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Entrevista: Jerry Cantrell fala sobre show solo no Brasil e vida além do Alice in Chains

Com carreira paralela reativada durante “folga” da banda principal, guitarrista promove novo álbum “I Want Blood” com data única em São Paulo

Muitos ícones do chamado movimento grunge passam a — equivocada — sensação de que fizeram sucesso quase ao caso e não desejavam transformar isso em um trabalho de grande aclamação. Nunca pareceu ter sido o caso de Jerry Cantrell. A consistência de sua trajetória, seja com o Alice in Chains ou nas esporádicas iniciativas solo, serve para defini-lo, talvez, como o músico mais focado de todo o segmento do qual ele surgiu.

Isso se confirma em seus projetos e até nas declarações, a serem apresentadas nesta entrevista para o site IgorMiranda.com.br. Quem sentia saudades de suas composições fortes em meio aos hiatos criativos relativamente longos do Alice in Chains tem tido o privilégio de ouvi-lo de modo mais recorrente na carreira solo, que ganhou dois álbuns nos últimos anos — Brighten (2021) e o recente I Want Blood —, e ao vivo. Neste segundo quesito, os fãs brasileiros foram presenteados com sua primeira visita solo, para show único na Audio, em São Paulo, dia 12 de novembro (terça-feira). Ingressos seguem à venda no site Eventim.

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A consistência artística de Cantrell é tamanha que o guitarrista e vocalista obteve um resultado uniforme em “I Want Blood” mesmo com o envolvimento de vários músicos. Os baixistas Duff McKagan (Guns N’ Roses) e Robert Trujillo (Metallica), os bateristas Mike Bordin (Faith No More) e Gil Sharone (Marilyn Manson) e o vocalista Greg Puciato (Better Lovers, ex-The Dillinger Escape Plan) são apenas alguns dos nomes mais célebres que deixaram suas colaborações ao disco. Além disso, nenhum deles estará no show em território nacional — Greg tem excursionado com Jerry, mas estará fora desta ocasião devido a compromissos com o Better Lovers — e mesmo assim tudo soará encaixado, conforme se nota em vídeos de apresentações anteriores.

A saber, Cantrell tocará no Brasil acompanhado por Zach Throne na guitarra e vocal, Eliot Lorango no baixo, Lola Colette (a única além dele que toca em “I Want Blood”) nos teclados e Roy Mayorga na bateria. Este último, também integrante do Ministry, Hellyeah e Stone Sour, guarda conexão curiosa com o Brasil: substituiu temporariamente Iggor Cavalera no Sepultura em 2006 e foi integrante original do Soulfly, de Max Cavalera, entre 1997 e 1999 e de 2001 até 2003. Também há uma peculiaridade que o relaciona a “I Want Blood”: Mayorga ajudou a compor material para a parte spoken-word da edição em vinil do álbum.

Mesmo com o envolvimento de diferentes músicos, Jerry esclarece que buscou oferecer uma vibração tradicional de “banda” — até por repetir, em “I Want Blood”, quase todos os músicos que tocaram em “Brighten”. Ao site, ele explica:

“Por mais que pudesse parecer fácil mudar os músicos, acho que precisa ser pessoal para mim. Gosto de familiaridade. Além disso, todos os músicos que você acabou de mencionar (os que participam da gravação de ‘I Want Blood’) são alguns dos meus músicos favoritos no mundo. Apenas acontece de também serem meus amigos de longa data também. Esse tipo de coisa acontece naturalmente.”

A consistência anteriormente mencionada da trajetória de Cantrell tem a ver, também, com segurança. É o que fica claro na sequência de sua declaração.

“Sei que fazemos um som muito bom juntos. Quando comecei a compor o material para esse disco, eles obviamente seriam as primeiras pessoas para as quais eu ligaria. Sim, vou ligar para Rob Trujillo, Mike Bordin, Duff McKagan, Gil Sharone, Lola Colette… pessoas em quem eu poderia confiar. E, felizmente, eles continuam dizendo ‘sim’.”

Em meio a nomes tão celebrados, destacam-se as parcerias com Robert Trujillo e Mike Bordin. Os dois formaram a “cozinha” de “Degradation Trip” (2002), segundo álbum solo de Cantrell. A se lamentar, apenas o fato de não aparecerem nas mesmas músicas de “I Want Blood”: Bordin toca na faixa-título e em partes do refrão de “Let It Lie”, enquanto Trujillo fica a cargo de “Vilified”, “Off the Rails” e “It Comes”. Não deixa, contudo, de ser um reencontro significativo para Jerry.

“Depois de ‘Degradation Trip’, Robert, Mike e eu trabalhamos em algumas coisas juntos; acho que tentamos compor algo juntos para Ozzy Osbourne (nota: Cantrell e Bordin gravaram juntos do cantor o álbum de covers ‘Under Cover’, lançado em 2005, mas antes tiveram sessões criativas ao lado de Trujillo). Daí, tocamos juntos em mais algum outro lugar. Mas nunca tivemos a chance de fazer outro disco juntos. Mike toca bateria na faixa-título, que é simplesmente insana. Robert é uma fera na música e um cara muito querido. É ótimo trabalhar com outros músicos de estilo único e próprio. Você espera que tudo isso se misture no som do projeto que você precisa. Em outras palavras: acho que soa como uma banda, embora sejam muitas pessoas diferentes tocando. Atribuo isso ao profissionalismo e ao talento de todos.”

