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Entrevista: Vernon Reid fala sobre Living Colour no Brasil e causas sociais

Guitarrista promete novidades para sequência de 4 shows, relembra Marielle Franco e estende críticas a políticos como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Lula

O Living Colour tem volta ao Brasil marcada para outubro, com shows agendados para o Rio de Janeiro (10/10), Belo Horizonte (11/10), São Paulo (12/10) e Brasília (13/10). A banda, formada por Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria), promete apresentações memoráveis, mantendo sua marca registrada de energia explosiva no palco e letras de profunda conexão com temas que continuam a moldar o mundo.

Ao site IgorMiranda.com.br, Reid relembra com carinho de apresentações anteriores no Brasil; comenta seu compromisso com causas sociais, exemplificado pela recente participação da banda no evento online Musicians for Kamala; o desfecho do caso Marielle Franco e mais.

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Confira a seguir.

Surpresas e clássicos na volta ao Brasil

A volta do Living Colour ao Brasil promete não apenas shows de alto nível em quatro capitais, mas também a construção de novas memórias marcantes, como as de apresentações anteriores. Reid recorda com empolgação o show no Rio de Janeiro em 2019, descrevendo a experiência no palco do Circo Voador como “muito divertida”.

A mais recente apresentação do grupo por aqui, porém, foi no Rock in Rio 2022 (relembre aqui), ao lado de Steve Vai, na qual Vernon, em suas próprias palavras, “estava vestido como um cowboy negro”.

Para esta nova turnê, o guitarrista promete surpresas no setlist, com músicas que a banda não costuma tocar.

“Acho que vamos tocar ‘Sacred Ground’ [do álbum ‘Collideøscope’ (2003)], que não tocamos há muito tempo. Também trouxemos de volta ‘Bi’ [do álbum ‘Stain’ (1993)], que é uma música que não tocamos há anos. Além disso, o tributo ao MC5 [‘Kick Out the Jams’] em homenagem a Wayne Kramer tem sido muito divertido de tocar.”

A montagem do setlist para a vindoura turnê brasileira também leva em conta a conexão com o público. Clássicos como “Middle Man”, do álbum “Vivid” (1988), certamente estarão presentes, mas o guitarrista ressalta que a banda também vai incluir faixas menos tocadas.

“Recentemente, temos tocado ‘Leave It Alone’ [de ‘Vivid’], que acho que não tocamos muito no Brasil. E há outras músicas como ‘Never Satisfied’ [de ‘Stain’], que não tocamos na última vez em que estivemos aí.”

Essa variedade reflete o cuidado do Living Colour em entregar uma experiência única a cada show. Reid destaca que a escolha das músicas envolve, por fim, considerações de ritmo e intensidade.

“Temos várias músicas em dó menor, então precisamos ponderar se vamos tocar ‘Ignorance is Bliss’ [de ‘Stain’] ou outras faixas mais pesadas.”

Contra a corrente

O surgimento do Living Colour nos anos 1980 foi um movimento quase contra a corrente do que dominava o cenário musical da época. Com o rádio e a MTV inundados pelas chamadas “hair bands”, o grupo de Vernon Reid se destacou ao incorporar uma ampla gama de influências que iam do punk ao jazz fusion. Ele explica:

“Em certo sentido, fazíamos parte de um grupo de bandas que saíram da cena punk de Nova York, mesmo que não fôssemos exatamente punk. Elementos do punk estavam no que fazíamos.”

Também ressalta que a diversidade musical que marcaram os anos 1960 e 1970 teve um impacto profundo em sua visão artística.

“Cresci ouvindo bandas como os Beatles, que mudavam de álbum para álbum. A diferença entre ‘Lucy in the Sky with Diamonds’ e ‘I Want to Hold Your Hand’ me mostrou que era possível [progredir e] fazer algo completamente diferente.”

Essa mentalidade foi essencial para a criação do som único do Living Colour. Reid destaca que, à medida que os anos 1980 avançavam, a indústria começou a promover uma uniformidade musical, algo que a banda buscava romper.

“Houve um tempo em que as bandas tinham um som próprio e o modo como os álbuns funcionavam era interessante. Quando chegamos, as bandas estavam fazendo a mesma coisa; as canções eram rápidas ou lentas, mas o som não mudava (…) Nenhum single do Queen soa igual. ‘We Will Rock You’ é incrivelmente básica, enquanto ‘Bohemian Rhapsody’ é detalhadamente extraordinária.”

