Em dezembro do ano passado, o governo do Reino Unido levantou uma proposta de lei que beneficiaria criações realizadas a partir da inteligência artificial. Como divulgado, a ideia é que empresas de tecnologia tenham total acesso à obra musical local – protegida por direitos autorais – para que treinem e desenvolvam seus sistemas de IA.
Inúmeros nomes da indústria manifestaram-se contra o projeto, como Paul McCartney, Bjorn Ulvaeus (Abba) e Ed Sheeran. Outros mil artistas, incluindo Kate Bush, Damon Albarn (Blur/Gorillaz) e Annie Lennox, lançaram na semana passada um álbum colaborativo intitulado “Is This What We Want?” completamente silencioso como protesto.
Jimmy Page também abordou o assunto. Por meio das redes sociais, o guitarrista do Led Zeppelin publicou uma longa nota em repúdio à medida no último sábado (1º).
Abrindo com a frase “lutaremos pela magia insubstituível da arte humana?”, o texto refletiu sobre a complexidade da arte. Conforme descrito pelo músico, que relembrou a própria trajetória, a música feita pela mente humana não pode ser substituída por canções advindas da inteligência artificial, cujas composições vêm de “obras humanas preexistentes”, que carecem das “imperfeições, emoções e histórias”.
Segundo o instrumentista, assim, a IA gera conteúdo sem “consentimento, atribuição ou compensação”. Por isso mesmo, é preciso, na verdade, “defender políticas que protejam os artistas” e não as que favoreçam as máquinas.
Diz o comunicado na integra:
“Nos estúdios em Londres do início dos anos 1960, aperfeiçoei minha arte como músico de estúdio, emprestando minha guitarra a uma infinidade de artistas de diversos gêneros. Aqueles incontáveis momentos, quando muitas vezes eu fazia três sessões de três horas por dia, eram mais do que apenas trabalho: envolviam também criatividade, colaboração e inspiração contínua.
Eu precisava criar e conceber riffs e melodias rapidamente, sem interromper o fluxo do trabalho que estava sendo gravado com os outros músicos e o artista. Essa jornada do anonimato do trabalho de estúdio aos palcos globais com o Led Zeppelin não foi traçada por algoritmos ou bancos de dados. Foi uma trajetória marcada pela improvisação e pelo brilho incalculável da engenhosidade humana. A alquimia que transformava um riff em um hino vinha da alma coletiva da banda — uma sinergia que nenhuma máquina pode reproduzir.
Hoje, à medida que a inteligência artificial busca imitar e monetizar a criatividade, estamos diante de uma encruzilhada. A arte e a música geradas por IA, sintetizadas a partir de obras humanas preexistentes, carecem da essência visceral que nasce da experiência vivida. Não passam de ecos vazios, sem as lutas, triunfos e a alma que definem a verdadeira arte. Além disso, as implicações éticas são profundas. Quando a IA vasculha a criatividade humana para gerar conteúdo, muitas vezes o faz sem consentimento, atribuição ou compensação. Isso não é inovação; é exploração.
Se, nos meus tempos de músico de estúdio, alguém tivesse usado meus riffs sem reconhecimento ou pagamento, isso teria sido considerado roubo. O mesmo princípio deve se aplicar à IA. Precisamos defender políticas que protejam os artistas, garantindo que seu trabalho não seja sugado pelas máquinas sem a devida consideração. Celebremos e preservemos o toque humano na arte — as imperfeições, as emoções, as histórias por trás de cada nota e cadência. Ao defender a santidade da criatividade humana contra o avanço da IA, protegemos não apenas os direitos dos artistas, mas a própria alma do nosso patrimônio cultural.”
Sobre o álbum “Is This What We Want?”
“Is This What We Want?” está disponível nas plataformas de streaming e é assinado por aproximadamente mil artistas do Reino Unido. O material reúne 12 faixas, todas com gravações de estúdios vazios, sem som. Uma delas teria sido gravada pela própria Kate Bush em seu estúdio pessoal.
A cantora também emitiu uma curta nota (via MusicRadar) a respeito do lançamento. Ela disse:
“Na música do futuro, nossas vozes não serão ouvidas?”
Trata-se de um protesto dos artistas britânicos contra uma proposta de lei de seu país, que planeja dar acesso total à obra musical do Reino Unido para que empresas de tecnologia treinem e desenvolvam seus sistemas de inteligência artificial. O material chegou a público na última terça-feira (25) por ser também o último dia da consulta pública a respeito da proposta.
Além dos já citados, o registro reúne muitos outros, de Hans Zimmer a Tori Amos. Os títulos das faixas juntos formam a frase: “The British government must not legalise music theft to benefit AI companies”, ou “O governo britânico não pode legalizar o roubo de música para beneficiar empresas de IA”.
Toda a renda obtida com o disco será destinada para uma instituição de caridade que apoia artistas em situação financeira precária.
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