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Por que The Getaway, do Red Hot Chili Peppers, merece uma segunda chance

Demorei bastante para entender e, consequentemente, gostar de ‘The Getaway’, 11° e mais recente álbum de estúdio do Red Hot Chili Peppers. O disco foi lançado em junho de 2016, mas levou algum tempo – se a memória não estiver me traindo, uns 3 anos – até que eu pudesse desenvolver alguma simpatia pelo material como um todo.

O choque inicial com ‘The Getaway’ é natural. Trata-se de um álbum diferente de tudo aquilo que o Red Hot Chili Peppers fez no passado. É curioso, inclusive, perceber que uma banda com tantos discos diferentes e “reinvenções particulares” seja frequentemente acusada de ter se acomodado, mesmo com quase 40 anos de carreira.

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Todavia, com o decorrer das audições, o repertório passa a funcionar melhor. Confesso que sou adepto da teoria de que um álbum não é tão bom se você precisa ouvir tantas vezes para compreendê-lo, mas reconheço que esse disco representa uma exceção, já que rompe com uma estética tão consolidada e, sim, pode levar algum tempo para ser devidamente assimilado.

‘The Getaway’ dialoga, de forma direta, com elementos do pop. Nada que o Red Hot não tenha feito no passado, mas esses toques ficam mais evidentes e, de certa forma, sofisticados por aqui. As músicas não foram feitas para serem tocadas em quarteto: além da tríade comum guitarra-baixo-bateria, o piano aparece em quase todas as faixas e há inserções mais encorpadas de violino e outros instrumentos de corda, percussão e backing vocals.

– Leia também: Volta de John Frusciante ao Red Hot Chili Peppers é tão boa quanto parece?

O fator Danger Mouse

Há quem diga que essas novidades mencionadas tenham sido trazidas por Danger Mouse, que produziu o álbum, dando fim a uma parceria de 25 anos entre banda e Rick Rubin. Mouse, vale lembrar, é conhecido por seus trabalhos anteriores no pop, eletrônico e até com outros nomes do rock, como o The Black Keys.

É de se imaginar que, sim, Danger Mouse tenha colaborado mais com a sonoridade diferenciada de ‘The Getaway’, até por sua pegada de produção: trata-se de um profissional mais “intervencionista” que Rick Rubin, adepto a um estilo mais livre de conduzir o trabalho em estúdio. Porém, não foi uma iniciativa isolada e algumas evidências já se mostravam no álbum anterior, ‘I’m With You’ (2011), com algumas canções explorando estéticas e até instrumentos diferentes do usual.

Melancolia e, enfim, meia-idade do Red Hot Chili Peppers

Além do flerte com o pop, ‘The Getaway’ chama atenção por sua sofisticação e, de certa forma, melancolia. Em entrevistas, o vocalista Anthony Kiedis já indicava que o álbum exploraria uma vertente mais “dark” do Chili Peppers, pois várias letras foram compostas após o cantor passar por um traumático término de relacionamento, enquanto algumas melodias foram idealizadas pelo baixista Flea quando ele se recuperava de um acidente de snowboarding, que rendeu um braço quebrado e 8 meses de recuperação.

– Leia também: A complicada primeira saída de John Frusciante do Red Hot Chili Peppers

Kiedis comentou, ainda, que o Red Hot já tinha uma série de músicas prontas quando deu início à produção de ‘The Getaway’, mas que Danger Mouse sugeriu compor novas canções. Foi aí que rolou a ruptura: o material feito dentro da zona de conforto foi descartado e o produtor não só conduziu todo o processo como, também, recebeu créditos de co-autoria em cinco faixas.

Apesar de ‘I’m With You’ ter indicado muitas mudanças que ‘The Getaway’ apresenta, o álbum mais recente do Red Hot Chili Peppers parece mostrar, enfim, os músicos em meia-idade – e não digo isso de forma ofensiva. A síndrome de Peter Pan, com toda aquela pegada de “surfista cinquentão” e centenas de referências à Califórnia, foram deixadas de lado e mostraram uma banda que conseguiu soar, ao mesmo tempo, mais visceral e menos pesada.

O outro fator: Josh Klinghoffer

O guitarrista Josh Klinghoffer exerce papel crucial nessa mudança. Além de estar mais solto em seu instrumento principal, comandou a gravação dos backing vocals e tocou piano em seis músicas. Chegou até a assumir o baixo em uma delas, ‘The Hunter’, que trouxe Flea no piano.

Curiosamente, Klinghoffer disse em entrevistas que não teve tanta liberdade em ‘The Getaway’, mesmo considerando que o voto dele para trazer Danger Mouse como produtor foi determinante – Josh teve problemas com Rick Rubin em ‘I’m With You’.

