Edu Falaschi capricha no entretenimento nostálgico em São Paulo

Com Noturnall e Storia no apoio, show com execução integral do repertório de “Rebirth Live in São Paulo” é recheado de acertos

Desde que colocou o Almah na geladeira e deu início a uma carreira solo com olhar bastante carinhoso ao passado com o Angra, Edu Falaschi se apresentou cinco vezes no Tokio Marine Hall, casa de eventos em São Paulo com capacidade para 4 mil pessoas. Encheu o local em todas as ocasiões, inclusive a do último sábado (3), quando trouxe a turnê que celebra os 20 anos de “Rebirth World Tour: Live in São Paulo” (2003), seu primeiro registro ao vivo com a banda que o consagrou.

Há quem o critique por focar demais em sua obra passada durante turnês, embora dois álbuns solo — Vera Cruz (2021) e Eldorado (2023) — tenham sido lançados, também se apoiando no típico power metal que o tornou conhecido. Em cenário ideal, o comentário é válido, até porque Falaschi já demonstrou ter capacidade criativa para oferecer mais.

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Só que isso depende do interesse do público. Um público que, em 2011, foi chamado de “paga p@u de gringo” por Falaschi após um festival dedicado ao heavy metal brasileiro não atrair interesse.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Chateação também válida. Não dá para dizer que o cantor não tentou: foram cinco álbuns com o Almah, dois deles lançados já após a oficialização de sua saída do Angra, em 2012. Em São Paulo, contudo, o grupo de hiato iniciado em 2017 costumava se apresentar no Manifesto Bar, com capacidade para 700 pessoas — longe das quase 4 mil que o artista tem reunido na cidade quando traz performances temáticas relacionadas ao Angra.

No fim das contas, o público quer mais é se divertir. Edu, que tem se apresentado com um sorriso no rosto do início ao fim do set, também. E não dá para negar que, mesmo com ressalvas pontuais, seu show temático de “Rebirth World Tour: Live in São Paulo”, onde interpreta até mesmo canções da era Andre Matos, oferece entretenimento.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Storia

Antes da combinação presente-passado, deve-se falar da dobradinha presente-futuro. Formado em 2023 e com o mesmo nome de uma banda paulistana de pop punk, o Storia tem ficado a cargo de toda a turnê de Falaschi, num pacote que ainda inclui o Noturnall como atração convidada, e reúne jovens músicos de três estados: os mineiros Pedro Torchetti (voz, também Forged War) e Thiago Caeiro (bateria), o carioca Gabriel Veloso (guitarra, também Urantia) e o paulista Pablo Guillarducci (baixo, também FireWing).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Na bagagem, apenas um EP: o conceitual “Revenant — The Silver Age”, produzido por Thiago Bianchi (Noturnall), lançado em maio último e executado na íntegra durante seus curtos shows da tour. E não havia cenário melhor para o quarteto realizar sua primeira turnê, visto que a sonoridade é visivelmente inspirada por Angra e outros grupos de seu universo, tanto de power metal quanto de progressivo.

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O cenário positivo se refletiu logo na primeira música, a ligeiramente pastiche “The Grey Twilight”, que arrancou reações positivas do público. A influência “Angreira” se mostra mais forte em “Rise of the Silver Knights”, especialmente nos grudentos fraseados de guitarra. Mais orientada ao prog, “It’s Treason Then” deu uma esfriada no set pela falta de dinâmica, especialmente nas linhas vocais, mas não o suficiente para deixar de ser concluída com gritos de “Storia, “Storia” vindos da plateia. “Revenant”, talvez o cartão de visitas mais preciso do som do grupo, concluiu a curta performance em tom vitorioso e encerrou o repertório de aproximadamente 20 minutos.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O Storia é afiado tecnicamente. Cada integrante domina seu instrumento e faz questão de mostrar isso com execuções de alto nível de complexidade. Falta apenas mais rodagem para que o grupo não só apresente composições com maior identidade, como também solucione questões inerentes à pouca experiência, como o som às vezes um pouco vazio e, exceção feita a Guillarducci, pela falta de traquejo no palco. Torchetti, em especial, é um diamante a ser lapidado — sua voz se posta em estado bruto, sem nuances, e sua postura como frontman denuncia sua pouca idade. Quando há dedicação, o tempo, ainda bem, tende a resolver tudo isso.

