Antes de falar sobre Interpol, é preciso abordar o mundo do showbusiness — que tem concluído o primeiro semestre de 2024 apresentando sérios sinais de ressaca do oba-oba que imperou no pós-pandemia.
Do Katatonia, um dos criadores do gothic/doom metal, ao Titãs, grande nome do rock brasileiro, artistas de diversos segmentos e tamanhos fizeram alguns dos maiores shows da carreira por aqui nos últimos anos. Venderam ingressos como nunca.
A coisa se estendeu a tal ponto que se perdeu a medida da real demanda por um artista. A onda de cancelamento de turnês inteiras por baixa venda de ingressos de artistas como Ivete Sangalo e Ludmilla, dentro do Brasil, e Jennifer Lopez e Black Keys, no exterior, mostram que a realidade exige uma readequação da proposta de shows gigantes com preços de ingresso igualmente enormes.
Tal erro poderia ser facilmente cometido com o Interpol. Desde a estreia no país, com uma turnê solo em 2008 para divulgar “Our Love to Admire”, terceiro disco da banda, falta de público não foi problema. Passaram a ter presença cativa em diversos festivais aqui, como Planeta Terra, Lollapalooza e Primavera Sound. Foram convidados especiais do Arctic Monkeys nos shows mais recentes no Rio de Janeiro e em Curitiba, no ano de 2022.
Quando anunciaram shows especiais aqui, tocando a íntegra de seus dois primeiros álbuns, os aclamados e bem-sucedidos “Turn On the Bright Lights” (2002) e “Antics” (2004), era de se esperar que superestimassem o local do show ou o preço a ser cobrado pela entrada. Talvez ambos.
Felizmente, a produtora Move Concerts não esfolou o fã do quarteto novaiorquino de pós-punk, foi razoável no valor do ingresso e, principalmente, acertou no tamanho da casa — no caso, a Audio, localizada no bairro da Barra Funda em São Paulo. Bem localizado e intimista — com capacidade para 3,2 mil fãs —, o local iria permitir a imersão que o som e show densos do Interpol pedem e é indicado que se aproveite. Em 2011, já haviam feito algo parecido ali perto, na Clash Club; dessa vez, seria ainda mais especial.
Os ingressos se esgotaram meses antes da apresentação de sexta (7). A situação motivou a abertura de um show extra no dia seguinte, sábado (8).
Especialistas em serem específicos
“Specialist” foi a primeira música apresentada após o Interpol pontualmente subir ao palco da Audio. A escolha mostra a dimensão da especificidade do grupo de indie rock/post-punk revival. Começa só com o baixo de Brad Turax. O frontman Paul Banks, por diversas vezes, abandona a guitarra para se dedicar a apenas cantar — ou quase sussurrar — e deixa o trabalho das seis cordas ser conduzido principalmente por Daniel Kessler.
Parece simples, mas não é. São poucas notas, mas cada músico executa um arranjo diferente, se complementam e são enriquecidos pelos complexos e criativos arranjos tocados pelo excelente baterista Chris Broome, substituindo Sam Fogarino, que se recupera de uma cirurgia.
Essa música foi trilha sonora do seriado “The O.C.” e isso talvez ajude a explicar a excelente recepção de um tétrico lado b de “Turn On the Bright Lights”, com quase sete minutos de duração. O elemento pop de fácil assimilação que o Interpol tem escondido sob diversas camadas de climas tristes, ruídos e vozes ininteligíveis é, de alguma forma, decifrável. Isso ajuda a entender a popularidade e a constância na carreira de uma banda que fez e faz zero esforço para ser a onda do momento e, ainda assim, consegue façanhas como tocar com o U2.
A primeira parte do show não obedece a ordem do disco. Parece ter sido pensada para alternar o clima do show. “Say Hello to the Angels” e “Obstacle 1”, mais rápidas, dão sequência, e “NYC” acalma (para não dizer derruba com uma bigorna) os ânimos do povo que começava a ter gosto pelo pula-pula. A cantoria, contudo, continuou alta e forte. Vem da letra dessa música o título do disco e, quando chega o verso “it’s up to me now, turn on the bright lights” (“depende de mim agora, acenda as luzes brilhantes”), as luzes têm potência aumentada de forma a quase cegar a plateia — não era possível manter a vista na direção do palco nesse momento.
