A quinta visita do Smashing Pumpkins ao Brasil e, consequentemente, a São Paulo se deu em um cenário curioso. Antes das apresentações na capital paulista, no último domingo (3), e em Brasília, dois dias antes, houve muita boataria e alguma desilusão.
A princípio, especulava-se que o grupo liderado pelo vocalista Billy Corgan seria um dos nomes principais da edição 2024 do Primavera Sound. Todavia, a organização do festival tardou por anunciar oficialmente as atrações e, ao final, a realização foi cancelada.
Daí veio a boa nova e oficial: shows solo, com ingressos disputados e esgotados meses antes da apresentação em São Paulo, ocorrida no Espaço Unimed.
Terno Rei
Quem abriu a noite foi o Terno Rei. Pontualmente às 19h, assumiram suas posições o vocalista e baixista Ale Sater, o guitarrista Greg Maya, o baterista Luís Cardoso e o guitarrista/tecladista Bruno Paschoal, começando o show com “Solidão de Volta”.
A escolha pelo quarteto paulista se mostrou acertada em dois aspectos. Primeiramente, eles são fãs da banda americana. Greg usou a tradicional camiseta “Zero” e Ale confirmou a admiração perto do final da performance.
Além disso, o trabalho dos brasileiros combina em algum nível com o do Smashing Pumpkins. A notada influência de rock inglês dos anos 1980 é combinada fortes pitadas de dream pop. Um cruzamento de The Smiths com Cocteau Twins.
Foram cerca de 30 minutos de apresentação, muito bem aproveitados: dez músicas, que puderam ser ouvidas de forma quase cristalina graças à excelente qualidade de som.
Terno Rei — repertório:
- Solidão de Volta
- Difícil
- 93
- Estava ali
- Trailers
- Luzes de Natal
- Retrovisor
- Brutal
- Yoko
- Esperando você
O intervalo entre os shows contou com uma discotecagem atípica: a íntegra dos discos “Don’t Break the Oath”, do Mercyful Fate, e “Closer to the Edge”, do Yes, além de uma seleção aleatória das primeiras décadas do Judas Priest. Parece estranho, mas quando se lembra que o Smashing Pumkpins — como quase toda banda da cena grunge — apresenta alguma medida de hard rock e heavy metal tradicional à la Black Sabbath, faz sentido.
A montanha-russa do Smashing Pumpkins
A coerência é interrompida quando, pouco depois das oito da noite, a introdução instrumental “Atum” anuncia o início do show do Smashing Pumpkins. É a abertura da ópera rock lançada em 2023, mas a primeira música executada é “The Everlasting Gaze”, que abre o álbum “Machina/The Machines of God” (2000).
Na sequência vem a obscura “Doomsday Clock”. Apesar de constar da trilha sonora do filme “Transformers” (2007), não se livrou da obscuridade do disco de onde vem originalmente, o esquecido “Zeitgeist”, também 2007. Foi o primeiro lançamento após o retorno, mas sequer está nas plataformas digitais.
A terceira música é um cover de U2, “Zoo Station”, mais apropriadamente uma versão com instrumental prolongado a ponto de incluir um solo do grande baterista Jimmy Chamberlain. Trata-se da segunda vez em que ele e o guitarrista James Iha, integrantes da formação clássica do Smashing Pumpkins ao lado de Billy Corgan, se apresentam em São Paulo. A primeira se deu no longínquo Hollywood Rock, em 1996.
Essa quase reunião dos músicos que gravaram os discos mais bem-sucedidos — a baixista D’arcy Wretzky é a única ausente — certamente se mostra como uma das razões que fizeram com que os ingressos se esgotassem rapidamente. Mas a empolgação não conseguiu superar o estranhamento de um começo de show tão atípico. O discreto James Iha gritou “Vocês estão vivos?” para tirar a plateia do silêncio.