A transição para o grunge

Quando questionado sobre como vê a transição do hair metal para o grunge no início dos anos 1990, Vernon Reid se recorda da primeira vez que ouviu “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana.

“Eu estava em uma loja de discos e, quando ouvi, pensei: ‘Os versos são R.E.M. e o refrão é Metallica’. Nunca tinha ouvido falar de grunge naquela época, mas foi essa a sensação que tive.”

O guitarrista também observa que, embora o termo “grunge” tenha sido cunhado pela imprensa para rotular bandas oriundas de Seattle, nomes como Alice in Chains e Soundgarden, que o lembrava um pouco de Black Sabbath, tinham uma profundidade que ia além do rótulo. Ele ainda acrescenta que o legado de Jimi Hendrix, nascido na cidade, estava presente em muitas dessas bandas, mesmo que de forma sutil.

“O DNA de Hendrix está em muitas bandas de Seattle, como Screaming Trees e Melvins. Isso é algo que me atraiu no grunge, essa mistura de coisas leves e sombrias.”

Reid também compartilha sua fascinação pela habilidade do grunge de combinar elementos aparentemente díspares, algo que sempre o intrigou. Ele dá uma música do Soundgarden como exemplo.

“Quando ouvi pela primeira vez, pensei que parecia algo que Johnny Cash poderia cantar. E de fato, Cash chegou a gravar ‘Rusty Cage’.”

Essa habilidade de misturar influências diversas sempre esteve no cerne do Living Colour. Para o guitarrista, ter músicas como “Cult of Personality” e “Broken Hearts” no mesmo álbum nunca foi algo estranho. Sobre a filosofia musical que sempre guiou a banda, ele reflete:

“Para mim, isso é o que a música deve fazer: te levar a diferentes lugares. Mas naquela época [os anos 1980], as bandas não estavam mais tentando te levar a lugar nenhum, estavam apenas te mantendo no mesmo espaço o tempo todo. E essa é a diferença.”

A música como ato político

Conhecido por seu engajamento em questões sociais e políticas, o Living Colour participou, no dia 17 de setembro, de um evento online chamado Musicians for Kamala. Organizado como um movimento de apoio à vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, o evento não se tratava de uma mera arrecadação de fundos — “é um apelo à ação para todos que acreditam na democracia, igualdade e progresso”, segundo o press-release oficial.

Para Vernon Reid, é fundamental que artistas usem suas plataformas para defender causas justas. Enfatizando sua longa desconfiança em relação ao ex-presidente e atual candidato pelo Partido Republicano, Donald Trump, o guitarrista rememora:

“Somos pessoas, estamos sujeitos às mesmas coisas que qualquer um. Alguns artistas serão conservadores, outros não. Eu, pessoalmente, nunca fui fã de Donald Trump. Lembro quando ele negava moradia para pessoas negras no Queens [bairro de Nova York].”

Apesar de sua posição clara, Reid reconhece que a música é uma força universal que conecta pessoas de diversas ideologias. O fato de que o Living Colour tem fãs conservadores é algo que considera “bizarro”, mas, para ele, esse fenômeno reflete a beleza da música, que pode falar de maneiras diferentes para pessoas distintas.

No entanto, o guitarrista não hesita em deixar claro por que apoia figuras como Kamala Harris e por que se opõe tão fortemente a Trump:

“Trump sempre acreditou que as pessoas são tolas, que podem ser enganadas. Ele investiu em cassinos, o que só reforça essa visão de mundo. Eu não apoio isso, e é por isso que farei parte do evento.”

Por outro lado, Reid admite que Kamala Harris, como qualquer político, está longe da perfeição.

“Ela não é perfeita, claro que não. Vão surgir problemas, com certeza. Mas numa democracia, lidamos com essas questões, debatemos e lutamos com elas. Donald Trump, por outro lado, exige lealdade absoluta. Se você não for leal a ele o tempo todo, você é o inimigo. Eu nunca vou concordar com isso.”

Quando questionado sobre as possíveis consequências de uma nova vitória de Trump nas eleições, o guitarrista pinta um quadro sombrio, destacando o perigo da disseminação de desinformação e xenofobia.

“Antes mesmo de ser eleito, o vice-presidente dele [J.D. Vance] já está espalhando histórias absurdas, como a de que haitianos em Springfield, Ohio, estão comendo animais de estimação. Isso é insano! E são residentes legais de Ohio, não imigrantes ilegais.”