Repertório — Storia:

  1. The Grey Twilight
  2. Rise of the Silver Knights
  3. It’s Treason Then
  4. Revenant
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Noturnall

Pouco antes do horário marcado das 21h40, o Noturnall deu início ao seu show de um jeito que era difícil de se ignorar. Não apenas pelo som, nitidamente o mais pesado e imprevisível da noite. Liderando o virtuoso time composto por Victor Franco (guitarra), Saulo Xakol (baixo) e Henrique Pucci (bateria), o vocalista Thiago Bianchi faz de tudo nos 50 minutos de set: desfila uma série de técnicas que vão do agudo ao gutural, pede todo tipo de interação da plateia, percorre cada centímetro do palco — para ao fim pular dele e ainda cantar fora dali —, levanta Franco em seus ombros ao estilo AC/DC, manipula pedal de guitarra, pega o celular para filmar pessoas gritando o nome de seu grupo e por aí vai.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Num primeiro olhar, quase tudo neste projeto formado em 2013 com aura de supergrupo — eram os integrantes da findada segunda encarnação do Shaman unidos ao baterista Aquiles Priester — e consolidado como algo próprio pode parecer exagerado. Mas funciona, especialmente no contexto de show. É o habitat natural de uma banda que, nos últimos 20 meses, acumula mais de 85 shows em continentes diversos: Américas do Sul e Norte, Europa e Oceania.

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Inclinadas a um tipo próprio de thrash/groove metal, “Try Harder”, “No Turn at All” e “Fight the System” iniciam o set do quarteto de forma bem pesada, cada uma à sua maneira. A primeira traz um curioso e, veja só, cativante excesso de informação; a segunda, destaque do set, é uma metralhadora sonora; e a terceira surpreende com suas referências líricas a “Capítulo 4, Versículo 3” e “Diário de um detento”, ambas do Racionais MCs. São seguidas por um momento que deveria ser de respiro, mas é de emoção: uma bem executada versão da balada “Fairy Tale” (Shaman) dedicada ao saudoso Andre Matos.

Como forma de homenagear o geofísico e youtuber Sérgio Sacani, presente na plateia e responsável por apresentá-los ao público, o grupo incluiu ao repertório a faixa-título de seu novo álbum, “Cosmic Redemption”, cujo videoclipe traz participação do mencionado Sacani, do apresentador Danilo Gentili, do podcaster Igor 3K, entre outros. Para isso, foi sacrificada a versão de “O Tempo Não Para” (Cazuza), tocada em outras cidades. Troca bem-vinda, visto que compôs, sem quebras de clima, um miolo de repertório mais orientado a vertentes melódicas, junto da progressiva “Shallow Grave” e da inegavelmente power “Reset the Game”.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A performance se encerrou com dois números mais enérgicos: “Scream! For!! Me!!!”, originalmente com participação de Mike Portnoy (Dream Theater) e bem inclinada ao que se classifica como metal alternativo, e “Nocturnal Human Side”, que parece fundir todos os elementos musicais vistos até ali. É melódica. É pesada. É virtuosa. É Noturnall, que, sem exagero, saiu de cena deixando boa impressão.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório — Noturnall:

  1. Try Harder
  2. No Turn at All
  3. Fight the System
  4. Fairy Tale (Shaman)
  5. Cosmic Redemption
  6. Shallow Grave
  7. Reset the Game
  8. Scream! For!! Me!!!
  9. Nocturnal Human Side
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Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Edu Falaschi

O relógio já marcava 23h quando Sérgio Sacani subiu ao palco para dizer que Edu Falaschi e banda atrasariam um pouco para começar, visto que a produção ainda dava seus toques finais. A espera levaria outros 15 minutos. A performance, com aproximadamente duas horas de duração, foi encerrada depois da uma da manhã, quando já não havia mais serviço de metrô e trem à disposição. Dependia-se de veículo próprio, o oneroso carro por aplicativo ou o limitadíssimo serviço de ônibus da madrugada, que opera de forma reduzida.

Em uma noite de precisão técnica, a falta de capricho com o horário talvez seja a única crítica relevante: a tiqueteira indicava que a apresentação se iniciaria às 22h, mas dias antes do evento em si, foi informado que seria às 23h. E ainda atrasa. Se os ingressos já são caros para a realidade do brasileiro, por que não começar com a atração principal entre 20h e 21h — como a gigantesca maioria dos grandes eventos de metal em São Paulo — e permitir que o público tenha economia e conforto ao voltar de metrô/trem ou de ônibus com pleno funcionamento de suas linhas?

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Menos mal que este problema — importante, diga-se — tenha sido o único não apenas do show de Falaschi, como da noite em geral. Deu até para esquecer disso enquanto a cortina se abriu e o carismático cantor, acompanhado de Roberto Barros (guitarra), Diogo Mafra (guitarra), Raphael Dafras (baixo), Fábio Laguna (teclados) e Jean Gardinalli (bateria), surgiu com sua imperecível jaqueta de couro dos tempos de “Rebirth” e produção de palco impecável. Tivemos fogos indoor (presente em vários momentos), disparo de fumaça, duas estátuas humanas de anjo ao estilo “Angels Cry” e enormes soldados infláveis do conceito de “Vera Cruz”, na única referência daquela noite à carreira solo do vocalista.

