O Rival Sons resolveu experimentar um pouco mais em “Feral Roots”, seu 6° álbum de estúdio – e você, definitivamente, não precisa ter medo do termo “experimentar” logo na primeira frase do texto.
Essa banda americana, formada por Jay Buchanan nos vocais, Scott Holiday na guitarra, Dave Beste no baixo e Mike Miley na bateria, tem impressionado muita gente por aí com seu hard rock bem azeitado, guiado fortemente por bandas da década de 1970 – em especial, o sempre “citado” Led Zeppelin. Todavia, os músicos sentiram que estava na hora de apresentar outras referências, já que começaram a se repetir no disco “Hollow Bones”, de 2016.
Os elementos acrescidos ao caldeirão sonoro do Rival Sons em “Feral Roots” ajudam, justamente, a fugir um pouco da frequente inspiração no Led Zeppelin. A ideia que direciona o álbum está resumida em seu próprio título: as suas “raízes ferozes”. Jay Buchanan e Scott Holiday, os principais compositores, resolveram olhar para trás e buscar um pouco de suas influências primárias, dos tempos em que ainda eram garotos – e não necessariamente roqueiros – para o novo disco. Dessa forma, isolaram-se e passaram dias em uma barraca no meio do mato, em algum lugar no estado do Tennessee, compondo boa parte das músicas presentes no álbum.
“Cresci na floresta, com muito silêncio e cercado pela natureza e animais selvagens. Fui para uma cidade maior aos 19, pois queria viver de música. Percebi que estava no meio urbano por muitos anos e apenas queria voltar para a floresta. Nós viemos da natureza. Por isso, tentamos sempre estar em contato com a natureza. A narrativa desse álbum é dar reconhecimento à natureza que existe em você, aquela sua parte que não pode ser domesticada”, explicou Jay Buchanan, em entrevista ao RockSverige.
Confesso que tive receio quando soube do método de composição e do discurso “hipponga”. O sentimento só aumentou quando os primeiros singles foram divulgados. As músicas escolhidas para trabalho – “Do Your Worst”, “Back In The Woods”, “Look Away” e especialmente a faixa título – não resumem bem o que se encontra no álbum, como um todo, e ainda soam ligeiramente enfraquecidas fora da tracklist completa. O tropeço em “Hollow Bones” potencializou a insegurança.
A surpresa
Ainda bem que fui surpreendido. “Feral Roots” é um dos álbuns mais consistentes do Rival Sons – e, talvez, seja o melhor do grupo até agora. A banda, novamente sob produção de Dave Cobb, soa amadurecida e transparece confiança em cada uma das faixas. A solidez do quarteto, seja técnica ou criativamente, é raríssima no rock contemporâneo. A segurança é tamanha que, felizmente, o método campestre de composição não se refletiu em experimentos desconexos como em outros casos, mas, sim, em um resgate a elementos de estilos como a soul music, o funk e o gospel, em detrimento do blues rock tão presente nos registros anteriores.
A sensação é de que o Rival Sons poderia ter gravado um álbum como “Feral Roots” antes, mas, só agora, eles conseguiram a paz necessária para um disco como esse. O motivo é simples: o novo trabalho é o primeiro da banda em uma grande gravadora, a Atlantic. Com um bom orçamento à diposição, os músicos puderam fugir do frenesi de entregar registros inéditos na pressa, a cada um ou dois anos, e trabalhar bem no conceito que queriam apresentar em vez de apenas compor material na estrada.
“Sabíamos o formato que esse álbum teria e deixamos as músicas mais profundas para serem concluídas no fim”, revelou Scott Holiday, também ao RockSverige. “Jay e eu sabíamos que algumas músicas eram diretas e agradariam fácil, então, nós as gravamos primeiro e, depois, pudemos trabalhar naqueles outros ‘diamantes não-lapidados’”, completou, provavelmente citando as primeiras faixas do álbum como as mais diretas e “fáceis”.
