A história da consagração do Stone Temple Pilots com “Purple”

Jornada de altos e baixos foi compensada com sucesso comercial e crítico; ascensão do vício em heroína de Scott Weiland influenciou obra e vida pessoal

“Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.” Talvez a frase de Charles Dickens no romance “Um Conto de Duas Cidades” (1859) seja a melhor descrição do ano de 1993 para o Stone Temple Pilots.

Para começar, seu álbum de estreia, “Core” (1992), ultrapassou as quatro milhões de cópias vendidas, ganhou um Grammy, dois American Music Awards e dois Billboard Music Awards. Leitores da Rolling Stone elegeram a banda como Revelação do Ano, e o vocalista Scott Weiland foi eleito o Melhor Cantor na enquete.

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No entanto, as pressões desse tipo de sucesso, juntamente com os ataques muitas vezes ferozes da imprensa musical e com as implicações do que o baterista Eric Kretz definiu à época como “um casamento de quatro homens”, quase botaram tudo a perder.

Felizmente, Weiland, Kretz e os irmãos Dean (guitarra) e Robert DeLeo (baixo) canalizaram toda a energia, positiva e negativa, na escrita e gravação do segundo álbum da banda. Em entrevista de 1994 ao Rockline, Robert comentou:

“Nós meio que estávamos fartos um do outro [depois da turnê de ‘Core’]. Mas então, quando chegou a hora de gravar, acho que virou questão de vida ou morte; era algo que tínhamos que fazer.”

Essa é a história de “Purple”.

No caminho da heroína

“Uma versão simplificada e sem frescuras do Lollapalooza.” Assim foi descrita a Bar-B-Q Mitzvah Tour pelo jornalista Steve Hochman, do Los Angeles Times. Em meados de 1993, o Stone Temple Pilots estava em turnê pelos Estados Unidos, ainda promovendo “Core”, desta vez em um giro repleto de sexo e drogas ao lado de Butthole Surfers, Flaming Lips, Firehose e Basehead.

Scott Weiland nunca havia injetado ou cheirado heroína antes, mas era entusiasta da droga, como afirmou em seu livro de memórias de 2011, “Not Dead & Not for Sale”.

“A verdade é que eu amava a cultura da heroína. Eu era intrigado por ela (…) Eu amava o trabalho de William S. Burroughs e o brilhantismo de Charlie Parker. Eu amava a estética dos Rolling Stones (…) No meio dos anos 1980, fui muito influenciado por Perry Farrell e o Jane’s Addiction. Eu associava a heroína ao romance, ao glamour, ao perigo e aos excessos do rock ‘n’ roll. Mais do que isso, eu estava curioso sobre a conexão entre a heroína e a criatividade.”

Em 4 de agosto de 1993, alguns músicos das supracitadas bandas haviam encomendado suas doses da potente heroína China White. Weiland aproveitou para experimentar. Antes de o STP subir ao palco naquela noite — curiosamente vestidos como Kiss, com macacões, perucas e maquiagem —, o cantor cheirou a droga pela primeira vez. Ele recorda:

“Fui levado para onde eu sempre sonhei em ir. O show foi lindo. O barato idem.”

A sombra da dependência

Fisgado desde a primeira vez que experimentou heroína, Scott já estava se tornando um viciado quando o Stone Temple Pilots avançava nos trabalhos em seu segundo álbum, mas fazia tudo o que podia para esconder sua dependência. Como resultado direto, a maioria de suas letras naquela época falava sobre ele se tornando um viciado ou mentindo sobre sua dependência de heroína.

“‘Vasoline’ é sobre ficar preso na mesma situação repetidamente. É sobre eu me tornando um viciado. É sobre mentir para a banda sobre minha dependência de heroína (…) ‘Unglued’ segue o mesmo tema. Estou viciado (…) ‘Pretty Penny’ é mais uma história sobre drogas, uma mãe e filha que são ambas viciadas.”

Outro tópico de interesse de Weiland era o seu relacionamento com Janina Castaneda, que inspirou o hit “Interstate Love Song”. “A letra foi escrita sobre os telefonemas que eu tinha com Jannina”, escreve o vocalista em sua autobiografia. “Ela perguntava como eu estava, e eu mentia, dizia que estava bem. Provavelmente eu acabara de usar heroína antes de ligar para ela.”

