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Soberano do prog, Dream Theater abre turnê em BH fazendo 3 horas voarem

No tão aguardado regresso de Mike Portnoy, set de 18 músicas mata saudade dos fãs mineiros na primeira de cinco datas pelo país

Deixando São Paulo sem a menor ideia do que encontraria pela frente, este repórter rumou a Belo Horizonte pela primeiríssima vez para assistir no BeFly Hall, na última segunda-feira (10), ao primeiro show do Dream Theater no Brasil desde o retorno do baterista e membro fundador Mike Portnoy. E como se faz para resenhar uma apresentação de sua banda favorita?

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Além de celebrar suas quatro décadas com a “40th Anniversary Tour 2024-2025”, a volta de Portnoy após um rompimento em 2010 gerava expectativa. Especificamente sobre o tema em entrevista concedida ao colega Igor Miranda em junho — à época sem marcação de shows pelas capitais de Minas Gerais e Porto Alegre —, o vocalista James LaBrie foi preciso:

“A volta de Mike foi algo que, lentamente, pudemos ver os sinais de certa forma. Embora seja o tipo de situação em que você não presta muita atenção nos sinais conforme eles aparecem, ao olhar para trás e refletir, são situações que abriram portas para um diálogo, que levariam para um próximo passo.”

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Em síntese, os “sinais” haviam sido: a participação do baterista em “Terminal Velocity”, álbum solo do guitarrista John Petrucci; a gravação de “LTE3” com ambos e o tecladista Jordan Rudess no projeto Liquid Tension Experiment, que ainda conta com o baixista Tony Levin; uma tour solo de Petrucci com Portnoy no lineup; e sua presença numa apresentação do Dream Theater em Nova York selando as pazes com LaBrie.

A caminho da casa de espetáculos como um “forasteiro”, a pergunta que não calava era: “Por que BeFly Hall?”. Trata-se dos naming rigths adquiridos por uma empresa mineira dos setores de turismo de entretenimento e eventos corporativos. Na prática, o “Hall” sempre foi parte de seu nome, anteriormente junto a: Arena, Marista, Skol, Chevrolet, BH e Km de Vantagens.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Referências

Esperando a festa começar pontualmente às 20h30 sem banda de abertura, prestávamos atenção aos detalhes embutidos no lindo backdrop alusivo à turnê disposto à frente do palco a fim de preservar possíveis segredos, elevando a curiosidade e contendo detalhes das capas de álbuns. Tente adivinhar as referências:

  1. uma garotinha de pijama;
  2. um coração envolto por arame farpado;
  3. uma criança fazendo um castelinho de areia e um baldinho com o logo do grupo;
  4. um observador sentado de binóculos;
  5. o pêndulo de Newton;
  6. formigas e uma placa de trânsito com contorno vermelho e o símbolo da banda ao centro;
  7. um palhaço equilibrista num monociclo;
  8. um carro amarelo, possivelmente um táxi;
  9. três globos metálicos;
  10. e uma caveira e uma mão robótica.

Associou? Confira se as respectivas indicações batem com as artes dos álbuns:

  1. “Images and Words” (1992);
  2. o mesmo disco, mas também o ao vivo “Live at the Marquee” (1993);
  3. “A Change of Seasons” (EP, 1995)
  4. “Falling into Infinity” (1997);
  5. “Octavarium” (2005);
  6. “Systematic Chaos” (2007);
  7. “A Dramatic Turn of Events” (2011);
  8. “Dream Theater” (2013, imagem do encarte);
  9. “The Astonishing” (2016);
  10. e “Distance Over Time” (2019).

Além disso tudo, um relógio marcava seis horas, sinalizando “6:00” e, indiretamente, “Awake” (1994). Só não captamos o que representava a rosa. Se você faz alguma ideia, comente.

Além disso tudo, o cartaz da turnê centralizava a estrutura metálica levemente enferrujada com quatro letras “X”, simbolizando quatro décadas em algarismos romanos, embora nele, a rigor, “40” seja “XL”, com o perdão do preciosismo.

