O Toto em 1982 simbolizava um tipo de dinossauro do rock mais em perigo de extinção que medalhões do anos 70 como Led Zeppelin ou Pink Floyd. O grupo fazia parte do subgênero denominado AOR, album-oriented rock, cheio de bandas formadas por músicos de estúdio profissionais com habilidade musical de sobra, mas carisma de menos – praticamente obsoletos em virtude do surgimento da MTV.
Sem um hit próprio desde o disco homônimo de estreia, lançado em 1978, o Toto estava ameaçado de ser largado pela gravadora Columbia, mesmo que a banda – formada por Bobby Kimball (voz), Steve Lukather (guitarra), David Paich (teclados), Steve Porcaro (também teclados), David Hungate (baixo) e Jeff Porcaro (bateria) – tivesse integrantes fazendo presença em sucessos de diversos outros artistas como Aretha Franklin, Elton John e até mesmo o brasileiro Gilberto Gil.
Em busca de hits
Decididos a não perderem o contrato, os integrantes do Toto entraram no estúdio para fazer “Toto IV”, seu quarto álbum de estúdio, com uma mentalidade semelhante à da produção do primeiro disco, homônimo, que rendeu o hit “Hold the Line”: explorar o maior número de gêneros possível. Músicos convidados entravam e saíam enquanto a banda procurava encontrar o som ideal. Eis que surge “Rosanna”.
Em entrevista à Rolling Stone, Steve Lukather falou sobre a importância da música:
“Todo mundo brilha naquela música. Todo mundo teve seu momento, e tem dois cantores. Se quiser escolher uma canção para representar a banda nessa era, é ‘Rosanna’.”
Durante muito tempo o público achava que a composição de David Paich se tratava de uma homenagem à atriz Rosanna Arquette, namorada do outro tecladista Steve Porcaro na época das gravações. Uma impressão reforçada de brincadeira pelo grupo e pela própria Arquette, mesmo que não fosse verdade.
Numa entrevista à Rolling Stone em 1983, Arquette brincou:
“A canção é sobre eu chegar no estúdio às 4 da manhã com suco e cerveja pra eles durante as sessões.”
“Rosanna”, marcada por uma batida elaborada por Jeff Porcaro baseada em ritmos usados principalmente por Bernard Purdie, lendário baterista de Aretha Franklin, chegou ao segundo lugar das paradas americanas. Mas o maior hit de “Toto IV”, que acabou definindo o grupo para a posteridade, era, para a maioria dos integrantes, o patinho feio da tracklist.
Lembranças de um continente nunca visitado
A música “Africa” surgiu ao final das sessões do que veio a se tornar “Toto IV”, a partir de ideias do baterista, Jeff Porcaro. David Paich pegou essa ideia e escreveu uma letra baseada nas histórias que ouvia dos padres quando cursava colégio católico. O grupo não soube exatamente como reagir a ela e colocou a canção como a última do disco, esperando enterrá-la.
Em entrevista para a Rolling Stone, Steve Porcaro comentou:
“Eu realmente não achava que sequer deveria ter entrado no álbum. Olha onde a colocamos. É a última canção do lado B do disco. Ninguém na banda, além talvez de David, achava que era uma canção boa. Acabou sendo nosso único hit número um. Acaba mostrando o quão pouco nós sabemos das coisas!”
“Africa” atingiu o primeiro lugar das paradas americanas e catapultou o Toto para o sucesso mundial. Entretanto, antes de saírem em turnê pelo disco, alguns dos integrantes foram chamados para cumprir a função da qual eram mais conhecidos até então: músicos de estúdio.
Michael Jackson e “Thriller”
Recrutados pelo produtor Quincy Jones, Lukather, Paich e os irmãos Porcaro tiveram papéis decisivos na gravação de “Thriller”, sexto álbum solo de Michael Jackson que viria a se tornar o maior disco da história.
Os integrantes do Toto começaram trabalhando no que seria o primeiro single do trabalho, o dueto entre Jackson e Paul McCartney chamado “The Girl Is Mine”. O resultado das gravações foram positivos a ponto deles trabalharem em outras faixas, como “Human Nature” (escrita por Steve Porcaro) e talvez o maior sucesso da carreira de Michael, “Beat It”.
Por mais que exista a associação histórica com Eddie Van Halen, o lendário guitarrista apenas gravou o solo de “Beat It”. O riff icônico foi criação de Lukather, também responsável pelo resto das guitarras e baixo da faixa.
Não estamos mais no Kansas, Toto
O ciclo de “Toto IV” foi árduo e acabou tendo suas baixas, tornando-se o último registro da formação original do Toto. David Hungate saiu durante as gravações e se mudou para Nashville, querendo ficar mais perto da família. Seu sucessor foi Mike Porcaro, irmão de Steve e Jeff, que permaneceu no grupo até se aposentar em 2007 devido a problemas de saúde.
Dois anos após o lançamento do álbum, Bobby Kimball foi demitido porque seu problema com drogas estava afetando sua voz. O trabalho seguinte, “Isolation” (1984), com Fergie Frederiksen nos vocais, não conseguiu alcançar os mesmos patamares do antecessor. Com o passar dos anos e um carrossel de vocalistas, o grupo voltou à sua relativa obscuridade por um bom tempo.
A ironia do destino
Quando estava no auge, o Toto mesmo assim era conhecido como uma das bandas mais cafonas da época. Tanto que durante a segunda década do século 21, “Africa” começou a ser utilizada como um símbolo irônico dos anos 1980.
Programas de comédia como “Uma Família da Pesada”, “Community” e “South Park” minaram o hit por causa de seu apelo pop brega. A canção chegou até a servir de trilha sonora para uma cena romântica em “Stranger Things”, em 2017.
A partir dessa cena romântica, uma internauta começou uma campanha para que o grupo americano Weezer fizesse um cover da faixa. Eles responderam de forma bem humorada fazendo uma versão de “Rosanna”, mas a campanha foi ganhando força até que em maio de 2018, a regravação finalmente saiu. Acabou sendo o maior sucesso radiofônico da banda desde 2005 – e uma geração sem o menor conhecimento sobre Toto abraçou a música com fervor.
Steve Porcaro tocou com o Weezer num programa de TV e contou à Rolling Stone como eles reagiram ao sucesso da cover:
“Eles de início fizeram como se fosse uma piada, mas agora perceberam que vão precisar tocar a música por muito mais tempo do que achavam. Essa indústria inteira funciona a base de discos de sucesso. Se você conseguir um, se prepare para tocá-lo pelo resto da sua vida.”
Steve Porcaro não faz mais parte do Toto por questões de saúde. Jeff morreu em 1990 e Mike em 2017. Só sobraram Steve Lukather e David Paich, obedecendo a essa máxima e tocando “Africa”, “Rosanna” e outros hits de “Toto IV” até hoje.
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