Janina também motivou Scott a escrever a romântica “Still Remains”, cujo verso “If you should die before me ask if you could bring a friend” (“Se você tiver de morrer antes de mim, pergunte se poderia trazer um amigo”) foi citado por Corey Taylor, do Slipknot, como o que ele mais gostaria de ter escrito.

Dos estúdios para as telas do cinema

Era março de 1994 quando o Stone Temple Pilots entrou em estúdio. As gravações foram completadas em cerca de três semanas, segundo Weiland, “porque não aguentávamos mais estar perto um do outro”.

Apesar do enorme sucesso de “Core”, a banda não se sentiu pressionada a repetir a fórmula no segundo álbum. O cantor acrescenta:

“Quando nos reunimos para gravar, embora não estivéssemos necessariamente nos dando muito bem, acho que todos sentimos essa necessidade de ser o mais honestos possível e deixar as coisas saírem como saírem.”

Na mesma ocasião, o vocalista explicou por que a maior parte de “Purple” foi gravada no Southern Tracks, em Atlanta, Georgia:

“Nosso produtor [Brendan O’Brien] é de lá e parecia ser um bom ambiente. Fazer discos em Nova York ou em Hollywood é pedir para ter dor de cabeça. Toda hora aparecem executivos da gravadora para ver se o que você está gravando é um hit em potencial ou algo assim, e nós só queríamos ficar à vontade para fazer música.”

Além das oito faixas registradas naquele mês, “Purple” traz duas que datam do ano anterior: “Lounge Fly”, gravada em meio à supracitada Bar-B-Q Mitzvah Tour com participação de Paul Leary, do Butthole Surfers, e “Big Empty”, de 25 de maio de 1993.

Escrita para a trilha sonora do filme O Corvo, “Big Empty” originalmente se chamava “Only Dying”, mas quando o astro do filme, Brandon Lee, foi acidentalmente morto durante as filmagens, o título foi mudado em respeito ao ator. Sobre a faixa que acabou rendendo um MTV Movie Award, Weiland contou ao Rockline:

“Nosso empresário nos abordou com a ideia de contribuir com uma música para a trilha sonora de um filme chamado ‘O Corvo’. Na época, ninguém suspeitou de que seria um sucesso de bilheteria; pensamos até que seria algum filme B meio tosco. Mas infelizmente, alguém [o ator protagonista Brandon Lee] morreu no set, e coisas assim tendem a instigar muito mais interesse público (…) Já tínhamos algumas músicas para o próximo álbum, então fizemos um acordo com a gravadora dizendo que deixaríamos eles usarem a música na trilha sonora, desde que pudéssemos mantê-la no nosso álbum (…) No entanto, assim que chegamos da turnê [do ‘Core’], vimos comerciais na TV com ‘Big Empty’ promovendo o filme, e isso não era exatamente o que o acordo previa.”

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Desvendando o enigma

Um bebê montando um dragão no céu enquanto figuras angelicais observam. Quando perguntado sobre a capa de “Purple” em 1994, Scott inventou toda uma história. Ele disse ao Rockline que havia recebido um presente de um amigo cerca de nove meses antes, e que esse presente viera em uma caixinha chinesa. “Na verdade, descobri que caixinhas desse tipo são dadas às pessoas no Ano Novo Chinês. É como um presente”, complementou.

A verdade só viria à tona em “Not Dead & Not for Sale”: a capa de “Purple” é baseada na arte de uma embalagem de heroína China White que Weiland comprou de um traficante em Los Angeles.

Já o bolo na contracapa do álbum, segundo o vocalista, veio de um dia de ensaio quando eles estavam compondo as músicas para o disco:

“Tínhamos comprado aquele bolo para o aniversário de Robert, e olhamos para ele e decidimos que nossa amiga Allison Dyer, que é uma grande fotógrafa em Los Angeles, deveria vir antes de o devorarmos e tirar algumas fotos dele.”

O título, que não tem nenhuma correlação com a capa, a contracapa ou qualquer música do repertório, também gerou questionamentos da imprensa. Por que não preto? Por que não branco? Por que não vermelho ou amarelo? “Acho que é o clima”, respondeu Weiland.