Ato um

Indo para o show em si, uma dica valiosa: mantida a playlist, caso você vá assisti-los, quando “Rooster”, do Alice in Chains, estiver para acabar, prepare o celular, pois o tema de abertura de “Psycho” (1960), oficialmente chamado de “Prelude”, é a intro. Estranhamente, ela rolou com as luzes acesas e, ao dispararem “Metropolis Pt. 1: The Miracle and the Sleeper” no som ambiente, desta vez no escuro, o bandeirão caiu logo após as primeiras batidas de Portnoy, com todos os músicos no palco, exceção feita ao vocalista.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

De imediato, destacavam-se os três bumbos e traremos mais informações sobre eles adiante, pois o ponto fundamental era: estaria tudo de fato acontecendo ou seriam meras “cenas da memória”, como um fragmento de sua letra? O único pecado foi terem cortado um pouco o barato da catarse quando o frontman se comunicou pela primeira vez bem antes da retomada em “Before the leaves have fallen”, para daí prosseguir. Enfim, bola para frente.

Nas inseparáveis “Overture 1928” e “Strange Déjà Vu”, já dava para tentar prever: o telão de fundo, dividido em três partes, trazia imagens criadas especialmente para cada uma das músicas. A quantidade de detalhes te permite, caso desejasse e conseguisse deixar a banda de lado, facilmente embarcar numa viagem só de volta, se perder e passar a noite entretido.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

“The Mirror” representou o disco “Awake”, com direito a um pedacinho de “Lie” em seu final. Posicionado na grade da pista comum, este que vos escreve pôde senti-la vibrar com a massa pulando. Constata-se a ótima forma vocal de LaBrie, por ele destacada na citada entrevista a Igor Miranda, e como fez bem ouvir o “hypocrite”, parte do vocal de apoio de Portnoy… ah, que saudade!

Também nesta faixa, Jordan pendurou um teclado portátil e foi à frente da galera para um solo improvisado e ausente no play, encaixado no equivalente a 5min45seg da gravação em estúdio. Por ali permaneceu até encerrarem-na com meia hora no relógio, incluindo a intro, e somente quatro pedradas — exatamente do jeito que o fã de Dream Theater adora!

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

De tão surpreendente que tenha sido sua escolha, deu um pouco de trabalho identificar “Panic Attack”. Em sua execução, observamos a existência de um telão abaixo do kit de Portnoy, até então totalmente despercebido. Também entramos numa viagem natalina em querer ganhar do bom velhinho da barba branca um teclado igual ao Rudess. O instrumento gira e se inclina, faz um tremendo estrago sonoro e projeto luzes. Só faltou falar.

“Barstool Warrior” provou que não ignorariam material da época com Mike Mangini nas baquetas e foi um tremendo acerto, tanto por ser disparadamente a melhor de “Distance Over Time”, quanto para dar um respiro coletivo, desacelerando um pouco o andamento. Nela, Portnoy finalmente tocou na parte direita de seu monstruoso equipamento e deixaremos indicado no setlist em quais por ali ele desempenhou seu papel. Concluída, um fã analisava junto a um amigo: “A voz dele está muito melhor do que no último show que vi, no Rock in Rio!”.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Tirando ainda mais o pé do acelerador e iniciada numa bela ambientação a exceder quatro minutos — começada por Rudess e levada adiante por Petrucci —, “Hollow Years” veio um pouco diferente ao resgatar sua versão da demo de 1996, com sutil alteração na letra. O solo também foi alterado — e melhorado de maneira tão significativa por Petrucci, que ele fez por merecer ter seu nome dito por LaBrie com a balada ainda em execução, gerando histeria e palmas. E ver o povo acender espontaneamente as lanternas dos celulares foi um espetáculo à parte.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Caminhando para o término da primeira parte, aproveitamos para olhar ao redor e notamos que, se a casa não lotara, ao menos estava bem cheia, descontando-se o aparente bloqueio de uma parte da pista comum. Quanto ao layout do local, a disposição das cadeiras nas arquibancadas lembrava um ginásio de esportes.

