Os primeiros trailers de “The Batman”, novo filme do herói da DC agora interpretado por Robert Pattinson, trazem um de seus principais destaques na trilha sonora. Os fãs do Nirvana logo identificaram os acordes de “Something in the Way”, do clássico álbum “Nevermind” (1991), embalando a prévia da trama.
Por uma grande coincidência, a soturna faixa combina perfeitamente com o tema do filme.
O compositor Michael Giacchino, responsável pela trilha sonora de “The Batman”, falou ao podcast do site CinemaBlend sobre a combinação do tema composto por ele com a música do Nirvana. Para ele, foi uma grande sorte poder contar com a música de maneira tão fácil.
“Acho que tivemos sorte quando chegou a hora de fazer o trailer. Tivemos muita sorte do tema principal combinar perfeitamente com essa música. Foi uma daquelas coisas onde me mandaram a música e disseram: ‘devemos colocar mais?’, e eu só disse: ‘eu não sei. Soa muito bem do jeito que está e a forma como está, meio que em camadas.’”
A versão da música presente nos trailers é, na verdade, um remix da original. No entanto, a música em sua concepção tem um significado muito pessoal para Kurt Cobain – embora parte da história contada por ele seja contestada.
Kurt Cobain… sem-teto?
“Something in the Way” foi composta por Kurt Cobain em 1990, um ano antes do lançamento de “Nevermind”. A letra aborda um período onde o músico esteve basicamente sem ter onde morar e teria dormido debaixo da ponte Young Street, em sua cidade natal de Aberdeen, no estado americano de Washington.
O período, ainda na adolescência, durou apenas alguns meses e começou quando Kurt fugiu de casa. Contudo, a história pode ter sido um pouco diferente.
O baixista do Nirvana, Krist Novoselic, e a irmã de Kurt, Kim Cobain, adicionaram alguns detalhes a caso na biografia “Heavier Than Heaven”, escrita por Charles R. Cross e lançada em 2001. Segundo eles, seria impossível dormir debaixo da ponte Young Street, já que o rio Wishkah apresenta grandes variações de nível e frequentemente inunda o espaço.
Por outro lado, o local era um ponto de encontro dos adolescentes de Aberdeen. É muito mais provável que Cobain tenha frequentado o local, não dormido lá.
Em sua época de “sem-teto”, Kurt Cobain teria organizado sua vida de forma diferente. Segundo os relatos, ele dormia em salas de espera de hospitais ou em halls de entrada de prédios residenciais. Suas coisas ficavam guardadas em caixas de papelão na casa de amigos, incluindo integrantes da banda Melvins.
Uma referência mais provável ao rio Wishkah é o verso “It’s okay to eat fish, cos’ they don’t have any feelings” (“é ok comer peixes, porque eles não têm sentimentos”), algo confirmado por Cobain em 1993 ao biógrafo Michael Azzerad. O vocalista do Nirvana costumava pescar por lá em sua juventude.
“Something in the Way” chega ao Nirvana
A música acabou por entrar no que viria a ser “Nevermind” e foi gravada de modo pouco usual. A ideia inicial era gravar todos os instrumentos juntos, mas o processo não dava certo por algum motivo.
Kurt Cobain, então, recorreu a um violão de 12 cordas para mostrar ao produtor Butch Vig o que buscava para a faixa. O profissional de estúdio colocou para gravar e tudo foi feito ali mesmo, na sala de controle do estúdio.
O baixista Krist Novoselic e o baterista Dave Grohl fariam suas partes depois, mas com certa dificuldade. A primeira estava relacionada à afinação usada por Cobain, já que ele simplesmente não havia afinado todas as cordas do violão. A segunda tinha a ver com a dificuldade de Grohl em tocar de forma mais suave.
Após algumas tentativas, tudo se encaixou. A canção foi colocada justamente como a última música de “Nevermind”. Ao ouvir o disco na íntegra, após 10 minutos de silêncio, aparece a escondida “Endless, Nameless”, fechando o trabalho em definitivo.
Dois anos depois, em 1993, o Nirvana incluiu “Something in the Way” no repertório de seu lendário show acústico para a série “MTV Unplugged”. A apresentação foi uma das últimas de Kurt, que tirou a própria vida em abril de 1994, aos 27 anos.
* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.