Quase tudo colaborava fortemente para uma noite de nostalgia anabolizada, com o já mencionado visual de palco caprichado e uma execução instrumental poderosa somados à apresentação integral de todas as ótimas músicas presentes em “Rebirth World Tour: Live in São Paulo”. A voz de Edu, por outro lado, fez o público se lembrar que estamos em 2024. Mais do que os 52 anos de vida, pesam os 30 anos de carreira, alguns deles com sérios problemas vocais que, mesmo clinicamente sanados, deixaram sua marca no artista, que sofre em especial com os tons médios — os graves seguem intactos e os agudos são tecnicamente bem executados.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Para quem estava lá, isso não foi problema. Nem deveria ser: quem se propõe a assistir Falaschi ao vivo nos dias de hoje está ciente dos problemas, amplamente discutidos até em entrevistas pelo próprio cantor. Dito isso, sua performance atual se mostrou consideravelmente superior à que foi vista no mesmo locam em 2022, mesmo diante de um setlist mais desafiador, com várias canções registradas por Andre Matos.

O repertório, aliás, é digno de nota. Não há ponto baixo. O primeiro álbum de Edu com sua antiga banda, “Rebirth”, é tocado quase que na íntegra, com sete canções:

  • a arrepiante “Nova Era”, logo na abertura;
  • “Acid Rain”, desta vez sem backing vocals assumindo a parte de Edu no refrão;
  • “Heroes of Sand”, canção de delicadeza ímpar no metal;
  • “Millennium Sun” e “Running Alone”, que só não viraram clássicas por terem aparecido pouco em shows;
  • “Unholy Wars”, talvez a mais “Andre Matos” do disco de 2001;
  • a incontestável balada que dá nome ao álbum, precedida pelo anúncio do vencedor do sorteio de um violão de Edu, oferecido em rifa online responsável por arrecadar R$ 20 mil para auxiliar vítimas de enchentes no Rio Grande do Sul (parabéns, Marco Túlio Baeta Pimenta!).
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Da era Andre Matos, tem-se:

  • “Angels Cry”, responsável por tirar o público do chão em momentos distintos;
  • “Metal Icarus”, com direito à famosa interação com o público em seu miolo;
  • “Make Believe”, talvez com a melhor performance de Falaschi na noite;
  • “Time”, visivelmente a faixa mais difícil de se cantar ao vivo naquele set;
  • “Nothing to Say”, durante a qual o palco foi banhado por uma iluminação verde e amarela;
  • e “Carry On”, surpreendentemente executada na íntegra.

Do DVD, ainda rolaram solo de bateria de Jean Gardinalli — mais curto que o da gravação, ainda bem — e versão para “The Number of the Beast”, original do Iron Maiden. O bis contou com “Pegasus Fantasy Ultimate Version”, versão recauchutada da faixa que serviu como trilha nacional do anime “Os Cavaleiros do Zodíaco”, e “Spread Your Fire”, já indicando qual deve ser o próximo passo de Falaschi: uma turnê executando o álbum “Temple of Shadows” (2004) na íntegra em outras cidades do país, já que, em 2019, apenas São Paulo recebeu o espetáculo neste formato.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Como destacado anteriormente, há elementos combinados que garantem o sucesso desta apresentação e turnê: o carisma incontestável de Edu, a produção visual reforçada, o repertório vitorioso e a poderosa banda de apoio, que merece algumas linhas à parte. Dela, não há como deixar de destacar Fábio Laguna, parceiro de Falaschi desde os tempos de Angra e parte fundamental do que se ouve ao vivo, não apenas pelos teclados ao vivo em vez de gravados, como também pelos importantes backing vocals.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Jean Gardinalli executa as linhas em maioria criadas pelo titular Aquiles Priester com dose extra de peso, mas sem perder uma batida sequer. O trio de cordas formado por Roberto Barros, Diogo Mafra e Raphael Dafras é de rara precisão e notório capricho, inclusive nas timbragens, ainda que a guitarra de Mafra tenha ficado com volume bem baixo na maior parte da noite.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Edu, que ainda cumpre datas desta tour em Curitiba (20/09), Porto Alegre (21/09), Florianópolis (22/09) e Ribeirão Preto (18/10), deu início em São Paulo a uma temporada involuntária de shows do “Angraverso” a ser completa por Kiko Loureiro (10/08) e o próprio Angra em formato acústico (17/08). Nunca é demais celebrar o legado de uma das maiores bandas de heavy metal do Brasil — e mesmo com os percalços, Falaschi tem mandado bem nesse sentido.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Edu Falaschi — ao vivo em São Paulo

  • Local: Tokio Marine Hall
  • Data: 3 de agosto de 2024
  • Turnê: Rebirth Live in PS Revisited

Repertório:

  1. In Excelsis / Nova Era
  2. Acid Rain
  3. Angels Cry
  4. Heroes of Sand
  5. Metal Icarus
  6. Millennium Sun
  7. Make Believe
  8. Unholy Wars
  9. Rebirth
  10. Time
  11. Running Alone
  12. Crossing / Nothing to Say
  13. Unfinished Allegro / Carry On
  14. The Number of the Beast (Iron Maiden0

Bis:

  1. Pegasus Fantasy (trilha sonora de Os Cavaleiros do Zodíaco)
  2. Deus Le Volt! / Spread Your Fire
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox
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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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