Hits, como habitual, servem como outra arma para espantar a inércia. “Today” deu continuidade à resposta barulhenta ao chamado de Iha. “Tonight, Tonight” e “Ava Adore” mantiveram o clima numa ascendente antes de outras duas faixas de “Atum”, “That Witch Animates the Spirit” e “Beguiled”.
Voz e violão
“Disarm” inaugurou um mini set acústico, em que apenas Billy Corgan permanece no palco. Novamente, um clássico é sucedido por covers de gosto duvidoso. Primeiro, “Landslide”, do Fleetwood Mac; depois, “Shine On, Harvest Moon”, um standard (ou seja, música antiga gravada por um sem fim de artistas a ponto de muitos desconhecerem a versão original), de adaptação mais popular por Ruth Etting.
A base brasileira de fãs do Smashing Pumpkins se mostrou fiel e profunda conhecedora da discografia da banda. Não vive só de hits. Todavia, não necessariamente está preparada para essas viagens.
O bom humor e a descontração apresentados por Billy Corgan são atípicos. Como um todo, a banda apresenta uma grande e enérgica performance. A formação se completa por Kiki Wong, escolhida após um anúncio online de “procura-se guitarrista”, e pelo baixista Jack Bates, filho de Peter Hook, ex-New Order — de quem tomou a semelhança física e a postura no palco, com o contrabaixo pendurado na altura da canela.
Nada disso, contudo, sustenta a interação com a plateia, que não resiste a essa comunicação confusa. A própria turnê serve como exemplo. Apesar de ter lançado um disco em agosto, “Aghori Mhori Mei” (2024), apenas uma faixa dele foi tocada: “Shighommi”. O nome da tour, “The World is a Vampire”, vem de “Mellon Collie and the Infinite Sadness” (1995). “Bullet with Butterfly Wings”, cujo primeiro verso é “The world is a vampire”, apresentou-se como um dos pontos altos do show.
Final pesado
O peso das três guitarras marcou a parte final do setlist. Em “Gossamer”, Billy Corgan solou rápida e longamente no melhor momento instrumental da noite. “Cherub Rock” e “Zero” foi a dobradinha escolhida para encerrar a noite e deixar o povo sorridente a caminho de casa.
Tal mensagem também não foi captada. A banda é quem foi embora, enquanto o público permaneceu em sua grande maioria na expectativa de um bis — que não ocorreu em Brasília.
A espera foi recompensada e a banda voltou para um cover fiel de “Ziggy Stardust”, de David Bowie, cantado por James Iha. De tão inesperada, fez quem estava indo embora correr de volta e pegou a equipe técnica do Espaço Unimed de surpresa. As duas câmeras que captavam as imagens dos telões estavam para ser desligadas, pois o bis não estava no setlist que os guiava.
O encerramento festivo se provou um belo presente. Uma festa cujo dono não está muito preocupado no que deve fazer para manter todos no mesmo clima. Tem dado certo até aqui, talvez seja melhor não mexer mesmo.
Mas fica a dúvida: se praticamente ignoraram o disco mais recente desta vez, que seja por guarda-lo para uma nova turnê em breve. Tanto quem não curtiu o andamento do show quanto quem amou provavelmente vai querer uma nova dose do estranho mundo de Billy Corgan.
Smashing Pumpkins — ao vivo em São Paulo
- Local: Espaço Unimed
- Data: 3 de novembro de 2024
- Turnê: The World Is a Vampire Tour
- Produção: Balaclava e Music On Events
Repertório:
- The Everlasting Gaze
- Doomsday Clock
- Zoo Station (cover de U2)
- Today
- That Which Animates the Spirit
- Tonight, Tonight
- Beguiled
- Ava Adore
- Disarm
- Landslide (cover de Fleetwood Mac)
- Shine On, Harvest Moon (cover de Ruth Etting)
- Mayonaise
- Bullet With Butterfly Wings
- Empires
- Perfect
- Sighommi
- 1979
- Jellybelly
- Gossamer
- Cherub Rock
- Zero
Bis:
- Ziggy Stardust (cover de David Bowie)
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