“Constant Motion” bateu a primeira hora total e, durante a soturna “As I Am”, uma constatação: exceto pelo par de “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory” (1999), cada faixa mostrada até aqui havia sido retirada de um álbum diferente.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Ato dois

O intervalo prometido por James LaBrie era de vinte minutos, mas, para a retomada, bastaram dezesseis ao som de: “Nickel and Diming me to Death”, de Chris Harper; “Dance of the Dream Man” e “Audrey’s Dance”, ambas de Angelo Badalamenti e da trilha de “Twin Peaks” (1990-91), série na qual Mike Portnoy é viciado; “The Grand Duel Parte Prima”, de Luis Bacalov; e “La Gazza Ladra”, de Giochiano Rossini e integrante da trilha de outro clássico, “Laranja Mecânica” (1971).

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Na pista premium em meio ao público, o guitarrista Marcelo Barbosa e o baixista Felipe Andreoli, do Angra (e de um Dream Theater cover de respeito), e Jean Dolabella, ex-baterista do Sepultura e ex-integrante multifuncional do Ego Kill Talent, atendiam fãs. O assédio aos três só parou em “Orchestral Overture”, conforme batizada no site Setlist.fm, com excertos de músicas do quinteto. É, na prática, uma filmagem no telão a percorrer todas as artes dos discos numa bela viagem no tempo, indo de “When Dream and Day Unite” (1989) ao vindouro “Parasomnia” (2025) — pousando justamente em “Night Terror”, uma de suas faixas.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Se na ótima “Under a Glass Moon” LaBrie, em postura totalmente compreensível, não consegue manter a performance como há 32 anos e reduz oitavas em versos mais altos como “I smile at the moon, chasing water from the sky” e “Beneath a blackened summer sky, praying for time to disappear”, por que incluírem-na e correr o risco de expô-lo desnecessariamente? Não que a tenham descaracterizado, mas há opções para não judiar tanto de seu gogó. Quem sabe, causar impacto com “Wait for Sleep”, bem mais acessível, somada a qualquer outra mais curta da discografia.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Segunda e última da “era Mangini, “This is the Life” proporcionou renovado show à parte da galera ao acender as lanternas de seus aparelhos. Embora não seja seguro generalizar com apenas uma experiência em BH, a impressão foi de que, por lá, filma-se bem menos do que em São Paulo, porém ignora-se mais a lei antifumo para locais fechados.

Inesperada, tocante, mais curta do repertório e sexta menos extensa de toda a discografia dos norte-americanos (desconsiderando as oito “rapidinhas” de “The Astonishing”, quase sempre funcionando como vinhetas), “Vacant” traz o baixo do tão discreto quanto ultra competente John Myung falando grosso sem Portnoy no palco. Em duração, ela só “perde” para “Wait for Sleep”, “Regression”, “Through My Words”, “War Inside My Head” e “False Awakening Suite” — para esta comparação, também ignoramos “Are We Dreaming?”, de “Parasomnia”.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

“Stream of Consciousness” também foi uma “segunda e última” da noite, na categoria “100% instrumental”, bem como “Overture 1928” havia sido. E você acreditaria ao ler que tudo melhoraria? “Octavarium”, a música, veio na íntegra. Quando na vida você suporia ouvi-la por inteiro novamente se, caso os dados no site Setlist.fm estejam corretos, no Brasil ela só tenha rolado na primeira de duas noites no ex-Credicard Hall durante a turnê do álbum de mesmo nome em dezembro de 2005? E se os mencionados agudos de LaBrie foram poupados em “Under a Glass Moon”, aqui ele se superou na parte anterior ao coro rumo ao final da magistral composição.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Bis

Para o bis, a penúltima cena de “O Mágico de Oz” (1939), com repetição da fala “There’s no place like home”, preparou terreno evidente para “Home”, emendada a “The Spirit Carries On”, esta com celulares erguidos a pedido de James LaBrie, que detonou mais uma vez. Nos rostos dos presentes eram visíveis os traços de pura alegria, misturados a sorrisos e lágrimas e houve quem nela bradasse: “Saí de casa para ouvir esta!”, seguramente sem se decepcionar.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

A saideira? “Pull Me Under”, porta de entrada ao universo do Dream Theater para quem passou a curti-los, quando o termo “prog metal” sequer existia. Quer um exemplo? Em dezembro de1994, a edição 101 da revista Rock Brigade trazia uma matéria intitulada “Misturando Estilos” focando em “Awake” e, visando uma tentativa de categorizar a sonoridade dos caras, Daniel Oliveira e Fernando Souza Filho arriscavam:

“Com tantos elementos num mesmo disco, fica difícil definir o estilo do Dream Theater. Para alguns, eles são uma combinação entre Metallica e Yes enquanto outros acreditam que a banda está mais para Queensrÿche e Rush.”