Feral Roots, faixa a faixa
Realmente, a abertura “Do Your Worst” contém não só os principais elementos do Rival Sons “clássico”, como, também, resgata o tempero deixado de lado em “Hollow Bones”. Só o refrão decepciona, já que o pré soa melhor, mas o saldo é positivo. De muito groove, “Sugar On The Bone” eleva o patamar por ser grudenta e pesada de uma forma moderna, sem soar “formulática”. Em seguida, a paulada “Back In The Woods” evidencia aquilo que já se percebia nas outras faixas: o grande destaque do início do álbum é o baterista Mike Miley. O músico não comanda só a introdução, com um solo no maior estilo John Bonham, como a faixa toda, numa pegada grosseiramente irresistível. As vozes femininas em estilo soul ao fundo dão a fluidez necessária para o refrão.
“Look Away” é a primeira música mais experimental a pintar no álbum. A introdução, com violões e tambores, descamba para um hard rock guiado por guitarras pesadas. As mudanças de andamento surpreendem o ouvinte por, pelo menos, umas três vezes. Na sequência, a faixa-título reforça o tom acústico – e não me empolga tanto, especialmente pelo refrão mais enjoativo. Poderia soar mais dinâmica, embora não comprometa a audição geral. “Too Bad” muda o clima e aposta em um peso na medida correta. Os riffs e a levada refletem uma nova influência, ainda que “isolada”: Black Sabbath, com quem o Rival Sons excursionou em sua turnê de despedida.
Uma das melhores do álbum, “Stood By Me” soa ainda mais experimental, por explorar estilos como o funk e a soul music. Groove e bom gosto harmônico pra dar e vender. “Imperial Joy” também investe em uma veia soul, só que com andamento ligeiramente mais cadenciado. Soa incrível tal como a “faixa-irmã” anterior – do brilho dos vocais e backing vocals ao instrumental preciso. “All Directions”, em seguida, se divide em dois momentos: a primeira metade adota um tom harmonioso, com direito a quarteto de cordas aparecendo aqui e ali; já a segunda parte cresce e impressiona por uma mudança inusitada. Jay Buchanan e os vocais de apoio dão show – só faltou um pouco mais de Scott Holiday, que é bom compositor e arranjador, mas, às vezes, soa discreto como “guitar hero”.
Próxima do fim, a soturna “End Of Forever” soa contemporânea como o Rival Sons tanto pretendeu – e, acredito, não conseguiu – nos álbuns anteriores. Buchanan volta a se destacar. “Shooting Stars” encerra o álbum com uma retomada à soul music e vai além ao arescentar um pouco de influência gospel. Melhor forma possível de encerrar um álbum de intenções tão experimentais e introspectivas.
Tempo ao tempo
Quando Jay Buchanan disse que “Feral Roots” traz “reconhecimento à natureza que existe” no ouvinte, ele fez menção, ainda que sme querer, à forma em que o tempo (ou a ausência dele) é interpretado no mundo atual. E o relógio é essencial para se apreciar esse álbum por completo: precisou-se de mais tempo para concebê-lo e, certamente, não é um registro de audição imediata – talvez apenas as faixas iniciais –, pois há tantos detalhes e influências que ouvi-lo na pressa seria um desperdício.
E já que o assunto é “tempo”, “Feral Roots” apresenta, com sucesso, toda a evolução pela qual o Rival Sons passou ao longo de seus 10 anos de existência. Melhor ainda: mostra que a banda não se acomodou e sabe que precisa evoluir a cada disco, mesmo ciente de que tudo apresentado até aqui está de ótimo tamanho. No fim das contas, todos precisamos de tempo – até mesmo os grandes astros do rock.
Jay Buchanan (vocal, violão)
Scott Holiday (guitarra, violão)
Dave Beste (baixo)
Mike Miley (bateria)
Músicos adicionais:
Todd Ogren (teclados)
Dave Cobb (percussão adicional)
Kristen Rogers e Whitney Coleman (backing vocals)
01. Do Your Worst
02. Sugar On The Bone
03. Back In The Woods
04. Look Away
05. Feral Roots
06. Too Bad
07. Stood By Me
08. Imperial Joy
09. All Directions
10. End Of Forever
11. Shooting Stars