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Como as inovações de Peter Grant levaram o Led Zeppelin ao topo

Empresário conseguiu contrato com plenos poderes à banda, recusou singles e aparições midiáticas, renegociou de contratos de shows e combateu a pirataria, entre outros feitos

Imagine Peter Grant, o lendário empresário do Led Zeppelin, estendendo a mão para Bob Dylan em uma festa em Los Angeles. “Sou Peter Grant e gerencio o Led Zeppelin”, disse ele. Dylan, com um toque de ironia, respondeu: “Eu não venho até você com meus problemas, venho?”. Aquele foi um momento raro em que Grant, conhecido por sua assertividade, ficou sem palavras.

Na década de 1970, enquanto o Led Zeppelin dominava o mundo da música com sua mistura explosiva de hard rock e blues, Grant se tornava o empresário mais poderoso da música. Sua gestão, que desafiou as normas da indústria, empoderou artistas e redefiniu a relação entre bandas e promotores.

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Esta é a sua história.

A banda cuida da música; Peter Grant, do resto

Nascido em 5 de abril de 1935, o arquiteto do império do Led Zeppelin teve uma infância difícil. Era considerado um “caso perdido” pelos professores. Mas a vida lhe reservava um destino grandioso.

Desde cedo, Peter Grant mostrou sua garra e versatilidade, trabalhando como wrestler, segurança, figurante de filmes e motorista. Esse currículo diversificado o preparou para o mundo da música, onde ingressou aprendendo valiosas lições com o notório empresário Don Arden (The Small Faces, The Move, Gene Vincent).

Em Arden, Grant obteve um exemplo a não ser seguido, mas absorveu a importância do bom senso nos negócios e a dura realidade das turnês. A partir dessa base, desenvolveu sua própria filosofia de gerenciamento, priorizando o apoio ao artista e acordos justos, em contraste com as práticas exploratórias comuns na indústria. Ao desafiar as normas estabelecidas, garantia respeito e correção nos pagamentos, especialmente no mercado americano, onde muitos empresários britânicos falhavam.

Sua busca por um nome de prestígio para empresariar o levou aos Yardbirds, mas o grupo já estava se desintegrando. Foi então que o guitarrista Jimmy Page lhe contou sobre seus planos para uma nova banda, convidando-o para ser seu empresário. Juntos, eles criaram o Led Zeppelin, com uma união entre as ideias musicais de Page e a visão de negócios de Grant.

Com John Bonham na bateria, Robert Plant nos vocais e John Paul Jones no baixo, Page cercou-se de talentos formidáveis. Grant, por sua vez, nunca duvidou do potencial dos quatro e se tornou a bússola de que eles precisavam.

No documentário “Mr. Rock ‘N’ Roll” (1999), John Paul Jones descreveu a parceria da seguinte forma:

“‘Vocês cuidam da música, e eu cuido do resto’. Realmente havia essa divisão. ‘Não se preocupem com mais nada. Não vou incomodar vocês com mais nada. Vou lhes dizer o que é possível, o que vocês podem fazer, esse tipo de coisa, mas vocês só cuidam da música. Eu cuido da banda para que vocês não tenham que se preocupar com mais nada.’ E era isso, e foi brilhante. Nunca assinamos um contrato com ele. Ele achava que, se nós nos cansássemos uns dos outros, ambos encontraríamos outra pessoa. Qual era o ponto? Ele estava certo.”

Grant construiu uma equipe leal e eficiente, que o ajudou a gerenciar a complexa carreira do Led. A banda confiava plenamente nele. O empresário, por sua vez, era ferozmente leal ao grupo. Via o sucesso do quarteto como o seu próprio.

O histórico acordo com gravadora

A Atlantic Records, selo pioneiro de R&B fundado pelos irmãos Ahmet e Nesuhi Ertegun e Herb Abramson, já havia se destacado na vanguarda da soul music com a contratação de Ray Charles e um acordo de distribuição com a Stax nos anos 1960. Mas a ousadia da gravadora não pararia por aí. Nos anos 1970, a Atlantic se aventuraria no rock ao abrir as portas para grandes nomes como Iron Butterfly, Yes e… Led Zeppelin.

Foi Peter Grant quem conduziu o Led à Atlantic, garantindo um adiantamento de US$ 200 mil. Ciente do trunfo que representava a reputação de Jimmy Page com os Yardbirds, o empresário conseguiu um contrato de distribuição mundial de cinco anos com a gravadora.

Os termos do acordo foram revolucionários: a banda teria total controle criativo sobre seus discos, que seriam produzidos de forma independente, sem interferência do selo. Também teria poder de decisão sobre a arte das capas, anúncios, fotos de divulgação e todos os aspectos relacionados à sua imagem.

