“Quando eu me apaixonei por uma brasileira, eu não sabia que eu me apaixonaria por um país inteiro”, disse para o estádio Allianz Parque lotado o vocalista Oli Sykes, já na reta final do show de consagração do Bring Me the Horizon no Brasil, ocorrido no sábado (30), em São Paulo — clique aqui para ler texto sobre os demais shows.
A transformação de uma atração novata no Carioca Club em 2011 para uma banda capaz de esgotar 50 mil ingressos num estádio paulistano em 2024 seguiu uma cartilha básica. Um retorno em 2016 para dois shows esgotados na mesma casa da estreia, seguido por apresentações de destaque em dois festivais (Lollapalooza em 2019 e Knotfest em 2022) ampliando sua exposição, sem deixar de cultivar seu público mais fiel com sideshows solo.
Não é como se essa evolução tivesse acontecido só no Brasil. O Download Festival, que ocorre anualmente no autódromo de Donington — onde nos anos 1980 se consagrou o Monsters of Rock —, foi criticado por colocar o Bring Me the Horizon como seu headliner em 2023. Neste ano, o grupo esteve na cabeça dos cartazes dos principais eventos do verão europeu, provando não ser apenas mais um caso de hype da autocentrada mídia britânica.
Reconhecido por seus pares como um dos maiores nomes de sua geração, não à toa as três bandas que o antecederam no Allianz Parque — The Plot in You, Spiritbox e Motionless in White — fizeram questão de agradecer ao Bring Me the Horizon durante suas respectivas apresentações pela oportunidade de vir ao Brasil para se apresentar no palco de um estádio lotado.
Um Bring Me the Horizon cada vez mais acessível
Nada disso teria adiantado, no entanto, se o aumento da exposição não viesse acompanhado da consciência de que a música do Bring Me the Horizon também deveria ser mais acessível. Assim como o Def Leppard, outra banda de Sheffield de um par de décadas antes, o som abrasivo dos primeiros discos foi se amenizando em contornos mais pop, principalmente a partir de “Sempiternal” (2013), com a entrada do tecladista e produtor Jordan Fish, logo transformado no principal parceiro de Sykes nas composições.
A diferença em relação aos veteranos conterrâneos foi que o Bring Me the Horizon conseguiu unir ao seu som elementos contemporâneos populares sem perder sua credibilidade. Em “amo”, disco de 2019, o grupo trouxe elementos eletrônicos, e flertou com o hyperpop no EP “Post Human: Survival Horror” (2020). A julgar pelas músicas dos dois trabalhos executadas durante o show do Allianz Parque, nenhum fã abandonou o barco.
“MANTRA” foi a única música do penúltimo álbum cheio a ser executada e, na reta inicial do show do Bring Me the Horizon em São Paulo, ajudou a elevar ainda mais os ânimos. Do EP de 2020, três canções apareceram no repertório: “Teardrops” trouxe coros efusivos do público, enquanto a pista pegou fogo em “Kingslayer”, cuja participação original das japonesas do Babymetal ficou restrita às ilustrações dançando no telão.
Já a pegada electropop de “Parasite Eve” talvez tenha recebido as reações mais modestas da noite — ou menos acaloradas —, ainda que a letra no telão tenha ajudado para as cantorias em ritmo quase hip hop não morrerem pela pista.
“Post Human” foi inicialmente planejado como uma série de quatro lançamentos, mas apenas quatro anos depois a segunda parte da saga viu a luz do dia. Nesse intervalo, Jordan Fish saiu da banda e “POST HUMAN: NeX GEn” chegou às prateleiras e plataformas de surpresa, em maio deste ano, com um anúncio na véspera.
Sem deixar de lado o caldeirão de influências que se tornou o Bring Me the Horizon ao longo da carreira e apesar da colaboração com inúmeros produtores nas composições, o resultado final demonstrou coesão e teve uma sonoridade mais orgânica. Isso ajudou as suas cinco faixas do álbum tocadas a obterem reação do público como se fossem novos clássicos da banda, a começar por “DArkSide”, abrindo a noite. As demais — “AmEN!”, “Kool-Aid”, “n/A” e “LosT” — mantiveram sempre os ânimos exaltados.
Capricho na produção estética
O conceito dos trabalhos mais recentes deu a tônica dos vídeos exibidos no telão durante o show do Bring Me the Horizon. Em vez de criar um clima artificial de videoclipe ao vivo, como ocorre com outras bandas do mesmo segmento, eles serviram mais como algo a manter a atenção dos fãs no intervalo entre as músicas. Era só uma canção nova ser executada que a gritaria recomeçava e ninguém mais olhava direito para os efeitos das imagens projetadas.