“Brian é meu grande amigo, é fantástico, mas esse disco explorou o campo onde ele já produz e Flea é o cara que começou a banda. Quem sou eu nessa triangulação. Nunca foi fácil lutar pelo que eu queria naquele disco, então, acabou se tornando um monte de músicas que eu gostava, porém, sem estar feliz com a sonoridade. […] Com Brian, fizemos 40 ou 50 músicas e o estilo dele era construir canções a partir de rascunhos. Ele escolheu algumas que gostava, trazíamos mais rascunhos e era divertido. Só que a mágica do Chili Peppers, cada vez mais rara hoje em dia, é essa: quatro caras tocando juntos e fazendo, mais ou menos, ao vivo”, disse Klinghoffer, em fevereiro deste ano, à Rolling Stone.

– Leia também: 5 revelações que Josh Klinghoffer fez sobre demissão do Red Hot Chili Peppers

Os êxitos de The Getaway

A ruptura é o grande charme do álbum, mas o elo com o Chili Peppers de sempre não está de todo ausente por aqui. Músicas como ‘We Turn Red’, ‘Goodbye Angels’ ‘This Ticonderoga’ dialogam com o funk rock fervoroso ou com o formato radiofônico de refrão poderoso de outros tempos.

É importante salientar, porém, que os momentos de destaque na tracklist são, justamente, os que subvertem o formato tradicional de forma mais evidente. Os melhores exemplos estão na melódica ‘Dark Necessities’, na experimental ‘Dreams of a Samurai’, na alternativa ‘Feasting on the Flowers’ e na envolvente ‘Sick Love’, que traz Elton John no piano e uma base toda inspirada em uma das melhores músicas dele, ‘Bennie and the Jets’.

Impressiona, ainda, como os dois principais músicos do Red Hot Chili Peppers conseguiram se mostrar em boa forma por aqui: Flea e o baterista Chad Smith. Uma cozinha de raro entrosamento no rock como um todo. Anthony Kiedis pareceu mais inspirado ao construir suas linhas vocais, ainda que não saia do esperado nem transcenda as limitações impostas pela idade, enquanto Josh Klinghoffer, conforme mencionado anteriormente, se mostrou mais livre e até ousado.

É uma pena que os fãs não poderão testemunhar a evolução do Red Hot pós-‘The Getaway’, já que John Frusciante voltou para a banda, na vaga de Josh Klinghoffer. O grupo, inclusive, compunha um disco com Klinghoffer, mas o material foi descartado e outras músicas estão sendo feitas com o célebre guitarrista.

Por outro lado, seja com ou sem a mesma formação, não dá para imaginar outro álbum como ‘The Getaway’ na discografia do Red Hot Chili Peppers. Talvez parecido, aproveitando alguns elementos, mas não na mesma veia. É um ponto fora da curva na carreira da banda – para o bem ou para o mal, a depender da interpretação.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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O choque inicial com ‘The Getaway’ é natural. Trata-se de um álbum diferente de tudo aquilo que o Red Hot Chili Peppers fez no passado. É curioso, inclusive, perceber que uma banda com tantos discos diferentes e “reinvenções particulares” seja frequentemente acusada de ter se acomodado, mesmo com quase 40 anos de carreira.

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‘The Getaway’ dialoga, de forma direta, com elementos do pop. Nada que o Red Hot não tenha feito no passado, mas esses toques ficam mais evidentes e, de certa forma, sofisticados por aqui. As músicas não foram feitas para serem tocadas em quarteto: além da tríade comum guitarra-baixo-bateria, o piano aparece em quase todas as faixas e há inserções mais encorpadas de violino e outros instrumentos de corda, percussão e backing vocals.

– Leia também: Volta de John Frusciante ao Red Hot Chili Peppers é tão boa quanto parece?

O fator Danger Mouse

Há quem diga que essas novidades mencionadas tenham sido trazidas por Danger Mouse, que produziu o álbum, dando fim a uma parceria de 25 anos entre banda e Rick Rubin. Mouse, vale lembrar, é conhecido por seus trabalhos anteriores no pop, eletrônico e até com outros nomes do rock, como o The Black Keys.

É de se imaginar que, sim, Danger Mouse tenha colaborado mais com a sonoridade diferenciada de ‘The Getaway’, até por sua pegada de produção: trata-se de um profissional mais “intervencionista” que Rick Rubin, adepto a um estilo mais livre de conduzir o trabalho em estúdio. Porém, não foi uma iniciativa isolada e algumas evidências já se mostravam no álbum anterior, ‘I’m With You’ (2011), com algumas canções explorando estéticas e até instrumentos diferentes do usual.

