Great White, banda já marcada pela tragédia, perde noção do que é uma pandemia

Falta de noção. Não há outro jeito de explicar o que aconteceu – e está marcado para acontecer – na pacata cidade de Dickinson, em Dakota do Norte, nos Estados Unidos. Um evento a céu aberto, chamado ‘First on First: Dickinson Summer Nights’ está sendo realizado semanalmente, durante o verão do Hemisfério Norte (inverno por aqui), e contou com um show do Great White na última quinta-feira (9).

Fotos e vídeos da apresentação do Great White fazem parecer que não há uma pandemia responsável por infectar 12,9 milhões de pessoas, com mais de 570 mil mortes, segundo dados obtidos nesta segunda-feira (13) pelo Instituto Johns Hopkins. O Great White se apresentava para uma aglomeração, que acompanhava a performance sem distanciamento social ou máscaras.

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Outros artistas já se apresentaram ou irão performar no ‘First on First’, como o Black ‘N Blue, outra banda de hard rock dos anos 80, e o projeto country Eskimo Brothers, entre outros. Só que o caso do Great White chama muita atenção pelo histórico do grupo, que já teve sua história manchada por sangue em 2003.

Great White e o incêndio no Station em 2003

No dia 20 de fevereiro daquele ano, a banda fez um show em uma casa noturna chamada Station, em West Warwick, Rhode Island, também nos Estados Unidos. Não era bem o grupo que todos conheciam: o Great White rompeu em 2001 e o vocalista Jack Russell seguiu em carreira solo. Não deu certo, já que os shows estavam cada vez mais vazios, então, ele convidou o guitarrista Mark Kendall para a formação e passou a chamar o projeto de Jack Russell’s Great White, mas as apresentações eram anunciadas apenas com a segunda parte do nome – a que os fãs conhecem.

Um desses shows, no Station, acabou em tragédia. Logo na primeira música do repertório, ‘Desert Moon’, o recurso pirotécnico usado pela banda no palco, disparado pelo tour manager Daniel Biechele, causou um incêndio, que se alastrou pelo local inteiro em 5 minutos e meio. O alto potencial do fogo naquela ocasião ocorreu porque a construção trazia material inflamável nas espumas acústicas dos tetos e paredes.

Atenção: cenas fortes no vídeo abaixo!

Cem pessoas morreram, incluindo o outro guitarrista da banda na época, Ty Longley, que teria retornado ao local para recuperar sua guitarra. Outras 230 pessoas se feriram, mas não faleceram, e 132 conseguiram escapar sem ferimentos. Muitos dos sobreviventes desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático.

Responsabilizar alguém por uma tragédia desse porte é uma tarefa árdua – a banda alega que recebeu autorização da administração do local para usar efeitos de pirotecnia, enquanto que os responsáveis afirmam que não permitiram. Por isso, o julgamento do caso se arrastou por 3 anos. Daniel Biechele e Michael e Jeffrey Derderian, os dois proprietários do Station, foram condenados, mas tiveram sentenças anuladas (no caso de Jeffrey) e solturas antecipadas (na situação dos outros dois).

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Além das condenações, pelo menos US$ 115 milhões foram pagos, por diferentes partes, em acordos de indenização ligados ao incidente. Até a JBL, fabricante de equipamentos de som, foi responsabilizada: teve de desembolsar US$ 815 mil sob a acusação de usar espuma inflamável em seus alto-falantes.

O(s) vacilo(s) do Great White em 2020

A tragédia no Station deveria servir como um elemento extra de conscientização para o Great White não fazer esse show em Dickinson – especialmente Mark Kendall, único integrante atual da banda que estava no incêndio em 2003. Não foi o suficiente, já que a apresentação ocorreu normalmente e o atual vocalista do grupo, Mitch Malloy, até divulgou um vídeo (apagado depois da repercussão negativa) em seu canal no YouTube. Nos comentários da publicação, dizia-se emocionado por estar se apresentando em sua cidade natal.

É importante lembrar que os Estados Unidos são o país com mais casos (mais de 3,3 milhões) e mortes (135,4 mil) por coronavírus em todo o mundo. Especificamente em Dakota do Norte, foram registrados 4.243 casos de coronavírus, com 87 mortes. O estado todo tem população aproximada de 755 mil habitantes – porte de uma cidade média no Brasil, como Uberlândia (MG) e Ribeirão Preto (SP).

Após a chuva de críticas (com razão), o Great White divulgou um comunicado em que pede “desculpas àqueles que discordam de nossa decisão de cumprir o contrato”. “O governo de Dakota do Norte recomenda uso de máscaras, mas não estamos em posição de impor as leis. […] O promotor do evento e a equipe foram muito profissionais e nos garantiram as precauções de segurança. Nossa intenção era apenas fazer um show em uma cidade pequena e acolhedora. Valorizamos a saúde e a segurança de todos os fãs, bem como de nossa comunidade americana e global. Estamos longe de ser perfeitos”, diz.

Além da nota mal construída, que soa como um menino de 6 anos que foi obrigado pela mãe a pedir desculpas, há uma tremenda incoerência em toda essa situação: o Great White tem outro show marcado para o próximo dia 7 de agosto. A apresentação será em um festival chamado Riverfest, em Fort Madison, Iowa, também nos Estados Unidos. Será que eles vão se desculpar pelo mesmo motivo daqui pouco menos de um mês?

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O Riverfest, vale destacar, trará uma série de atrações conhecidas dos fãs de hard rock. O evento acontece entre os dias 5 e 8 do mês em questão e reúne outras bandas como Fozzy, Enuff Z’Nuff e Autograph, entre outras. O Black Stone Cherry também estava confirmado, mas o nome do grupo saiu do flyer, o que indica que desistiram de se apresentar.

Dificuldades e negacionismo

Há quem coloque panos quentes na situação. O mercado da música, realmente, foi muito afetado pela pandemia, já que não é possível fazer os shows da forma como conhecemos. Todavia, há formas para se tentar driblar isso. Com várias ressalvas (especialmente as superproduzidas que geram aglomeração do mesmo jeito), as lives musicais de artistas brasileiros se mostraram uma alternativa para ganhar dinheiro durante esse período. Existem, ainda, as performances drive-in e outras formas de se trabalhar à distância. Rolam até mesmo auxílios oferecidos nos Estados Unidos.

Por lá, diversos artistas e bandas obtiveram um “empréstimo” perdoável do governo, destinado a pequenas empresas. Nomes como Guns N’ Roses, Tool, Slipknot, Eagles, Pearl Jam, Tesla, Disturbed e Nickelback, entre vários outros, conseguiram verba que varia de US$ 150 mil a US$ 1 milhão. O termo “empréstimo” foi usado entre aspas porque a dívida é integralmente perdoada desde que pelo menos 75% da renda seja destinada ao pagamento de salários e caso as empresas mantenham seus funcionários por 2 meses. Os demais 25% podem ser usados para quitar custos fixos gerais.

Existe, ainda, um elemento-chave nessa questão: o americano médio não parece acreditar na pandemia. Uma pesquisa recente chegou a mostrar que 20% dos estadunidenses não irão se vacinar contra Covid-19 – e outros 31% ainda estão em dúvida. Tem quem acredite, até hoje, que o vírus foi fabricado em laboratório. E Donald Trump, presidente deles, é como o nosso: sai por aí sem máscara, como se fosse inatingível. Não é por acaso que a doença avançou nos Estados Unidos de forma avassaladora.

Como dito lá no começo, falta noção. Também falta empatia e, certamente, conhecimento. Que essa moda não pegue, mas parece ser tão contagiosa quanto o coronavírus.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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