Estreante no Brasil, Blues Pills faz show de muita energia em São Paulo

Vozeirão e presença de Elin Larsson somados a entrosamento de instrumentistas deram tom de apresentação da banda sueca, revelação do rock na última década

Não costumo ouvir conversa dos outros, mas enquanto transitava pelo Carioca Club, era impossível não escutar pessoas dizendo que não conheciam o Blues Pills, banda que logo mais estrearia no Brasil com show único em São Paulo. O mais interessante foi testemunhar pouco tempo depois, durante ou após a apresentação realizada no último sábado (29), elogios diversos vindos da plateia. Pela forma como se manifestavam, eram claramente novos fãs, que acabavam de ser arrebatados pelo quarteto sueco.

Desde a ocasião do lançamento do primeiro álbum, homônimo e disponibilizado em 2014, faço questão de divulgar o som feito pela cantora Elin Larsson e seus parceiros, em formação hoje completa por Zack Anderson na guitarra (inicialmente baixista, mas a cargo das seis cordas desde a saída de Dorian Sorriaux em 2019), André Kvarnström na bateria (em posto que até 2014 era de Cory Berry) e Kristoffer Schander no baixo (ocupando a lacuna deixada pela transferência de Anderson). O disco de estreia é bem legal; o sucessor “Lady in Gold” (2016) é um pouco menos inspirado, ainda que tenha bons sons; e o mais recente, “Holy Moly!” (2020), é um dos melhores trabalhos de rock que ouvi na última década.

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Mas minha curiosidade em vê-los ao vivo existe desde que conheci o grupo, quase uma década atrás. Apesar de ter se acertado bem no estúdio em “Holy Moly!”, o Blues Pills sempre me pareceu o tipo de banda que funciona melhor ao vivo. Seu tipo de som é nativo desse formato: um hard rock de forte veia retrô, com influência do blues e do chamado heavy rock do fim dos anos 1960. É cru, pesado e intenso. Por vezes, as canções parecem ser fruto de jams – e não há nada melhor que um palco, diante de uma plateia e com o corpo tomado pela adrenalina, para criar som.

Felizmente, não me decepcionei. Embora conhecesse o grupo desde sua estreia, saí do Carioca Club tão entusiasmado quanto os novos fãs. Aquele foi um dos melhores shows que assisti neste ano – e olha que vi um punhado.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox

Quem viu, viu

Ao chegar na modesta, porém organizada e bem localizada casa de eventos em Pinheiros, temi pela falta de público. Faltava pouco menos de uma hora para o show e nada de gente chegar em bom número. A preocupação ocorre não apenas porque boas experiências se tornam ainda melhores quando compartilhadas: seria natural pensar que um futuro retorno do Blues Pills ao país dependeria, de certo modo, do sucesso desta apresentação.

Por sorte, fãs começaram a adentrar a casa na última meia hora pré-concerto. Correu a informação, ainda não confirmada pelos organizadores, de que ao todo 700 ingressos foram vendidos – pouco mais da metade da capacidade máxima de 1,2 mil. Talvez esperava-se mais, visto que no Spotify a cidade onde mais se ouve o grupo em todo o planeta é São Paulo. Azar de quem não foi, por qualquer motivo que seja.

Pontualmente às 20h, as caixas de som tocaram a vinheta de introdução. Sem muita cerimônia e ouvindo o público fazer coro com o nome da banda, entraram no palco Kristoffer, André e Zack para dar início a “Proud Woman”, faixa que abre o disco “Holy Moly!” e iniciou a festa. Foi só com a performance instrumental devidamente estabelecida que Elin adentrou, com visual ­– nada além de um macacão todo vermelho e botas brancas – e energia impossível de se ignorar. A noite era dela. Os demais músicos pareciam saber disso, ainda que a guitarra de Anderson vez ou outra tenha adquirido protagonismo.

Elin também demonstrava ter conhecimento de que que a noite era dela, mas queria fazer daquilo um momento coletivo. Desde os primeiros passos no palco, mandou beijos para o público e interagiu de forma incansável. Não só durante a eletrizante “Proud Woman” – cujo refrão foi cantado em alto e bom som pelos presentes –, como também em vários outros momentos do repertório, a cantora foi à beira do palco para tocar as mãos de quem estava nas primeiras filas.