“Quando estávamos compondo e gravando as músicas, obviamente, pensamos um pouco no título. Não nos preocupávamos necessariamente com isso o dia todo, mas estávamos conversando sobre como o álbum estava ficando, jantando juntos, e um de nós mencionou que soava roxo, e assim ficou.”

Verdade e autenticidade

Lançado em 7 de junho de 1994, “Purple” foi um grande sucesso comercial, estreando em primeiro lugar na Billboard com 252 mil unidades vendidas nos Estados Unidos em sua primeira semana. O disco permaneceu no topo das paradas por três semanas, eventualmente batendo a marca de mais de seis milhões de cópias.

Promos de “Vasoline” foram distribuídas para estações de rádio, fazendo com que a música alcançasse o primeiro lugar na parada Modern Rock e o 38º lugar geral. “Insterstate Love Song” veio na sequência, chegando à 18ª posição.

Depois de detonarem “Core”, os críticos abraçaram “Purple”, validando o Stone Temple Pilots como uma banda de rock legítima com uma atitude artística própria. Hoje, o álbum figura em listas de melhores do gênero/da década/de todos os tempos de publicações como Loudwire, Rock Hard e Guitar World.

Em “Not Dead & Not for Sale”, Scott diz que gosta mais de “Purple” do que de “Core” por ser “mais honesto e mais autobiográfico.” Ao Rockline, no entanto, a comparação foi mais bem desenvolvida:

“Quando fizemos o primeiro disco, estávamos meio que fartos de viver de sofá em sofá e acho que nossas frustrações foram direcionadas de forma equivocada para outras pessoas e outras forças externas. Mas este álbum, por estarmos juntos e termos passado por certas experiências, algumas boas e outras ruins, nos obrigou a olhar para dentro muito mais e se tornou um registro muito pessoal. Tudo o que você ouve no álbum é algo que realmente vem de dentro, além das observações sociais. Quero dizer, se você fala sobre raiva e frustração, pode estar com raiva do governo, do dono da mercearia ou de qualquer coisa assim, mas quando não está feliz consigo mesmo, esse sentimento é muito mais profundo do que qualquer coisa que você possa direcionar para qualquer outra pessoa.”

Eric concorda com o colega.

“É como se no primeiro álbum houvesse uma necessidade muito grande de apenas gravar o álbum, de marcar presença, enquanto neste era como se tivéssemos uma necessidade urgente para nossas vidas de gravar algo para que pudéssemos nos sentir realizados. Passamos por tantas coisas no último ano e meio, que gravá-lo teve contornos quase terapêuticos, e serviu para nós percebemos por que nos damos tão bem às vezes e meio que um lembrete de por que diabos estamos fazendo música juntos.”

Stone Temple Pilots – “Purple”

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  • Lançado em 7 de junho de 1994 pela Atlantic
  • Produzido por Brendan O’ Brien

Faixas:

  1. Meatplow
  2. Vasoline
  3. Lounge Fly
  4. Interstate Love Song
  5. Still Remains
  6. Pretty Penny
  7. Silvergun Superman
  8. Big Empty
  9. Unglued
  10. Army Ants
  11. Kitchenware & Candybars / My Second Album (faixa escondida)

Músicos:

  • Scott Weiland (vocais, guitarra em “Silvergun Superman”, percussão em “Pretty Penny”)
  • Dean DeLeo (guitarra, violão, percussão em “Pretty Penny”, bateria em “Silvergun Superman”)
  • Robert DeLeo (baixo; guitarra em “Vasoline”, “Lounge Fly”, “Pretty Penny”, “Silvergun Superman” e “Kitchenware and Candybars”; percussão em “Pretty Penny”)
  • Eric Kretz (bateria, percussão em “Vasoline”, “Lounge Fly”, “Pretty Penny” e “Big Empty”)

Músicos adicionais:

  • Brendan O’Brien (percussão em “Meatplow”, “Interstate Love Song”, “Silvergun Superman”, “Army Ants” e “Kitchenware & Candybars”; guitarra em “Kitchenware & Candybars”; mellotron em “Army Ants”)
  • Paul Leary (guitarra em “Lounge Fly”)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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