Sim, “lá atrás” era assim e, se seria exagero apontá-la como ponto alto em meio a tantos momentos brilhantes ao longo da noite, o fato foi que ela acabou sendo a mais cantada. Somando-se intro, intervalo, outros e as duas partes do set, o “tempo bruto” chegava a três horas e dez minutos que passaram num piscar de olhos.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Seria injusto e um tanto estranho questionar se faltou algo? Cada fã da obra integral tem lá suas preferências, tais como, no caso deste redator: “Erotomania”, “Hell’s Kitchen”, “A Nightmare to Remember” e “The Count of Tuscany”. Forçando a barra, até “A Fortune in Lies”, “Voices”, “The Silent Man”, “Misunderstood”, “Endless Sacrifice” ou “Forsaken”.

Mas de que modo elas entrariam? Alongando a experiência para quatro horas? E no lugar de quais? Qualquer mexida aí pode virar briga de foice no escuro entre os mais ardorosos admiradores.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Partindo da premissa possivelmente errada de que não há como fazer um setlist perfeito, não havia do que reclamar. Afinal de contas, se o objetivo era celebrar o retorno de Mike Portnoy e cobrir toda a carreira da banda, de dezesseis álbuns, já incluindo “Parasomnia”, dez foram contemplados, preterindo-se: “When Dream and Day Unite” (1989); “Six Degrees of Inner Turbulence” (2002); “Black Clouds & Silver Linings” (2009); “Dream Theater” (2013); “The Astonishing” (2016); e o recente “A View from the Top of the World” (2021). Só milagre para conter ao menos uma de cada de tudo que já lançaram.

*O Dream Theater se apresenta ainda no Rio de Janeiro (13/12 – Vivo Rio), São Paulo (15/12 – Vibra), Curitiba (16/12 – Live) e Porto Alegre (17/12 – Auditório Araújo Vianna). Informações sobre ingressos clicando aqui.

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

Dream Theater — ao vivo em Belo Horizonte

  • Local: BeFly Hall
  • Data: 10 de dezembro de 2024
  • Turnê: 40th Anniversary Tour 2024-2025
  • Produção: Liberation MC

Repertório:

Parte 1 – 1h13min (20h30 – 21h43)
Intro: Prelude [Bernard Herrmann]
1. Metropolis Pt. 1: The Miracle and the Sleeper
2. Act I: Scene Two: I. Overture 1928
3. Act I: Scene Two: II. Strange Déjà Vu
4. The Mirror
5. Panic Attack
6. Barstool Warrior *
7. Hollow Years *
8. Constant Motion
9. As I Am *
Intervalo – 16min
Parte 2 – 1h41’ (21:59 – 23:40)
Intro: Orchestral Overture
10. Night Terror
11. Under a Glass Moon
12. This is the Life *
13. Vacant
14. Stream of Consciousness *
15. Octavarium
Bis
Intro: Cena de “O Mágico de Oz”
16. Act II: Scene Six: Home
17. Act II: Scene Eight: The Spirit Carries On *
18. Pull Me Under
Outro 1: Singin’ In The Rain [Gene Kelly]
Outro 2: Dance of the Dream Man [Angelo Badalamenti]
* = músicas com Mike Portnoy do lado direito de seu kit

Foto: Rapha Garcia @raphagarcia

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1 COMENTÁRIO

  1. Bicho, parabéns pela resenha!
    Só lendo já me arrepiei, como bom FÂnático que sou, imagina ao vivo presenciando esse espetáculo!
    Mal posso esperar por Curitiba, estarei la, com “visíveis traços de pura alegria, misturados a sorrisos e lágrimas”.

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