Com orelhinhas de coelho da Páscoa, o vocalista do Judas Priest, Rob Halford, se despediu do palco da Vibra, em São Paulo, com o telão anunciando: “The Priest Will Be Back”.
Nada mal para uma banda que nem quinze anos atrás estava em turnê de despedida, com um guitarrista tampão substituindo um membro icônico recém-aposentado. Porém, se fosse depender da própria popularidade, esse retorno ao Brasil não fosse tão certo.
A Vibra teve a área das cadeiras superiores fechada para receber o repeteco dos shows do Judas Priest e Queensrÿche no último domingo (20), dia seguinte ao Monsters of Rock 2025, na mesma capital paulista. O deslocamento para setores não desejados gerou reclamações dos compradores dos ingressos. A pista da casa, que proporciona a visibilidade de palco mais difícil entre os locais de porte similar em São Paulo, ficou bem cheia, mesmo assim sem lotar, enquanto tapumes cobriam a parte esvaziada ao alto.
Talvez seja uma questão do tamanho do Judas Priest no Brasil, que sempre se apoiou em festivais ou participações especiais de alta demanda para tocar em estádios no Brasil. Ou um sideshow confirmado em cima da hora — dois meses antes — colado a um festival, dando pouco tempo para quem veio de fora da cidade se organizar e incluir a apresentação no seu programa de feriadão.
Quem se dispôs a rever ambas as bandas conferiu mínimas diferenças em relação às apresentações da véspera no Monsters of Rock, tanto no repertório quanto na qualidade do que foi mostrado em cima do palco.
Queensrÿche
Se na véspera pode-se dizer que o Queensrÿche ousou por não tocar seus dois maiores hits num festival, na Vibra, é cabível criticar a falta de ousadia de ter se mantido sem tocar músicas dos quatro discos gravados por Todd La Torre nos seus 13 anos como frontman da banda.
Apenas isso, porém, não é suficiente para diminuir a qualidade da apresentação do Queensrÿche na hora que teve no domingo (20), a mesma duração do show da véspera no Monsters of Rock. Quem havia conferido no Allianz Parque seguiu maravilhado com a exibição de La Torre. Surpreenderam-se os muitos que, quando questionados pelo vocalista, levantaram a mão assumindo ver a banda pela primeira vez naquela noite.
A primeira mudança em relação à véspera veio após a abertura energética com “Queen of the Reich” e “Operation: Mindcrime”. “Breaking the Silence” foi incluída antes do repeteco de “I Don’t Believe in Love”, numa trinca do disco conceitual de 1988 ovacionada pelo público.
A outra mudança foi a entrada da balada progressiva “The Lady Wore Black”, substituindo na mesma cadência “The Mission”, tocada na tarde anterior. Acabou também alternando com a pesada “Nightrider” como segunda representante do EP de 1983, do qual já havia sido extraída a música quase homônima à banda na abertura da noite.
No restante, a banda executou a mesma sequência do repertório com competência idêntica. Casey Grillo deu solidez e peso à bateria, ainda que não tenha a classe do antecessor Scott Rockenfield, algo escancarado no final de “Empire”, mas o discreto e subestimado Eddie Jackson seguiu preciso ao completar a seção rítmica e como principal suporte nos backing vocals.
Mike Stone não é Chris DeGarmo, nem tenta ser, mas ao longo do tempo, entendeu que não poderia descaracterizar demais os solos do guitarrista original. Michael Wilton, por outro lado, assumiu de vez o protagonismo em seu instrumento de quem sabe ser o principal elo a unir toda a carreira do Queensrÿche. A perfeição com a qual executa suas partes é um deleite para quem ouviu de forma obcecada cada detalhe de faixas como “Warning” e “Screaming in Digital”.
O show, porém, foi mesmo de La Torre. Se o vocalista demonstrou confiança num estádio para o qual ele era um mero desconhecido, na Vibra ele brilhou com desenvoltura ao desfilar sua potente voz e comandar um público muito mais afeito ao seu som.
Até por isso a banda poderia ter optado por apresentar alguma faixa dos discos registrados já sob seus vocais. O Queensrÿche, hoje, tem algo além de nostalgia a oferecer. As apresentações em São Paulo foram um belo cartão de visitas para que um retorno não demore mais de dez anos.
Repertório:
- Queen of the Reich
- Operation: Mindcrime
- Walk in the Shadows
- Breaking the Silence
- I Don’t Believe in Love
- Warning
- The Lady Wore Black
- The Needle Lies
- Take Hold of the Flame
- Empire
- Screaming in Digital
- Eyes of a Stranger
Judas Priest
Repeteco por repeteco, o Judas Priest parece ter consolidado a fórmula na qual complementa uma apresentação sem ser headliner de um festival de grande porte com um show solo na Vibra. Foi assim em 2022, com o Knotfest, quando fechou o palco secundário, e o show ao lado da celebração ao Pantera; em 2025, mudaram apenas o evento, Monsters of Rock, e a banda acompanhante.
Assim, quem tem uma mínima noção de como funcionam os shows da carreira do Judas Priest — ou conferiu as duas apresentações em 2022 —, sabia que não dava para esperar nada muito diferente da apresentação do grupo no Vibra em relação à noite anterior no Monsters of Rock.