Como Sykes deixou claro por algumas vezes durante os mais de 100 minutos de sua apresentação, o show do Allianz Parque era o maior evento da carreira do Bring Me the Horizon. Para isso, o grupo não economizou na produção. A pirotecnia não se limitou a faixas esporádicas, mas esteve presente por quase toda a noite, deixando mais quente a sensação na pista conforme mais próximo se estava do palco.
O uso desenfreado de fumaça e iluminação quase estroboscópica, ajudada pelos lasers, chegavam a dificultar a visualização do palco, que também tinha uma produção caprichada. Com telões cercando toda a estrutura, muitas vezes no formato de vitrais, havia dois andares no cenário, além de uma passarela adentrando a pista, já disponível para as bandas de abertura.
Na parte superior, num dos cantos ficava o baterista Matt Nicholls. Em outra extremidade John Jones, ainda apenas um membro de turnê da banda, se encarregou das guitarras e, ocasionalmente, tocou um piano de armário, além de ser fazer os backing vocals do grupo.
Na parte de baixo, além do carismático Sykes, o guitarrista Lee Malia e o baixista Matt Kean corriam, pulavam e agitavam pelo palco todo. Apesar do uso intenso de bases pré-gravadas, além do encaixe perfeito com as letras no telão, em momento algum a execução das músicas soou engessada.
Principalmente quando as faixas de “Sempiternal” (2013) e “That’s the Spirit” (2015) foram tocadas. Representados por nove das dezoito canções executadas no Allianz Parque, também foi nelas que a reação do público foi mais catártica. Mesmo quase dez anos após seu lançamento, as letras depressivas e diretas de uma típica angústia adolescente seguem em conexão com seus fãs, majoritariamente jovens, mas não mais tão novos assim quanto na época quando os discos saíram.
Para além do emo
Nem só de lágrimas viveu o público. Já em “Happy Song”, uma das cinco faixas de “That’s the Spirit” e terceira da noite, Sykes interrompeu sua execução para pedir uma roda de mosh e foi devidamente atendido. Em “Antivist”, na reta final do set regular, uma das quatro de “Sempiternal”, as pessoas foram instadas a sair pulando com os dedos médios elevados tanto por Sykes quanto pelos convidados MC Lan e Di Ferrero, do NX Zero.
Claramente, porém, foi nas músicas mais emotivas que a cantoria se tornava ensurdecedora. “Follow You” teve o estádio todo iluminado por celulares, com a trinca de membros da banda tocando a canção em cima da passarela para um público convidado a manter seus parceiros no ombro. “Can You Feel My Heart” encerrou a primeira parte do show com uma chuva de papel picado em formato de coração.
Na curta espera pela volta dos músicos, o telão exibiu imagens da história do grupo, e o público ovacionou quando uma rápida foto de Chester Bennington apareceu antes do show ser retomado para a execução final de uma trinca de faixas de “That’s the Spirit”.
Após “Doomed”, antes de descer para cantar praticamente agarrado aos fãs que se amontoavam na fila do gargarejo, Oli Sykes rapidamente dedicou “Drown” a Pedro Miranda, falecido fã reconhecido pela banda por usar sua paixão pelo Bring Me the Horizon como motivação em sua batalha contra o câncer.
“Grati-fucking-dão”
Entre as tantas vezes que Sykes se comunicou em português com o público, em muitas com efeito cômico, “grati-fucking-dão” foi a forma como ele se referiu à reação efusiva da noite toda antes de pedir por uma última vez para o pessoal enlouquecer em “Throne”. Com seus coros fáceis, a derradeira música da noite teve direito àquele momento popularizado pelo Slipknot de pedir o agachamento coletivo para sair pulando nos últimos versos da faixa.
Com mais chuva de papel picado, serpentinas, chamas no palco e fogos de artifício atrás das arquibancadas se encerrou a vitoriosa apresentação do Bring Me the Horizon. pela primeira vez num estádio lotado no Brasil. Como não poderia deixar de ser, Oli Sykes se despediu dizendo, em português mesmo, que amava muito o público. Nada disso teria acontecido se a recíproca não fosse verdadeira.
Bring Me the Horizon — ao vivo em São Paulo
- Local: Allianz Parque
- Data: 30 de novembro de 2024
- Turnê: NX_GN WRLD TOUR
- Produção: 30e
Repertório:
1. DArkSide
2. MANTRA
3. Happy Song
4. Teardrops
5. AmEN!
6. Kool-Aid
7. Shadow Moses
(Introdução: [ost] (spi)ritual)
8. n/A
9. Sleepwalking
(Introdução: Itch for the Cure (When Will We Be Free?))
10. Kingslayer
11. Parasite Eve
12. Antivist (participações de MC Lan e Di Ferrero do NX Zero)
13. Follow You
14. LosT
15. Can You Feel My Heart
Bis:
(Introdução: Overture c/ EVE e vídeo de retrospectiva da carreira no telão)
16. Doomed
17. Drown
18. Throne
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