Quando o Queen abdicou dos Estados Unidos após ser deixado de lado

Todo artista que almeja sucesso internacional traça os Estados Unidos como um de seus grandes objetivos. O terceiro país mais populoso do mundo possui o mercado fonográfico mais importante – e, de certa forma, influente, pois é da terra do Tio Sam que saem muitas tendências.

Quando já havia se consagrado em âmbito mundial, o Queen seguiu um caminho curioso: avançou na contramão dos Estados Unidos. A banda de Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor abdicou da potência americana para trabalhar de forma mais livre.

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Chegada e crescimento

As primeiras apresentações do Queen nos Estados Unidos ocorreram em 1974. O debut em solo americano, em especial, foi na noite de 16 de abril daquele ano, para divulgar o disco “Queen II” e como atração de abertura do Mott The Hoople.

Rapidamente, o Queen cresceu nos Estados Unidos: “Sheer Heart Attack”, lançado no fim de 1974, atingiu o 12° lugar das paradas da Billboard, enquanto “A Night At The Opera”, que bombou no mundo inteiro, obteve a 4ª colocação nos EUA. Era o início de uma trajetória de enorme sucesso, seguida por “A Day At The Races” (1976), “News Of The World” (1977), “Jazz” (1978) e “The Game” (1980) – o último, considerado o auge, chegou ao topo dos charts americanos.

Auge

O êxito comercial de “The Game” nos Estados Unidos esbarra, em especial, na pegada levemente mais disco music do single “Another One Bites The Dust”. O gênero estava em alta na América, então, a aposta foi certeira.

“Sempre pensei que houve um instante em que fomos a maior coisa do mundo”, contou Brian May, em entrevista ao programa de rádio “In The Studio With Redbeard”. “‘Another One Bites The Dust’ fez sucesso porque cruzou o mercado do R&B, de negros. De repente, em vez de um milhão de discos, estávamos vendendo três ou quatro milhões. Era quase tanto quanto alguém já havia vendido. Foi antes de ‘Thriller’ (Michael Jackson), quando as coisas saíram de controle. Mas foi algo grande. Não notamos que as coisas seriam diferentes. Fomos meio ‘estragados’ naquele ponto.”

Início do declínio

A partir de “Flash Gordon” (1980), trilha para o filme de mesmo nome, as coisas começaram a desacelerar. No entanto, tratava-se de um lançamento diferente, de cunho especial e sem a mesma promoção que um álbum de estúdio comum.

O declínio em solo americano foi marcado, mesmo, pelo contestado “Hot Space” (1982). O disco foi achincalhado por críticos americanos, além de ter contado com uma recepção comercial pouco comparável às dos discos anteriores.

Nos Estados Unidos, “Hot Space” obteve um modesto 22° lugar nas paradas da Billboard. Já o single principal, “Under Pressure”, teve repercussão abaixo do esperado.

A resposta americana a “Hot Space” não condizia com o restante do mundo. O álbum fez sucesso em diversos países europeus, ainda que não seja o melhor momento do Queen em estúdio. E, curiosamente, o disco parece ter sido trabalhado com “Another One Bites The Dust”, tão bem recebida nos Estados Unidos, em mente: as composições são bem influenciadas pela disco music e pelo R&B praticado naquela época. Era como a entrada oficial do Queen aos anos 1980.

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Sem que seus músicos soubessem, o Queen faria, em 15 de setembro de 1982, seu último show nos Estados Unidos. A apresentação ocorreu no The Great Western Forum em Inglewood, Califórnia. Quase metade do repertório daquela turnê era composto por músicas de “The Game” e “Hot Space”, que representavam a veia mais “moderna” da banda até então.

Relatos da turnê, que teve outros shows nos Estados Unidos, apontam que Freddie Mercury explicava nos shows que o Queen não havia deixado de ser rock n’ roll. “Tocaremos algumas músicas da categoria funk/black, como quiserem chamar. Não significa que perdemos nosso sentimento rock n’ roll, ok? É só um bendito disco. Só queremos tentar novas sonoridades”, afirmava Mercury ao público, antes de destilar músicas como “Action This Day” ou “Body Language”.

A abdicação

Há diversas versões que explicam o fato de o Queen não ter mais trabalhado no mercado americano, seja com shows (as turnês seguintes não passaram por lá) ou com ações mais específicas (participações em programas de TV, entrevistas exclusivas e quaisquer outras situações que aproximasse o grupo daquele povo). Vejo todas as histórias relacionadas ao assunto como complementares: foi um conjunto de fatores que distanciou o Queen dos Estados Unidos.

Desde o fim da turnê que divulgava “Hot Space”, Freddie Mercury dizia que só voltaria aos Estados Unidos para promover algum trabalho de sucesso. “Claro que era uma questão de quem veio primeiro, a galinha ou o ovo – porque quanto menos você excursiona pela América, mais você a perde”, disse o empresário do Queen, Jim Beach, em depoimento durante o documentário “Days Of Our Lives”.