A única alteração no repertório para o show próprio na casa localizada na zona sul paulistana foi o retorno de “Saints in Hell”, faixa do cultuado álbum “Stained Class” (1978), única música tocada em Brasília no meio de semana anterior criminosamente limada do show no Allianz Parque por questões de tempo.
O resto foi praticamente idêntico ao apresentado na véspera. Como um mérito inegável aos músicos, em nenhum momento o show perde a aura de espontaneidade, por mais que os movimentos no palco sejam sempre os mesmos. A empolgação parece ser genuína com a resposta do público, ainda que variando pouco de noite para noite. Obviamente, o volume com o qual os gritos dos fãs chegam ao palco num local fechado é muito mais intenso e, nesse jogo de retroalimentação que é uma apresentação realmente ao vivo, isso faz diferença.
Se não dava para esperar nada de muito diferente no repertório, e de fato não houve outra mudança além da citada inclusão de “Saints in Hell”, era razoável ter dúvidas quanto à capacidade de Rob Halford, aos 73 anos de idade, entregar uma atuação em alto nível por duas noites seguidas. Ainda mais depois da voracidade com a qual o Judas Priest havia se apresentado no Allianz Parque, quase como uma ambiciosa banda de abertura iniciante tentando varrer do palco a atração principal da noite.
Halford, é verdade, não esteve tão inteiro quanto na véspera. Já em “You’ve Got Another Thing Coming”, hit dos anos 1980 executado logo após a abertura do show com a nova “Panic Attack”, era nítido o fôlego relativamente menor do vocalista nos versos. Talvez estivesse só se poupando para o atropelo que foi a sequência sem pausas com “Rapid Fire”, “Breaking the Law” e “Riding on the Wind”, a trinca executada emendada.
Não que tenha faltado alcance vocal, porém, como “Saints in Hell”, a cadenciada e épica faixa setentista, deixou claro. Depois dela, porém, a voz ficou um pouco mais baqueada. Uma certa rouquidão se fez presente na outra música nova, “Crown of Horns”, momento feito para o guitarrista Richie Faulkner brilhar na introdução.
Em “Sinner”, outro épico setentista, mas de andamento acelerado, não só Halford demonstrou maior dificuldade de chegar nos tons altos. A banda toda pareceu um pouco atabalhoada na troca final de solos entre Faulkner e o produtor Andy Sneap, já parte integrante da formação ao vivo do Judas Priest após a ausência de Glenn Tipton.
“Turbo Lover”, com sua cadência irresistível liderada pelo baixo hipnótico de Ian Hill, tornou-se assim um descanso para a banda e Halford, que deixava sem dó o refrão para o público cantar de forma inflamada.
Outra diferença em relação ao show da véspera foi a introdução de Rob Halford para a faixa-título do disco mais recente, “Invincible Shield” (2024): o vocalista citou por nome álbum a álbum do Judas Priest — ignorando solenemente os dois trabalhos gravados com Tim “Ripper” Owens — antes dar início à rápida canção, quando o tridente de iluminação típico da banda que pairava sobre o palco desce sobre ele.
Após dar sua aula de interpretação e mostrar que ainda tinha fôlego para a sequência da noite no clássico “Victim of Changes” — de novo com Glenn Tipton no telão durante a execução do solo final da música —, Rob Halford apenas olhou em silêncio para o público ovacioná-lo por um minuto antes de dar aquela devida aquecida na voz de todo mundo. Apesar disso, os coros de “The Green Manalishi (With the Two-Pronged Crown)” não foram dos maiores, como se muitos ali na Vibra tivessem sido pegos de surpresa por sua existência.
A clássica virada de bateria no meio do cover do Fleetwood Mac, imortalizada na versão ao vivo de “Unleashed in the East” (1979) pelo recém falecido Les Binks, foi tocada por Scott Travis antes de o músico ter seu momento de brilho ao fazer o público gritar por “Painkiller”. Sua introdução foi a deixa para a frenesi generalizada tomar conta da casa e, mais uma vez, Tipton surgiu nos telões enquanto Richie Faulkner reproduzia nota por nota o seu solo original.
A banda logo disparou no sistema de som a faixa “The Hellion” pré-gravada e o público empolgado cantou sua melodia, mantendo os ânimos exaltados em “Electric Eye”. Não demorou muito para a entrada icônica de Halford sobre a moto antes de “Hell Bent for Leather” e o show terminou com a devida festa em “Living After Midnight”. Se não tinha surpresas dentro do ovo deixado pelo Judas Priest, ninguém foi embora da Vibra triste ao ver Rob Halford vestindo as orelhas de um coelhinho.
Judas Priest — ao vivo em São Paulo
- Data: 20 de abril de 2025
- Local: Vibra São Paulo
- Turnê: Invincible Shield
- Produção: Mercury Concerts
Repertório:
- Intro: Clarionissa (Pré-gravada) + Panic Attack
- You’ve Got Another Thing Comin’
- Rapid Fire
- Breaking the Law
- Riding on the Wind
- Love Bites
- Devil’s Child
- Saints in Hell
- Crown of Horns
- Sinner
- Turbo Lover
- Invincible Shield
- Victim of Changes
- The Green Manalishi (With the Two Prong Crown)
- Painkiller
Bis:
- The Hellion (pré-gravada) + Electric Eye
- Hell Bent for Leather
- Living After Midnight
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