Stryper apresenta em “The Final Battle”, tem também peso, velocidade e primor técnico; seja nos vocais de Michael Sweet, seja na dobra de guitarras que o cara faz com o recém-recuperado do câncer Oz Fox. Em seu novo álbum de estúdio os pais do metal cristão incorporam o que há de melhor nos seus passados distante e recente e conseguem o improvável e quiçá impossível: agradar tanto ao fã old school quanto ao que prefere seu metal com invólucro moderno.
9) Queensrÿche – “Digital Noise Alliance”
Tendo aparentemente superado os problemas que batiam à porta nos últimos anos, o Queensrÿche chega ao quarto álbum de estúdio com Todd LaTorre nos vocais preservando a qualidade que vem sendo oferecida desde o trabalho homônimo lançado em 2013. “Digital Noise Alliance” (ou “D.N.A.”) marca o retorno do guitarrista Mike Stone — que integrou o grupo de 2003 a 2008 — e a estreia do baterista Casey Grillo em músicas que rivalizam em carisma e qualidade com os grandes clássicos dos precursores do Prog Metal. Quem disse que só se toma a curva ascendente uma vez na carreira?
8) Cássia Eller & Victor Biglione – “Cássia Eller & Victor Biglione in Blues”
O mais recente acréscimo póstumo à curta porém inebriante carreira discográfica de Cássia Eller e último título a ingressar na presente lista de Melhores do Ano consiste em material gravado três décadas atrás. Ao lado do guitarrista Victor Biglione, ela ministra verdadeira imersão no Blues interpretando desde standards do gênero a músicas que ajudaram a mantê-lo vivo passada a safra da qual saíram John Lee Hooker, Muddy Waters e Howlin’ Wolf. Conhecida pelo canto rasgado e munido de uma atitude rocker despojada, Eller nunca soou tão doce como em “When Sunny’s Get Blue” — por que choras, Diana Krall? —, e ao incluir “Lazy”, do Deep Purple, no medley instrumental, Biglione oferece mais uma prova de que o som nascido às margens do rio Mississipi é mesmo o pai da coisa toda.
7) Eric Gales – “Crown”
“Meu nome é Eric Gales. Alguma pergunta?” É assim que começa “Crown”, novo e estarrecedor álbum de um dos melhores guitarristas do momento. De mãos dadas com Joe Bonamassa — cujo papel nos bastidores parece ter manifestado, também, na seara composicional e estilística —, Gales oferece uma mistura inesperadamente eclética e original para um disco a princípio ancorado no blues rock. Como característico em sua obra, as letras trazem entrelinhas contestatórias representativas e necessárias, o que engrandece ainda mais músicas como “Too Close to the Fire”, forte candidata a sua obra-prima até o presente.
6) The Cult – “Under the Midnight Sun”
Antes que a banda engrene no que parece ser algo de “Love” (1985) submetido a um tratamento alternativo pós-anos 2000, Ian Astbury anuncia: “Esqueça o que você sabe”. Essa é realmente a regra de ouro se o objetivo for apreciar e absorver “Under the Midnight Sun”, o mais recente manifesto do The Cult no qual a banda, que não é Ninja Loki, mas fez de tudo nessa vida, se reinventa uma vez mais visando a um posto junto aos gigantes no Olimpo do rock. São apenas oito faixas que somadas dão pouco mais de meia hora… mas que meia hora!
5) Fantastic Negrito – “White Jesus, Black Problems”
“Things are just the same / As they were 30 years ago today”, denuncia Fantastic Negrito em “Venomous Dogma”, faixa que abre seu mais novo e excelente trabalho, sobre como é ser homem preto nos Estados Unidos da América. Em “White Jesus, Black Problems”, o cara prova que é o Gil Scott-Heron de nosso tempo; revolucionário na forma — inacreditável abrangência de estilos e igualmente impressionantes qualidades vocal e instrumental — e lancinante no conteúdo. Mesmo nas faixas que entregam alguma despreocupação e soam, aparentemente, alto-astral, as letras trazem caráter contestatório e discurso antirracista; infelizmente ainda necessário para que não haja mais Rodney Kings, Latasha Harlins ou George Floyds.
4) Red Hot Chili Peppers – “Unlimited Love”
O álbum que marca o retorno do guitarrista John Frusciante ao Red Hot Chili Peppers é basicamente um discurso sobre o método de composição do quarteto. É impossível ouvir “Unlimited Love” e não sair com a impressão de que parte significativa de seu repertório tomou forma a partir de jams e improvisações como aquelas que a banda apresenta sobre o palco. Algumas músicas soam como tributos a um passado remoto, outras, como homenagens a tempos mais recentes, em comum a praticamente todas elas o tino radiofônico que fez álbuns como “Californication” (1999) e “By the Way” (2002) estourarem no mundo todo. O refrão de “The Heavy Wing”, cantado por Frusciante, é avassalador, e Anthony Kiedis nunca escreveu letra tão bela como a de “Tangelo”.
3) Ghost – “Impera”
A regra é clara: todo ano em que houver álbum novo do Ghost, ele estará presente na minha lista. Não que eu seja bairrista, clubista ou p#tinha da banda, mas só louco ou alguém muito descolado da realidade para não reconhecer a genialidade de Tobias Forge, um dos artistas mais completos em atividade. “Impera” pode não ser o melhor álbum do Ghost — ao menos para mim, “Meliora” (2015) segue imbatível —, mas inclui em seu repertório algumas das melhores canções da banda, como a radiofônica “Kaisarion”, a sinistra “Call Me Little Sunshine” e a irresistível “Twenties”. Ah, e se houver prêmio para timbre de guitarra de 2022, “Watcher in the Sky” leva fácil.
2) The Hellacopters – “Eyes of Oblivion”
Na mais de uma década que separa “Eyes of Oblivion” de seu antecessor direto “Head Off” (2008), os integrantes do Hellacopters andaram tão ocupados — em especial o vocalista e guitarrista Nicke Andersson, que com a esposa Johanna Sadonis fundou o Lucifer em 2014 e de lá para cá já lançou quatro álbuns — que por muitas vezes os fãs devem ter duvidado se a banda voltaria a gravar um dia. Pois bem, não só voltou como o fez superando todas as expectativas que possam ter sido criadas. No que só pode ser definido como um arremedo de melancolia e deboche, “So Sorry I Could Die” é uma das músicas do ano, e “Eyes of Oblivion”, na glória de seus 34 minutos, é o melhor lembrete que o rock poderia nos dar de que a vida é irada. Vamos curtir.
1) Tears for Fears – “The Tipping Point”
Quando o Tears for Fears lançou “Everybody Loves a Happy Ending” (“Todos amam um final feliz”) em 2004, o tom era de despedida; ao menos em se tratando de álbuns de estúdio. Turnês foram feitas e muito se capitalizou em cima do auge da dupla, que se deu na virada dos anos 1980 para os anos 1990. Mas quis o destino que, nesse ínterim, Roland Orzabal comesse o pão que o diabo amassou; à uma recaída no alcoolismo, veio a morte da esposa. Como se para expulsar esses demônios, ele se reuniu com Curt Smith e compôs o pungente “The Tipping Point”. A identificação com as letras de tom confessional sobre arrependimento e sensação de impotência diante das adversidades é instantânea. Mesmo sem ser essa a intenção, o Tears for Fears captou a outonada de dois anos e meio de pandemia e saúde mental em frangalhos melhor do que qualquer outro artista. E se “Rivers of Mercy” não for a música definitiva dos caras, eu sou uma iogurteira Top Therm.
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