Reid vê a admiração declarada de Trump por ditadores como uma ameaça real à democracia. Sobressaltando o perigo do “culto à personalidade” em torno de figuras autoritárias e perplexo com o fato de muitas pessoas não levarem a sério as declarações do bilionário, ele alerta:

“Trump disse que quer suspender a Constituição. Ele ama ditadores, isso está claro. As pessoas estão vendo isso com seus próprios olhos, estão ouvindo o que ele diz, mas preferem negar. Eu levo Trump completamente a sério. Ele fala exatamente o que pensa, e devemos acreditar nisso.”

Para ele, a responsabilidade dos artistas vai além de apenas entreter; eles têm o poder — e o dever — de usar suas vozes para defender a verdade e a justiça e estão cometendo um erro quando ficam calados.

Marielle Franco e Justiça

Em 2019, o Living Colour subiu ao palco do Circo Voador, no Rio de Janeiro, para uma performance eletrizante (leia a resenha aqui), mas marcada por um tom de protesto. Naquela noite, a banda dedicou o show à vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada em 2018.

Na época, a pergunta “quem matou Marielle?” pairava no ar. Hoje, com os responsáveis pelo crime identificados e presos, Reid reflete sobre o caso:

“As engrenagens da Justiça giram muito devagar, mas o fato de os perpetradores terem sido capturados é importante. Marielle era uma pessoa progressista, lutava contra estereótipos de raça e sexualidade, e foi alvo exatamente por isso. As pessoas exigiram respostas, não ficaram de braços cruzados. E saber que os culpados foram encontrados me dá um certo alívio.”

A dedicação dele e da banda a questões sociais nunca foi apenas uma postura de palco. Desde o início, as letras do Living Colour abordam temas que, tristemente, permanecem atuais. Ele aponta que, embora alguns avanços tenham ocorrido, como a eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, esses momentos de progresso muitas vezes geram reações extremas.

“A eleição de Obama deixou muita gente surtada, e logo depois tivemos Trump. No Brasil, vocês tiveram algo parecido com Bolsonaro, o que reflete essa oscilação entre extremos.”

Reid também observa como essas dinâmicas políticas se conectam com a temática de “Cult of Personality”, talvez o maior sucesso do Living Colour.

“Quando penso em líderes como Trump, Bolsonaro e até Lula, vejo a essência desse ‘culto à personalidade’. Esses líderes criam uma narrativa de que eles são o país, que eles são o povo. E as pessoas compram essa ideia, caem nessa história gloriosa que eles constroem. Faz parte da natureza humana. É algo que vejo até no pátio da escola. Quem é o garoto que todos os outros vão seguir? É um comportamento estranho, mas universal.”

Relevância mantida

Apesar dos desafios e das crises enfrentadas ao longo das décadas, o Living Colour continua relevante. Para o guitarrista, essa longevidade se deve, em parte, à pertinência dos temas abordados pela banda.

“Escrevemos ‘Time’s Up’ [do álbum ‘Time’s Up’ (1990)] como uma homenagem ao Bad Brains, e então Corey surgiu com essa letra sobre o meio ambiente. Na época, o debate sobre mudanças climáticas ainda não era tão intenso quanto hoje, mas agora essa música é mais relevante do que nunca. O planeta está ficando mais quente, e as pessoas ainda negam o que está acontecendo (…) Os verões estão cada vez mais insuportáveis, com Los Angeles chegando a 48ºC. Mesmo assim, ainda tem gente que nega a realidade.”

Reid e seus colegas de banda continuam comprometidos com a música e com a mensagem, acreditando que o poder da arte está em inspirar e desafiar. Para o guitarrista, o Living Colour é mais do que apenas uma banda: é um reflexo das tensões e lutas de uma sociedade em constante transformação.

“Nosso papel é esse, levar essas questões para o público e, de alguma forma, provocar uma reflexão. Ainda há muito trabalho a ser feito.”

Living Colour no Brasil em 2024

  • 10 de outubro – Rio de Janeiro – Sacadura 154 – Ingressos em Showpass
  • 11 de outubro – Belo Horizonte – Mister Rock – Ingressos em Articket
  • 12 de outubro – Sao Paulo – Tokio Marine Hall – Ingressos em Eventim
  • 13 de outubro – Brasilia – Toinha Brasil – Ingressos em Clube do Ingresso

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InícioEntrevistasEntrevista: Vernon Reid fala sobre Living Colour no Brasil e causas sociais
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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