O anúncio oficial da parceria, feito em um comunicado de imprensa de duas páginas em novembro de 1968, afirmava:

“A Atlantic Records assinou com o novo e promissor grupo inglês Led Zeppelin um contrato exclusivo de gravação de longo prazo. Embora os termos exatos do contrato sejam secretos, pode-se divulgar que é um dos acordos mais substanciais que a Atlantic já fez.”

A nota continha também uma promessa ousada sobre o álbum de estreia do Led:

“Os principais músicos de rock inglês e americano que ouviram as faixas compararam o LP ao melhor de Cream e Jimi Hendrix, e chamaram o Led Zeppelin de próximo grupo a alcançar o patamar atingido por esses dois nomes.”

No entanto, as primeiras críticas do álbum de estreia do Led foram surpreendentemente céticas. O primeiro show no Reino Unido ocorreu em 15 de outubro de 1968, na Universidade de Surrey, seguido por várias apresentações em toda a Inglaterra. A resposta da imprensa foi morna. Mas Grant, com sua visão e determinação, já tinha um plano em mente.

A conquista da América e a aversão à mídia

Há males que vêm para o bem. Quando o Jeff Beck Group, também gerenciado por seu escritório, cancelou uma turnê americana com o Vanilla Fudge, Peter Grant viu a oportunidade perfeita. Convenceu os promotores, inicialmente desapontados, a aceitarem um novo grupo em seu lugar: o Led Zeppelin.

Restava, então, convencer os membros da banda a trocarem o conforto de seus lares na véspera de Natal pela aventura desconhecida. O entusiasmo foi geral, já que muitos deles relatam ter sido influenciados pela música americana de décadas anteriores à de 1960. A banda embarcou para Los Angeles, dando início a uma série de shows memoráveis no Whisky A Go Go.

Em 1975, Robert Plant relembrou aqueles primeiros momentos:

“Bonzo [John Bonham] e eu ficamos maravilhados. Mal havíamos saído do país e, de repente, estávamos lá. Foi a primeira vez que vi um policial com uma arma, a primeira vez que vi uma limusine. Tudo foi um choque absoluto (…). Eu saí andando pela Sunset Strip sem camisa (…). Jogamos ovos, tivemos batalhas de água idiotas e nos divertimos como qualquer garoto de 19 anos deveria se divertir.”

Visionário, Grant compreendia a singularidade da cena musical americana, especialmente a força do rádio FM e do movimento underground que buscava se distanciar da música comercial do Top 40. Desafiando as estratégias de promoção convencionais, ele ousou não lançar singles e restringir aparições na televisão — uma decisão que, surpreendentemente, se provaria um divisor de águas.

Phil Carson, então vice-presidente da Atlantic Records, relembra:

“Eu decidi que ‘Whole Lotta Love’ [de ‘Led Zeppelin II’] deveria ser lançada como single. Na verdade, chegamos a lançá-la. Daí, recebi uma ligação do escritório de Peter Grant, me convocando para uma reunião (…) Ele era uma figura intimidadora — tinha quase dois metros de altura e era bem gordo. Ele olhou para mim e disse: ‘Ouvi dizer que você lançou um single.’ Respondi: ‘Sim, está vendendo muito bem.’ E ele retrucou: ‘Não faça mais isso.’ Eu argumentei: ‘Espere um minuto, eu sou da gravadora. Sei o que estou fazendo. É assim que promovemos discos.’ Ele foi direto: ‘Não os meus discos. Nem ouse.’”

Carson e todos da gravadora ficaram perplexos com a recusa de Grant em seguir as regras tradicionais de promoção. Mas não havia como discutir dado o sucesso estrondoso em vendas dos álbuns do Led.

Maior participação na receita e combate à pirataria

Desde o início, o Led Zeppelin caiu na estrada sem descanso — embora desfrutasse de todo o luxo e tivesse a proteção feroz de Peter Grant. Ao final de 1969, a banda já havia feito quatro turnês pela América do Norte, cada uma maior que a anterior, sempre com ingressos esgotados.

Nos anos 1970, o meio do rock se transformou em uma corrida armamentista, com diversas bandas na competição por arenas e estádios lotados. A estratégia de Grant impulsionou o Led ao topo da cadeia, tornando-a a mais lucrativa da época. Ele renegociou os padrões da indústria para a receita de shows e elevou a participação do Zeppelin de 60% para 90%, o que garantiu à banda uma fatia generosa dos lucros.

A obsessão de Grant em proteger a marca Led Zeppelin o levou a combater a pirataria de forma implacável. Ele empregava táticas agressivas contra bootleggers, incluindo intimidar promotores e até confrontar fisicamente aqueles que tentavam gravar os shows. É clássica a cena do longa-metragem “The Song Remains the Same” na qual confronta um promotor local por ser conivente com a venda de pôsteres piratas durante a apresentação.