Enquanto o Queen era rejeitado nos Estados Unidos, o mundo demonstrava interesse na banda. “Foi algo triste e, de repente, todo o resto do mundo estava nos ligando. Logo saímos por aí e tocamos em estádios na América do Sul, Europa, Austrália, Japão… mas a América não ligava para nós e você tende a ir onde é chamado. Lembro de Freddie dizer: ‘provavelmente, vou morrer antes da América nos querer'”, disse Brian May.

O disco seguinte do Queen, “The Works” (1984), também não foi tão bem recebido nos Estados Unidos. O álbum atingiu um consideravelmente modesto 23° lugar nos charts da Billboard, enquanto os singles representavam um declínio progressivo: “Radio Ga Ga” chegou à 16ª posição, enquanto “I Want To Break Free” ficou em 45° quando foi lançado, “It’s A Hard Life” não passou do posto de número 72 e “Hammer To Fall” sequer chegou ao top 100.

Uma música, em especial, passou por um processo de rejeição curioso. Em recente entrevista à Rolling Stone, Brian May disse que o clipe que divulgava “I Want To Break Free” foi o responsável por “acabar” com o Queen nos Estados Unidos.

“Perdemos o contato com os Estados Unidos. Nosso vídeo de I Want To Break Free foi mal interpretado, por estarmos vestidos como mulheres. Eles não acharam isso engraçado, mas hoje o Foo Fighters faz isso, como no clipe de ‘Learn To Fly’, e todos morrem de rir. Na época, o vídeo foi um sucesso na Europa e na Austrália, mas na América foi a nossa ruína”, afirmou Brian May.

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Na época, o clipe chegou a ser banido da emissora MTV e de outros canais de televisão americanos, que o consideraram “subversivos”. Os Estados Unidos também passavam por uma crise de identidade com sua própria cultura pop naquele período, vide a criação do Parents Music Resource Center (PMRC), comitê que aumentou o controle dos pais sober o acesso de crianças e adolescentes a músicas de conteúdo tido como “questionável”.

Por outro lado, “I Want To Break Free” fez sucesso por toda a Europa e outras localidades. O single atingiu o Top 10 de nove países, incluindo o Reino Unido (3°), Alemanha (4°) e Austrália (9°). “Radio Ga Ga” obteve números ainda mais expressivos: chegou ao primeiro lugar de oito países, além de uma satisfatória segunda posição nos locais já citados nos charts de “I Want To Break Free”: Reino Unido, Alemanha e Austrália.

Todo esse cenário fez com que o Queen não excursionasse nos Estados Unidos para divulgar “The Works”. A tour passou até pelo Brasil, com shows históricos na primeira edição do Rock In Rio.

Na época, rumores ainda apontavam que a voz de Freddie Mercury estava um tanto falha nesse período. Por isso, menos shows foram agendados para preservá-lo: foram 48 apresentações no total, número bem menor que o das turnês anteriores.

Vale destacar, também, que a última turnê do Queen, “Magic Tour”, também não passou pelos Estados Unidos. E a tour foi ainda mais curta: apenas 26 apresentações no todo, sendo encerrada ainda em 1986. No ano seguinte, Freddie Mercury foi diagnosticado com Aids e parou de se apresentar ao vivo.

Posteriormente, a performance dos discos do Queen nas paradas americanas só caiu: “A Kind Of Magic” (1986), “The Miracle” (1989) e “Innuendo” não chegaram nem ao Top 20 da Billboard e nenhum single pegou os Estados Unidos em cheio. Entretanto, o cenário pelo resto do mundo seguiu favorável: as vendas de discos continuaram satisfatórias e canções como “One Vision”, “A Kind Of Magic” e “I Want It All” obtiveram boa recepção.

Retorno pós-morte

Anteriormente, neste mesmo texto, uma fala de Brian May indicou algo que Freddie Mercury dizia: o Queen só voltaria a fazer sucesso nos Estados Unidos quando ele morresse. Freddie nem imaginava que morreria menos de 10 anos depois, mas infelizmente, seu diagnóstico foi bastante preciso.

Os Estados Unidos só voltaram a destinar olhares ao Queen após a morte de seu vocalista, em novembro de 1991. No ano seguinte, a música “Bohemian Rhapsody” foi incluída na trilha sonora do filme “Wayne’s World” (“Quanto mais idiota melhor”), que obteve grande sucesso, em especial, nos EUA.

A inclusão de “Bohemian Rhapsody” na trilha sonora do filme, com direito a uma cena antológica ao som dela, fez com que a canção voltasse às paradas dos Estados Unidos. O single chegou ao segundo lugar dos charts – uma posição mais significativa do que o 9° lugar conquistado em 1976, ano de seu lançamento nos EUA.

Veja também:
– Quanto “We Will Rock You”, do Queen, rende a Brian May?
– Em 1992, o show-tributo a Freddie Mercury – e em combate à Aids

* Escrevi esse texto originalmente para o Whiplash.Net Rock e Heavy Metal.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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