Melancolia e, enfim, meia-idade do Red Hot Chili Peppers

Além do flerte com o pop, ‘The Getaway’ chama atenção por sua sofisticação e, de certa forma, melancolia. Em entrevistas, o vocalista Anthony Kiedis já indicava que o álbum exploraria uma vertente mais “dark” do Chili Peppers, pois várias letras foram compostas após o cantor passar por um traumático término de relacionamento, enquanto algumas melodias foram idealizadas pelo baixista Flea quando ele se recuperava de um acidente de snowboarding, que rendeu um braço quebrado e 8 meses de recuperação.

– Leia também: A complicada primeira saída de John Frusciante do Red Hot Chili Peppers

Kiedis comentou, ainda, que o Red Hot já tinha uma série de músicas prontas quando deu início à produção de ‘The Getaway’, mas que Danger Mouse sugeriu compor novas canções. Foi aí que rolou a ruptura: o material feito dentro da zona de conforto foi descartado e o produtor não só conduziu todo o processo como, também, recebeu créditos de co-autoria em cinco faixas.

Apesar de ‘I’m With You’ ter indicado muitas mudanças que ‘The Getaway’ apresenta, o álbum mais recente do Red Hot Chili Peppers parece mostrar, enfim, os músicos em meia-idade – e não digo isso de forma ofensiva. A síndrome de Peter Pan, com toda aquela pegada de “surfista cinquentão” e centenas de referências à Califórnia, foram deixadas de lado e mostraram uma banda que conseguiu soar, ao mesmo tempo, mais visceral e menos pesada.

O outro fator: Josh Klinghoffer

O guitarrista Josh Klinghoffer exerce papel crucial nessa mudança. Além de estar mais solto em seu instrumento principal, comandou a gravação dos backing vocals e tocou piano em seis músicas. Chegou até a assumir o baixo em uma delas, ‘The Hunter’, que trouxe Flea no piano.

Curiosamente, Klinghoffer disse em entrevistas que não teve tanta liberdade em ‘The Getaway’, mesmo considerando que o voto dele para trazer Danger Mouse como produtor foi determinante – Josh teve problemas com Rick Rubin em ‘I’m With You’.

“Brian é meu grande amigo, é fantástico, mas esse disco explorou o campo onde ele já produz e Flea é o cara que começou a banda. Quem sou eu nessa triangulação. Nunca foi fácil lutar pelo que eu queria naquele disco, então, acabou se tornando um monte de músicas que eu gostava, porém, sem estar feliz com a sonoridade. […] Com Brian, fizemos 40 ou 50 músicas e o estilo dele era construir canções a partir de rascunhos. Ele escolheu algumas que gostava, trazíamos mais rascunhos e era divertido. Só que a mágica do Chili Peppers, cada vez mais rara hoje em dia, é essa: quatro caras tocando juntos e fazendo, mais ou menos, ao vivo”, disse Klinghoffer, em fevereiro deste ano, à Rolling Stone.

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A ruptura é o grande charme do álbum, mas o elo com o Chili Peppers de sempre não está de todo ausente por aqui. Músicas como ‘We Turn Red’, ‘Goodbye Angels’ ‘This Ticonderoga’ dialogam com o funk rock fervoroso ou com o formato radiofônico de refrão poderoso de outros tempos.

É importante salientar, porém, que os momentos de destaque na tracklist são, justamente, os que subvertem o formato tradicional de forma mais evidente. Os melhores exemplos estão na melódica ‘Dark Necessities’, na experimental ‘Dreams of a Samurai’, na alternativa ‘Feasting on the Flowers’ e na envolvente ‘Sick Love’, que traz Elton John no piano e uma base toda inspirada em uma das melhores músicas dele, ‘Bennie and the Jets’.

Impressiona, ainda, como os dois principais músicos do Red Hot Chili Peppers conseguiram se mostrar em boa forma por aqui: Flea e o baterista Chad Smith. Uma cozinha de raro entrosamento no rock como um todo. Anthony Kiedis pareceu mais inspirado ao construir suas linhas vocais, ainda que não saia do esperado nem transcenda as limitações impostas pela idade, enquanto Josh Klinghoffer, conforme mencionado anteriormente, se mostrou mais livre e até ousado.

É uma pena que os fãs não poderão testemunhar a evolução do Red Hot pós-‘The Getaway’, já que John Frusciante voltou para a banda, na vaga de Josh Klinghoffer. O grupo, inclusive, compunha um disco com Klinghoffer, mas o material foi descartado e outras músicas estão sendo feitas com o célebre guitarrista.

Por outro lado, seja com ou sem a mesma formação, não dá para imaginar outro álbum como ‘The Getaway’ na discografia do Red Hot Chili Peppers. Talvez parecido, aproveitando alguns elementos, mas não na mesma veia. É um ponto fora da curva na carreira da banda – para o bem ou para o mal, a depender da interpretação.

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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