Paralelo a isso, Grant cultivou uma imagem poderosa e enigmática para o Led ao controlar minuciosamente a exposição da banda à mídia. Essa falta de acesso era uma faca de dois gumes. Sem informações concretas, os jornalistas preenchiam as lacunas com mitos. Quando alguma notícia surgia nos jornais, geralmente envolvia tumultos por ingressos ou histórias de destruição de quartos de hotel ou motos circulando por corredores destes. Não raro, o empresário se via gerenciando crises.

Com a bênção de Grant, a banda abraçou o estilo de vida de excessos do rock and roll, impulsionada pela fama e fortuna. Enquanto alguns viam esse comportamento como destrutivo, outros o interpretavam como uma forma de rebelião contra as normas sociais e uma rejeição às expectativas convencionais. O empresário comenta:

“Algumas histórias são bem próximas da verdade, outras são exageradas. E algumas são subestimadas. Mas sim, nós dávamos festas. Um músico acorda ao meio-dia, ou a qualquer hora que seja, e passa o dia inteiro se preparando para o show das oito da noite (…) O dia todo foi uma preparação para aquele momento. E no final da noite, simplesmente não dá para desligar e ir ler Agatha Christie ou algo assim. Não funciona assim.”

O selo que deu asas ao Led Zeppelin

Em janeiro de 1974, com o contrato de cinco anos do Led Zeppelin com a Atlantic Records chegando ao fim, Peter Grant renegociou os termos com o selo e garantiu um aumento substancial nos lucros. O acordo também incluía uma cláusula que permitia que todos os futuros lançamentos do Led saíssem por seu próprio selo subsidiário.

Poucos meses depois, Grant e a banda anunciaram oficialmente a criação do Swan Song, que abrigaria não apenas o Led, mas também os veteranos The Pretty Things e o novo supergrupo Bad Company, com Paul Rodgers (ex-Free) nos vocais e Mick Ralphs (ex-Mott the Hoople) na guitarra, aos quais estendeu seu estilo de gestão protetor e paternalista.

Lançado em 24 de fevereiro de 1975, “Physical Graffiti”, o primeiro álbum do Led pelo Swan Song, foi um sucesso comercial instantâneo, ganhando disco de platina ainda na pré-venda. Logo após o lançamento, todos os álbuns anteriores do Led voltaram a figurar no Top 200, tornando-os a primeira banda a ter seis álbuns simultaneamente nas paradas.

O sucesso trouxe imensa riqueza e fama a Grant, mas também afetou sua vida pessoal. Mais tarde, refletindo sobre sua carreira, questionou algumas de suas decisões, particularmente em relação às exigências de administrar uma gravadora.

Embora o empreendimento tenha inicialmente sido bem-sucedido, Grant mais tarde viu a criação do Swan Song como uma possível distração de seu foco principal. Ele reconheceu que o ego enorme e o desejo de construir um “império” desempenharam um papel nessa decisão.

A queda e a redenção

Quando não estava na estrada com o Led Zeppelin, Peter Grant levava uma vida um tanto reclusa. Seus vizinhos acreditavam em rumores extravagantes sobre fossos de crocodilos e sacrifícios de recém-nascidos em sua propriedade.

Se Grant já era recluso, ficou ainda mais após a morte de John Bonham, e a dissolução do Led, em 1980. Ambas as perdas tiveram um impacto significativo em sua vida, levando-o a uma profunda depressão, durante a qual afundou-se no álcool e nas drogas. No período, negligenciou suas responsabilidades e perdeu contato com amigos e artistas.

Após esse período de autodestruição, Grant reconheceu a necessidade de mudar. Ele superou sua dependência de drogas e fez um esforço consciente para reconstruir a vida, encontrando um renovado senso de propósito e paz em seus anos posteriores. Passou a apreciar prazeres simples, como passar tempo com sua família e dirigir carros antigos.

Frequentemente convidado para encontros da indústria musical — onde cativava o público com histórias de seus anos de rock and roll — e reverenciado por uma nova geração de empresários, Peter Grant morreu repentinamente de um ataque cardíaco em 1995, aos 60 anos. Até hoje, nenhum outro desafiou as práticas tradicionais do mercado como ele.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

  1. E eis o quinto membro do Led. Sem sua astúcia talvez o Zeppelin não desenvolvesse sua unidade( mesma formação até quase o encerramento de suas atividades) e nem se aventuraria por tantos estilos musicais. Com outro empresário, que não fosse Peter, um álbum como o Led III não seria lançado já que soava bem diferente dos álbuns I e II. E aí, adeus diversidade e experimentações sonoras. Mesmo que Grant fosse por vezes truculento, sua administração permitiu a banda investir totalmente no seu talento, distanciado-a da industrialização que dominou o Rock bem no meio dos 70.

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