Turnê, inspiração e “emprego fixo”

Ainda não dá para saber ao certo o repertório que Jerry Cantrell tocará no Brasil. Até o momento, a turnê de “I Want Blood” teve apenas compromissos na América do Norte como atração de abertura do Bush, com um set reduzido a menos de uma hora. Na América do Sul — onde, além do Brasil, há compromissos no Chile e na Argentina —, o repertório será ampliado, mas não se revela sequer a duração.

O que dá para esperar, conforme brinca Cantrell, são apenas músicas dele. Isso, obviamente, contempla o Alice in Chains, retratado nos setlists anteriores por “Them Bones”, “Man in the Box”, “Would?” e, possivelmente na conclusão, “Rooster”. Do novo álbum, apenas “Afterglow” e “Vilified” vinham sendo tocadas, porém, mais pelo fato de o trabalho ainda não ter sido lançado quando a tour norte-americana ocorreu. De outros discos solo, faixas como “Atone”, “Brighten”, “Had to Know”, “Cut You In” e “Psychotic Break” são esperadas.

O palco, diga-se, é sagrado para o guitarrista/cantor. Se por um lado o catálogo do Alice in Chains é diminuto, as atividades em turnê foram intensas na maior parte do tempo; seja na fase em que de fato existiu com o saudoso vocalista Layne Staley, entre 1988 e 1996, ou no período com o sucessor William DuVall, a partir de 2005.

Por isso, o próprio Jerry fica surpreso quando observa que “I Want Blood” foi composto logo após a turnê de “Brighten”, embora não confirme se isso inspirou a sonoridade mais pesada do novo trabalho. O ciclo de divulgação de um álbum demanda tanto de seu foco que, normalmente, ele precisa de um tempo de descanso antes de ele se aventurar na criação — o que não foi o caso desta vez.

“Não sei se ter composto ‘I Want Blood’ logo após uma turnê influenciou o som (mais pesado), mas eu definitivamente estava animado para entrar em outro álbum após ter concluído a turnê solo anterior, o que é realmente muito incomum para mim. Geralmente preciso de um intervalo após um ciclo de álbum — que normalmente dura dois anos entre compor, gravar, lançar e sair em turnê. É muito tempo e um longo compromisso em torno de uma coisa só. Então, geralmente eu preciso de um tempinho para desligar e reiniciar antes de mergulhar em outro projeto que também represente outro ciclo de dois anos e meio. Porém, estranhamente, fiz isso após sair da turnê de ‘Brighten’… e eu não fazia uma turnê solo havia 18 ou 19 anos. Estava bem animado com isso.”

Foto: Darren Craig

De forma quase surpreendente, Cantrell define o vínculo com o Alice in Chains como “um bom emprego fixo”. Por isso, ele raramente pisa fora do círculo — seus quatro álbuns solo foram lançados em pares, com dois entre as décadas de 1990 e 2000 e outros dois só nos últimos anos. Todavia, foi com sua experiência solo que surgiu o incomum fenômeno de compor logo após uma excursão.

“Sabe… analisando bem, eu tenho um bom emprego fixo. Então, é basicamente onde tenho focado mais ao longo da maior parte da minha carreira. E com razão. Mas quando tenho a oportunidade de fazer alguns desses discos… fiz quatro em mais de 35 anos, sabe? Simplesmente me senti animado e entrei nessa logo após a turnê do outro álbum. Eu não diria que isso influenciou o som, mas eu definitivamente saí da estrada energizado para fazer outro.”

O Jerry Cantrell — e o Alice in Chains — do passado

Além de terem sido lançados em pares, os álbuns solo de Jerry Cantrell guardam uma peculiaridade: o momento em que foram feitos. “Boggy Depot” (1998) e “Degradation Trip” surgiram em uma fase instável do Alice in Chains. O primeiro saiu quando Layne Staley já estava recluso em função da morte por overdose da ex-noiva, Demri Parrott, e sua própria dependência química. O segundo foi lançado dois meses após a morte de Staley, também por overdose. Já “Brighten” e “I Want Blood” chegaram em um momento onde a banda de Cantrell, agora vista até mesmo como “rock clássico”, desfruta de uma estabilidade invejável à maior parte dos ícones grunge.

Jerry, contudo, prefere não verbalizar o que mudou nele próprio entre seus dois pares de álbuns solo. Convidado a refletir sobre o tema, o guitarrista e vocalista foca no raciocínio de que, no fim das contas, todo disco é diferente e, sobretudo, único.