Antes de emendar a intensa “Low Road”, a frontwoman verbalizou o que já se notava ao dizer que ela e seus colegas estavam muito felizes de estar no Brasil. Foram apenas duas paradas na América do Sul: na quinta-feira (27), tocaram em Santiago, no Chile. No México, serão mais duas datas, nas próximas terça (1º) e quarta (2). Não dá para saber se ela realmente queria aproveitar o pouco tempo no continente ou se soa incrível dessa forma todas as noites; fato é que o vozeirão na pegada de gigantes como Janis Joplin e Aretha Franklin surgiu fiel ao que se ouve na versão de estúdio da faixa tocada.

O terceiro número do setlist também era o terceiro oriundo do álbum “Holy Moly!”: “Dreaming My Life Away”, que, diferentemente das anteriores, é mais cadenciada e transpira influências de Black Sabbath. Depois de tanto interagir com outros fãs ao meu redor, Elin simplesmente se abaixou e cantou um trecho a um palmo de distância do meu rosto. O que fiz? Nada, é claro: o caipira aqui ficou sem reação por não estar acostumado a fazer parte do show.

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Até aqui, praticamente não houve intervalo entre as músicas. O formato seguiu com a acelerada “Kiss My Past Goodbye”, onde a seção instrumental começou a “abrir suas asas” e a dividir holofotes com a ensandecida frontwoman. Os solos de Zack tomaram mais espaço, enquanto a cozinha de Kristoffer e André teve seus momentos de destaque além da já esperada consistência.

Respira!

Com músicas tão impactantes tocadas em sequência por uma banda afiada e uma cantora que entregava cada gota de suor ao público (ainda que o potente ventilador colocado à sua frente no palco tenha proporcionado bastante controle nesse sentido), era hora de respirar – e voltar no tempo. Ao anunciar a ardida e blueseira “Astralplane”, primeira representante do álbum de estreia no set, o grupo parou por alguns segundos pela primeira vez para Elin Larsson dizer que aquela era a plateia mais louca que já havia visto. Como resposta, os fãs voltaram a gritar o nome “Blues Pills” em coro.

Mais duas canções do disco de estreia foram apresentadas em seguida. “High Class Woman”, com pedido de interação no começo, surgiu meio tom mais grave para dar mais conforto à interpretação vocal de Elin. A frontwoman surgiu com uma meia-lua durante o solo, pouco tempo depois de novamente fazer questão de dar a mão para o público na frente do palco. Foram, na verdade, dois solos: o primeiro, estendido e com trechos improvisados; o segundo, em passagem criada exclusivamente para os shows. Na emenda, quase que como no próprio álbum, chega a climática “Ain’t No Change”, com sua calma abertura sucedida por uma explosão de som bem mais intensa do que se ouve na versão de estúdio.

Mais uma pequena pausa para Elin dizer que o Blues Pills realizava um sonho de estar em São Paulo e na América do Sul. Pediu desculpas por ter levado quase uma década para a banda se apresentar por aqui e prometeu: “vamos voltar muito em breve”. Promessas à parte, o set desacelerou novamente com a balada “Wish I’d Known”, faixa do álbum de estreia que substituiu “California” na comparação com o show realizado no Chile. Adoro a música que ficou de fora, mas a que entrou também é excelente e traz a mesma pegada: melodia quase que aconchegante, timbres de guitarra escolhidos a dedo e novo show vocal da frontwoman.

Um olhar ao passado

“Bliss”, primeiro single divulgado pelo grupo, ainda em 2012, surgiu no repertório com Zack Anderson e seu wah wah na linha de frente. A meia-lua seguia presente na mão de Elin Larsson e é interessante perceber como o instrumento se fez necessário em canções antigas do set, mas não nas mais atuais. Também dá para notar quase que de bate-pronto se uma música vem de “Holy Moly!” ou de materiais anteriores, visto que o álbum mais recente traz faixas visivelmente mais bem construídas em termos de composição.

“Black Smoke”, ao menos no departamento instrumental, é exceção à regra. Ainda que explore bastante a influência do já citado heavy rock, a canção do álbum de estreia alterna entre momentos calmos e pesados de forma um pouco mais própria. Novamente, a timbragem vintage da guitarra chama atenção e dá todo o clima à faixa. As seis cordas voltam a aparecer com destaque em “No Hope Left for Me”, outra semibalada oriunda do mesmo trabalho. “Lady in Gold”, faixa-título do pouco lembrado disco de 2016, até começa mais lentinha, mas logo ganha intensidade. Soou bem mais enérgica e interessante em sua versão ao vivo.

