Jimi Hendrix foi um dos maiores guitarristas da história, senão o maior. Boa parte de seu reconhecimento veio ainda em vida, já que ele se tornou o performer mais bem pago do mundo em 1969 – um ano antes de morrer, em 18 de setembro de 1970, asfixiado pelo próprio vômito após intoxicação por remédios. Entretanto, o artista lidou, de diferentes formas, com o racismo ao longo de toda sua carreira.
Em meio a episódios mais evidentes, como a sua expulsão da Garfield High School antes de se formar no ensino médio por estar de mãos dadas com uma garota branca, Hendrix sofreu com a questão racial por não ter conseguido emplacar em seu próprio país, os Estados Unidos. O sucesso do músico veio, inicialmente, do Reino Unido – e há quem pense, até hoje, que ele é britânico.
É importante lembrar a situação dos Estados Unidos na década de 60. Em diversos estados do país, ainda era comum ter shows e eventos com segregação de plateia, separando brancos e negros. Em 1964, três anos antes do primeiro álbum de Hendrix, os Beatles se recusaram a fazer uma apresentação em um grande estádio de Jacksonville, na Flórida, por conta da do afastamento dos públicos de diferentes etnias.
Há, evidentemente, outros motivos que explicam o fato de Jimi Hendrix ter feito sucesso primeiro no Reino Unido e só depois nos Estados Unidos. O músico se mudou para Londres em 1966 e a cena britânica de rock era bem mais prolífica que a americana, mas não dá para negar que o componente racial colaborou para isso.
Não à toa, Hendrix só decidiu montar uma banda de apoio com músicos negros, a Band of Gypsys, em 1969, quando já era um artista consolidado – e quando a segregação entre públicos já não era mais tão comum. O grupo trazia o baixista Billy Cox e o baterista Buddy Miles.
Cox, vale destacar, faria parte da primeira grande banda do guitarrista, a Jimi Hendrix Experience, mas recusou o convite porque tinha medo de aumentar a possibilidade da carreira de Hendrix não decolar por conta do racismo. “Eu sabia que, possivelmente, com essa coisa de segregação que rolava, havia uma chance de eu, sendo negro, fazer com que ele não conquistasse sucesso. Mas ele conseguiu e eu segui minha vida”, afirmou, em recente entrevista ao podcast da feira NAMM com transcrição da revista ‘Classic Rock‘.
A posição de Jimi Hendrix sobre o racismo
Reservado e avesso a entrevistas, Jimi Hendrix tem poucas declarações públicas sobre o racismo, um tema tão espinhoso para a época – e até para os dias de hoje. O guitarrista sabia que expor sua visão a respeito do assunto poderia causar complicações para sua carreira.
Porém, o livro ‘Starting at Zero: His Own Story‘, que traz uma série de entrevistas inéditas de Jimi Hendrix, mostra qual era a visão do guitarrista sobre o racismo. Ainda que de forma moderada, o músico deixa claro que se enxergava em movimentos que pediam igualdade racial, como o trabalho dos Panteras Negras.
Pouco antes de citar a questão racial, Hendrix comentou que pensava nos Estados Unidos todos os dias em que estava no Reino Unido. “Eu sou americano. Queria que as pessoas da América me visse. Queria voltar. E conseguimos, pois fizemos nossas coisas e havia muita identidade. Tivemos esse som todo misturado que empolgava o público”, afirmou.
Em seguida, Jimi conta que “raça não é um problema” em seu mundo particular e afirma que os protestos pela igualdade racial apresentam “questões mais pessoais”. “Não vejo as coisas nesse sentido. Vejo as pessoas. Não penso em branco ou negro, mas, sim, em obsoleto e novo. As frustrações e os tumultos que acontecem hoje são relacionados a questões mais pessoais. Todos temos guerras dentro de nós, então, formam coisas diferentes e isso sai como uma guerra contra os outros. Eles se justificam enquanto justificam os outros em suas tentativas de ter liberdade pessoal. É isso”, disse.