“São muitos anos de diferença. A vida está sempre em movimento, as coisas estão sempre mudando, então você se adapta. Tenho sorte de poder fazer música através de tudo isso e também aproveitar todas essas experiências para colocá-las na música. Cada disco é como um retrato instantâneo, uma imagem congelada ou uma cápsula do tempo: nunca aconteceu antes e nunca mais vai acontecer de novo. Quando acaba, a única coisa que você tem é a lembrança, as histórias, as risadas e o trabalho em si. E há aqueles que resistem ao teste do tempo.”

A modéstia fica de lado quando ele expressa que, sim, esteve “envolvido com alguns discos muito bons”. Não é mentira e dá para definir todos desta forma. Num segundo, porém, a singeleza é recobrada com uma constatação curiosa: “acho que estou melhorando”.

“Acho que ‘Brighten’ foi um grande passo à frente quando se olha apenas os quatro álbuns que fiz sozinho. ‘Boggy Depot’ foi um bom começo, bem forte. ‘Degradation Trip’ foi um disco pesado e sombrio, em um lugar diferente. ‘Brighten’ foi um verdadeiro passo à frente para mim em todos os aspectos e ‘I Want Blood’ dá mais um ou dois passos à frente. Estou indo na direção certa — para cima, não para baixo.”

Quanto a futuro, Cantrell se recusa a falar sobre um possível álbum do Alice in Chains. Até porque o foco é na carreira solo.

“Bem, eu acabei de lançar um disco há poucos dias, então estou meio focado nisso agora. Quando o Alice in Chains decidir fazer outro disco, vocês irão saber.”

Lembranças do Brasil

Alice in Chains é banda grande em todo o mundo, mas sua trajetória de apresentações no Brasil talvez seja o maior reflexo desse tamanho. Afinal de contas, por aqui, só tocaram em espaços enormes.

A estreia por aqui se deu com dois shows (São Paulo e Rio de Janeiro) no imenso festival Hollywood Rock de 1993, ao lado de Red Hot Chili Peppers, Nirvana, L7, entre outros. O retorno ocorreu em 2011, para tocar no SWU, em Paulínia (SP), junto a Faith No More, Stone Temple Pilots, Megadeth e mais. Dois anos depois, foi a vez do Rock in Rio 2013, com Metallica, Ghost, Rob Zombie e por aí vai, além de datas solo na capital paulista e em Porto Alegre. Por fim, em 2018, compuseram o lineup do festival itinerante Solid Rock, com Judas Priest e Black Star Riders em Curitiba, SP e Rio.

Na ocasião inaugural, de 1993, Jerry Cantrell e seus colegas foram tratados já como superstars. O guitarrista e vocalista destaca:

“Os shows foram incríveis. Lembro da energia, os fãs estavam realmente, realmente, realmente loucos. Lembro de sair do avião, andar pela pista e ser abordado por um bando de garotos. Fomos até o hotel e a polícia teve que fazer uma barricada para que pudéssemos entrar no hotel. Havia várias pessoas e eu consegui passar pela metade da barricada. Os fãs meio que esmagaram os policiais em mim.”

Houve, ainda, um episódio negativo — que felizmente foi resolvido pouco tempo depois. O músico relembra:

“Eu estava usando um colar com tags de identificação (‘dog tags’) do meu pai, que era soldado (nota da edição: Jerry Fulton Cantrell Sr. combateu na Guerra do Vietnã e a música ‘Rooster’ é uma homenagem a ele). Elas foram tiradas do meu pescoço. Não achei que veria aquele colar novamente. Acho que fui à MTV Brasil e expliquei o quão importante era aquele colar. No show seguinte, conheci uma garota que estava com o colar e me devolveu. É uma lembrança muito legal.”

Convidado a refletir sobre as outras apresentações, Cantrell citou, especificamente, o show no SWU em meio a um temporal. Em relação ao vínculo em geral com o Brasil, também expôs a razão pela qual não veio tantas vezes quanto gostaria.

“Lembro de tocar ‘Rain When I Die’ sob a chuva torrencial (no SWU). Foi muito especial, muito mágico. Sabe, o Brasil está longe e quando você viaja, tenta-se que faça sentido na parte de negócios. Você espera ao menos empatar os custos, não ter prejuízo. Isso às vezes é complicado para vários artistas, provavelmente é a razão pela qual muitas bandas não viajam, por conta dos gastos para se locomover e tudo.”

Apesar disso, é claro, há os pontos positivos. O principal deles representa a razão pela qual Jerry se tornou músico.

“É sempre ótimo. A coisa mais legal sobre a música é que ela conversa com todos: não importa o idioma que você fale, ela cruza uma série de fronteiras e limites. É algo que todos nós compartilhamos. A música é muito, muito espiritual. Quando você vai a algum lugar que não costuma ir com muita frequência e e eu não necessariamente falo o idioma, a música faz a tradução e nos conecta. Isso é muito legal, cara. Acima de tudo, foi por isso que comecei a gostar de música. Ainda vivo esse sonho.”

Jerry Cantrell durante show com o Alice in Chains em 2022 (foto: JDunbarPhoto / Depositphotos)

Jerry Cantrell no Brasil

*Jerry Cantrell vem ao Brasil para show único na Audio, em São Paulo, dia 12 de novembro (terça-feira). Ingressos seguem à venda no site Eventim.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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