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Mais duas representantes do álbum “Lady in Gold” foram tocadas em seguida: “Little Boy Preacher”, com wah novamente comendo solto em meio a um show percussivo de André Kvarnström, e “You Gotta Try”, talvez a menos cativante do set – chamou mais atenção por ter sido iniciada sem Zack Anderson, que afinava sua guitarra nos segundos iniciais. Naquela que foi apenas a terceira pausa da noite, Elin Larsson pergunta se os fãs estão se divertindo, pois ela, obviamente, está. Um novo agradecimento aos presentes antecedeu “Dust”, número de “Holy Moly!” que se destaca por sua abordagem melancólica e blueseira, mas ainda repleta de peso.

Foi pra galera

Veio emendada a faixa que concluiu o setlist regular: “Bye Bye Birdy”, durante a qual Elin simplesmente desceu para a plateia, de microfone (com fio) e tudo. E não foi só para fazer graça na modesta pista premium: a cantora pulou a grade que separava a área da pista comum e percorreu o Carioca Club até o fim de sua extensão. Aquele era, sobretudo, um show de disposição e carisma, não apenas de música.

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O quarteto deixou o palco e ouviu coros de “mais um” e “one more song” até seu retorno no minuto seguinte. Enquanto Kristoffer Schander largou por aí corações feitos com as mãos, Elin Larsson brincou que a próxima música seria do Sepultura. Em seguida, admitiu: “queria que a gente tocasse tão bem quanto eles”. Foi a deixa para performar “Little Sun”, carismática balada que Zack Anderson definiu em entrevista a este site como a melhor música para apresentar o Blues Pills às pessoas. Dada a reação do público, a escolha do guitarrista foi certeira.

Por fim, Larsson apresentou os colegas de banda e pediu aplausos para eles antes de agradecer a “uma das melhores plateias” para as quais já tocou e prometer de novo que vão voltar “muito em breve”. “Devil Man” fechou de vez a noite com a mesma intensidade que se viu em todo o set: da intro onde arrebenta no a capella (e arranca gritos do público) ao restante do andamento, a cantora colocou mais uma vez o vozeirão para jogo.

90 minutos que poderiam ser 180

Um show com 18 músicas pode parecer longo, mas durou pouco menos de 90 minutos. Quase uma partida de futebol. A sensação era de que poderiam rolar outros 90, tocar mais umas dez músicas. Ninguém reclamaria.

Como dito, a noite foi de Elin Larsson. Não só pela performance vocal irrepreensível como também pelo raro carisma e magnética presença de palco. Vez ou outra tive que me cobrar para deixar de prestar atenção na cantora e observar o restante da banda. Quando o fazia, não me decepcionava: o entrosamento dos responsáveis pelo instrumental é tão nítido que eles nem precisavam se olhar. Zack Anderson caiu como uma luva na função de guitarrista e não há outra palavra para definir a cozinha de Kristoffer Schander e André Kvarnström a não ser “consistente”.

E tudo isso numa casa de eventos bem intimista. Mesmo acompanhando tantos shows em grandes arenas e estádios, não nego minha preferência por locais menores. Mas mesmo em um espaço mais reduzido, é preciso que a banda se entregue o suficiente para estabelecer conexão com a plateia. E assim fez o grupo sueco.

Se o show do último sábado (29) não lotou mesmo com toda a divulgação – que envolveu, entre outras ações, uma série de entrevistas para veículos nacionais –, talvez o velho boca-a-boca ajude a fazer com que o próximo show do Blues Pills em território nacional tenha a quantidade de público que o grupo merece. Até porque Elin já avisou: eles vão voltar.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox

Blues Pills – ao vivo em São Paulo

  • Local: Carioca Club
  • Data: 29 de outubro de 2022
  • Turnê: Holy Moly Tour

Repertório:

  1. Proud Woman
  2. Low Road
  3. Dreaming My Life Away
  4. Kiss My Past Goodbye
  5. Astralplane
  6. High Class Woman
  7. Ain’t No Change
  8. Wish I’d Known
  9. Bliss
  10. Black Smoke
  11. No Hope Left for Me
  12. Lady in Gold
  13. Little Boy Preacher
  14. You Gotta Try
  15. Dust
  16. Bye Bye Birdy

Bis:

  1. Little Sun
  2. Devil Man

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Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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