Contrariando o que todos os quatro integrantes diziam que nunca aconteceria, em 13 de julho de 1985, Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, os membros originais do Black Sabbath, subiram juntos ao palco para tocar três músicas diante de mais de 90 mil pessoas no Estádio JFK, na Filadélfia — e milhões de espectadores ao redor do mundo, graças à transmissão via satélite do Live Aid.
Reza a lenda que, ao não conseguir encaixar o marido no evento como artista solo, Sharon Osbourne recebeu a dica de que uma reunião do Sabbath poderia viabilizar a participação. Mas Geezer contesta essa versão em sua autobiografia “Into the Void” (Belas Letras, 2024).
Ele disse:
“Vi as fotos horríveis de crianças na África assolada pela fome, soube que Bob Geldof estava organizando alguns shows para arrecadar fundos, liguei para Don Arden [empresário] e sugeri que eu, Tony, Ozzy e Bill nos reuníssemos para ajudar. A primeira coisa que Don me disse foi: ‘Vocês não vão fazer isso. Eles não vão pagar nada’. Eu respondi: ‘É para caridade, Don’ (…) Mas caridade não parecia existir no mundo de Don.”
Quando Geldof percebeu, de última hora, que nenhuma banda de metal participaria do Live Aid, convidou Judas Priest e o Sabbath para se apresentarem na Filadélfia. “Tony estava relutante, mas Bill e Ozzy gostaram da ideia, então dissemos a Geldof que estaríamos lá”, relata Geezer.
O reencontro foi um verdadeiro teste de limites. Ozzy, recém-sóbrio, não cantava ao vivo havia meses, estava fora de forma e sem fôlego — “Eu parecia a Mama Cass [do The Mamas and the Papas] numa festa gay de fim de semana”, brincaria anos depois. Geezer não via Tony desde o fim da complicada turnê de “Born Again” (1983), e Bill Ward não tocava ao vivo com o grupo havia cinco anos.
Viagem nauseante e intimação ignorada
Como Sharon estava grávida, o casal Osbourne decidiu ir de navio da Inglaterra até Nova York e seguir de carro até a Filadélfia. Em sua autobiografia “Eu Sou Ozzy” (Saraiva, 2010), Ozzy relembra que, após uma hora no mar, ambos já estavam arrependidos:
“Estávamos acostumados a chegar a Nova York em três horas no Concorde. O navio levou cinco malditos dias, que pareceram cinco bilhões de anos. Que merda há para fazer num barco, além de vomitar por causa do enjoo? No fim do primeiro dia, eu estava esperando bater num iceberg, só para ter um pouco de ação.”
Como se não bastasse, ao chegar ao hotel, Ozzy recebeu uma notificação judicial do sogro e empresário do Sabbath, Don Arden, proibindo-o de tocar com a banda. A intimação foi ignorada e o show, mantido.
Ensaio com Madonna e piadas com The Pretenders
O grupo teria duas noites de ensaio. Segundo Tony Iommi, em depoimento a Martin Popoff reproduzido em “Black Sabbath: A Biografia” (DarkSide Books, 2013), a primeira noite “acabou sendo só papo”. Geezer confirma: “Passamos a maior parte do tempo relembrando coisas.”
Iommi conta ainda que uma mulher apareceu no ensaio e ficou no fundo da sala.
“Mencionei isso a alguém. ‘Dá para avisar a ela que esta é uma sessão fechada?’ Eu não sabia quem ela era. Ela havia pintado o cabelo de uma cor escura e não parecia em nada com a Madonna — mas era a Madonna, e ela não ficou nada satisfeita em ser expulsa.”
Na manhã do show, a banda dividiu uma van com integrantes do The Pretenders. Geezer relembra o trajeto até o estádio JFK:
“Ozzy ficava perguntando: ‘Cadê a Chrissie [Hynde, vocalista]? O Bill tem uma tatuagem do rosto dela na bunda’. Eles pareciam totalmente confusos, sem saber se Ozzy estava falando sério (ele não estava!).”
Mick Wall, biógrafo do Sabbath, relata outra pegadinha de Ozzy. Perguntado pelo baterista Martin Chambers se o Sabbath tocaria apenas três músicas como o Pretenders, respondeu sério:
“Isso mesmo. Mas temos uma surpresa especial para eles. No bis, vamos tocar ‘Food, Glorious Food’.’ Em seguida, começou a cantar: ‘FOOD GLORIOUS FOOD! HOT SAUSAGE TOMATO!’. Chambers sorriu, mas estava claramente desconfortável — como quase todos ao tentar decifrar se Ozzy estava brincando ou falando sério.”
Clássicos e ressaca sob o sol
Apresentado por Chevy Chase, o Black Sabbath subiu ao palco às 10h da manhã. Segundo Ozzy, foi “entre Billy Ocean e a p#rra dos Four Tops…”. Geezer corrige: foi depois de Ocean e antes do Run-DMC. Sob um sol escaldante, tocaram “Children of the Grave”, “Iron Man” e “Paranoid”.
Apesar do cenário pouco confortável, Ozzy foi direto:
“Era por uma grande causa, e ninguém tocava as velhas músicas do Sabbath como eu, Tony, Geezer e Bill.”
Geezer concorda:
“Acho que fomos muito bem, considerando tudo. Não tínhamos dormido, alguns estavam de ressaca. Na verdade, não lembro muito bem da apresentação (…) Não fizemos como o Queen e roubamos a cena, mas nos saímos bem.”
Iommi complementa:
“Eu estava com uma ressaca terrível, então coloquei meus óculos escuros (…) Foi ótimo participar do evento, e tínhamos consciência da importância da ocasião, mas tudo aconteceu muito rápido.”
Bill Ward lamentou o set curto em conversa com Popoff:
“Queria ter tocado mais músicas. Eu estava com muita energia. Podia ter feito mais cinco ou seis. Estava só esquentando quando já era hora de parar. Não consegui mergulhar de verdade como gostaria. Mas tudo bem.”
Reflexões além do palco
Na autobiografia “Iron Man” (Planeta, 2014), Iommi pondera sobre o impacto do Live Aid:
“Não sei se fez alguma diferença. Você toca, eles arrecadam o dinheiro… mas depois? Compram alimentos, mas nunca se sabe com certeza quem recebe o quê.”
Ozzy compartilha visão semelhante, segundo Mick Wall:
“A questão é: eles conseguem o dinheiro, distribuem comida… e ainda assim as pessoas continuam famintas. A comida arrecadada hoje não dura para sempre. Não é só dever das bandas. A indústria — IBMs, GECs — deveria doar parte do lucro anual. Gastam milhões em defesa nuclear. Por que não usar 100 milhões para alimentar essas pessoas? Isso não é nada para um governo; é uma mijada no oceano. Eles preferem queimar excedente de trigo a evitar que pessoas morram de fome.”
O reencontro que durou um único dia
Ao contrário do que se especulou na época, uma reunião permanente nunca esteve nos planos. Segundo Iommi:
“Fomos para a Filadélfia, bebemos à noite, ficamos de ressaca, fizemos o show e sumimos. Ninguém cogitou tocar juntos novamente. Peguei o avião de volta para casa e não os vi por anos.”
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“Geezer não via Tony desde o fim da complicada turnê de “Born Again” (1983)” (sic) A Born Again Tour terminou em Março de 1984. Um pouco de pesquisa não faz mal….