A iluminação é um caso à parte no show do Interpol e o público paulista foi beneficiado por ela ocorrer em um ambiente adequado. Globos de pista de discoteca são utilizados no chão com os raios indo na direção do teto, dando a impressão de que havia sol nascendo em meio às sombras em que os músicos haviam se transformado pela forte iluminação vinda do fundo e do alto do palco.
Em um lugar maior, seria difícil manter a eficácia dessa estrutura. Os telões seriam necessários, eles distrairiam e impediriam o público de disfrutar desse espetáculo que casa tão bem com a música da banda. Ao contrário do que ocorreu no show do Bruce Dickinson no Vibra, não fizeram a mínima falta aqui.
Segunda etapa
Ocorre uma pausa com a saída da banda do palco para que comece a vez de “Antics”, o segundo disco homenageado da noite. Quando o show recomeça, o teclado de Brandon Curtis pela primeira vez ganha destaque, na introdução de “Next Exit”, e fica claro outro fator que ajuda a entender a escolha dos dois discos serem tocados no mesmo show. Eles se complementam.
“Turn On the Bright Lights” é denso. Capa majoritariamente preta, canções de estrutura confusa. “Stella Was a Diver and She Was Always Down” é um hit e houve uma festa, pois era uma das mais esperadas, mas o final dela é esquisito. Sempre fica a impressão de que a banda perdeu o ponto e esqueceu de terminar a música.
Já em “Antics”, capa majoritariamente branca, as canções têm identidade mais definida. Os refrãos estão mais grudentos e destacados, sem perda do elemento melancólico. Tal equilíbrio atingiu a perfeição em “Evil”, segunda faixa e cantada em uníssono. Assim, não foi preciso mudar a ordem do disco durante o setlist, pois o ritmo dele naturalmente funciona ao vivo. “Slow Hands”, a pérola subestimada “Public Pervert” e “C’Mere” permitiram que o público permanecesse mesmerizado.
“A Time to Be Small” é a última antes do bis por ser a última do segundo álbum, mas acaba sendo a deixa perfeita para que o show seja encerrado com “Untitled”, a lenta e quase instrumental faixa de abertura do primeiro álbum. Assim, o ciclo está completo. Ou quase, já que “The New” e “Obstacle 2”, ambas de “Turn On the Bright Lights”, não foram tocadas.
Ainda falando no que ficou de fora, pode-se pensar na épica “Lights”. Ou na agridoce “All the Rage Back Home”, festiva até o triste “hey hey hey”. São alguns dos hits de discos posteriores. Mas é muito difícil falar de algo que faltou em uma noite com tantos acertos.
Houve uma enxurrada de celulares registrando o show durante o tempo todo, o que era compreensível. Todo mundo quis levar para um pedaço de um evento memorável. A banda certa, o dia favorável, a casa adequada, a luz ideal, o som bom… tudo ajudou a que a gente fosse para a casa em clima de Carlos Drummond de Andrade no “Poema de Sete Faces”: “eu não devia te dizer / mas essa luz / mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo”.
*Mais fotos ao fim da página.
Interpol – ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Audio
- Data: 7 de junho de 2024
- Turnê: Celebrating Turn on The Bright Lights and Antics
- Produção: Move Concerts
Repertório:
Ato 1 – Turn On the Bright Lights
- Specialist
- Say Hello to the Angels
- Obstacle 1
- NYC
- Roland
- Hands Away
- Stella Was a Diver and She Was Always Down
- Leif Erikson
- PDA
Ato 2: Antics
- Next Exit
- Evil
- Narc
- Take You on a Cruise
- Slow Hands
- Not Even Jail
- Public Pervert
- C’Mere
- Length of Love
- A Time to Be So Small
Bis:
- Untitled
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