O músico foi cauteloso ao dizer que não está se relacionando com os Panteras Negras. Porém, deixou claro: “eu me sinto parte natural do que eles fazem, em certos aspectos”.
“Alguém precisa se mexer e somos nós que estamos sofrendo mais no que diz respeito à paz de espírito e à vida. Eu só não apoio agressão ou violência ou o que quer que seja. Não concordo com guerrilha. Não apoio coisas frustrantes, como jogar garrafas de coquetel molotov ou quebrar a janela de uma loja. Isso não é nada. Especialmente se for em seu próprio bairro”, completou.
Jimi Hendrix evidenciou que não sente “ódio por ninguém, pois isso é apenas caminhar para trás”. “Você precisa relaxar. Outras pessoas não têm pernas, ou não enxergam, ou lutaram em guerras. Você precisa ter pena delas e refletir sobre qual parte de suas personalidade elas perderam. É bom quando você começa a somar pensamentos universais. Se você pensa de forma negativa, isso vira amargura, agressão, ódio. Precisamos tirar isso do planeta para viver em harmonia”, disse.
Por fim, o guitarrista comentou que torce para que suas músicas deem coragem às pessoas que lutam. “Passo por experiências diferentes e o que descubro, passo para as pessoas pela música. Estou compondo uma música dedicada aos Panteras Negras, não ligada à raça, mas ao simbolismo do que acontece hoje”, concluiu.
Hino nacional na guitarra em Woodstock: protesto?
Ainda que tenha evitado ser um artista controverso, Jimi Hendrix causou polêmica ao tocar na guitarra o hino nacional dos Estados Unidos durante seu show no festival de Woodstock, em 1969.
Curiosamente, o show histórico de Hendrix em Woodstock não foi assistido por tantas pessoas. Parte do público já havia deixado o local, pois ele se apresentou na manhã de segunda-feira. Entre os que permaneceram ali, havia uma parcela que nem prestava atenção.
Todavia, segundo relatos de quem esteve por lá, a versão para o hino nacional dos Estados Unidos, ‘The Star-Spangled Banner’, na guitarra, foi o suficiente para despertar a curiosidade até do mais chapado que estava na plateia.
Nos dias seguintes, a imprensa e a população de forma geral repercutiram a versão de Hendrix para o hino. Alguns americanos, muito patriotas, consideraram a adaptação para guitarra uma “afronta”, especialmente por ser apresentada a um público considerado “rebelde”, que já estava questionando uma série de posicionamentos conservadores – como a disposição dos Estados Unidos para entrar em guerras, a exemplo do combate no Vietnã, que rolava naquele momento.
Há quem diga que Jimi tenha apresentado a versão justamente para fazer uma espécie de protesto antiguerra, subvertendo a forma de se apresentar o hino ao tocar notas mais longas e distorcidas, supostamente emulando sons de bombas em referências bélicas. Alguns fãs mais analíticos destacam que o guitarrista também quis fazer uma espécie de “autoafirmação” após ser ignorado pelos Estados Unidos e abraçado pelo Reino Unido em suas etapas iniciais da carreira – o que, conforme já apontado, pode ter um componente racial no meio. Algo como: “ei, eu também sou um cidadão americano”.
E o que o próprio Jimi Hendrix fala sobre sua versão para o hino nacional dos Estados Unidos? Em entrevista ao programa de Dick Cavett, na época, ele resolveu conversar sobre o assunto e, como esperado, disse que não teve intenção de causar polêmica ou de protestar.
“Não sei, eu só toquei. Sou americano, então, toquei o hino. Eu costumava cantar o hino na escola, me faziam cantá-lo”, afirmou Hendrix, que serviu ao Exército dos Estados Unidos na 101.ª Divisão Aerotransportada.
O entrevistador até mencionou que a versão do hino não era nada ortodoxa e que as pessoas poderiam interpretar de forma negativa. O guitarrista apenas respondeu: “Não tem nada de heterodoxo. Achei que ficou lindo”.
E não dá para negar que ficou.