Exclusivo: Sharon den Adel fala sobre Within Temptation “politico”, peso e Brasil

Atração do festival Summer Breeze em São Paulo, banda neerlandesa adotou abordagem mais forte e direta em álbum mais recente, “Bleed Out”

Poucos artistas parecem mais empolgados do que Sharon den Adel ao falar sobre sua própria obra. A vocalista sabe que tanto ela, individualmente como artista, quanto sua banda, o Within Temptation, vivem um grande momento. E isso ocorre, sobretudo, por se dar ao direito de mudar — mesmo em um segmento que nem sempre é receptivo a transformações.

Há três mudanças, em especial, que precisam ser destacadas ao falar sobre o WT atual, que não apenas promove seu álbum mais recente, “Bleed Out”, lançado em outubro último, mas também disponibiliza material ainda mais atual — o single A Fool’s Parade, liberado na última sexta-feira (5) e com videoclipe gravado na Ucrânia. São elas:

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  • A mudança de abordagem lírica, que cada vez mais deixa temas fantasiosos para trás em busca de discutir assuntos sociopolíticos, como guerras, direito ao aborto;
  • A evolução da abordagem melódica/instrumental, mais pesada em relação ao antecessor “Resist” e afastada do symphonic metal que consagrou a banda na virada do século;
  • A transformação até mesmo na forma de se disponibilizar seu trabalho, fugindo do ciclo tradicional de álbuns desde que optou por tornar-se independente.

Tudo isso é discutido nesta entrevista de Sharon ao site IgorMiranda.com.br. A cantora também fala sobre a próxima passagem do grupo neerlandês pelo Brasil, para show no festival Summer Breeze Brasil, em São Paulo.

Mudança nas letras: Within Temptation político?

Como já destacado, o ciclo de “Bleed Out” começou bem antes do álbum em si sair. Em 2020, duas canções — “Entertain You” e “The Purge” — foram divulgadas como singles. Outras duas, “Shed My Skin” e “Don’t Pray for Me”, chegaram respectivamente em 2021 e 2022.

Questões sociais e políticas começaram a ser debatidas já nessas canções. “Don’t Pray for Me”, em especial, discute como as pessoas não deveriam ser forçadas a aderir crenças. O tema é refletido, acima de tudo, sob a perspectiva do direito ao aborto — e como religiões podem dificultar um debate de saúde pública.

Outras canções percorrem assuntos relacionados. Alguns exemplos: “We Go to War” e “Wireless” se inspiram na invasão russa à Ucrânia, a faixa-título aborda a situação das mulheres que lutam por seus direitos no Irã após o assassinato de Mahsa Amini simplesmente por não utilizar o conjunto de vestimentas hijab e “Ritual” reflete diretamente a respeito do machismo. Até mesmo “Entertain You”, que não necessariamente discorre sobre minorias, fala sobre aqueles que não se encaixam em padrões impostos pela sociedade.

Sharon den Adel não foge da raia e confirma, sim, que temáticas de interesse social são discutidas no repertório. Contudo, não se tratam de composições meramente panfletárias. Na visão da cantora, as faixas estão conectadas por um tema em comum que não indica “lado” político: um “grito por liberdade”, em suas palavras.

“São músicas urgentes e creio que seja por causa do tema. As pessoas sentem que as letras estão mais diretas. Neste caso, quando é dito ‘we go to war’ (‘vamos para a guerra’), realmente significa isso. Não há nenhuma metáfora aí. Essa urgência ocorre porque as pessoas sentem o mesmo tipo de tensão. O mundo está observando o que está acontecendo e como as pessoas estão lidando com isso. Se você realmente lê jornais e se informa por fontes diferentes, não apenas de um lado, você pode ver claramente que está muito claro onde as coisas dão errado — e com quem elas dão errado.”

Cautelosa, a artista reforçou que há “dois lados da história” em muitas situações, seja em situações mais pontuais — como os conflitos armados na Ucrânia e Palestina — ou discussões que se arrastam sob o campo conceitual, a exemplo das mudanças climáticas. “Há pessoas querendo mudar e há pessoas querendo manter do jeito que está, sem ir tão rápido, porque se perderia muito dinheiro, mas só temos um planeta Terra”, reflete. Em comum, apenas uma coisa: a necessidade por mudança.

Por abordar tantos assuntos diferentes, as letras de “Bleed Out” foram compostas gradualmente, pouco a pouco. “Cada vez que alguma coisa aparecia na letra, era por causa de algo que havia acontecido naquela manhã, ou recentemente, antes de começarmos a escrever”, comenta Sharon, que exemplificou com a criação de “Don’t Pray for Me”. Para não distorcer nenhum detalhe, o longo comentário sobre a faixa será mantido na íntegra.

“Em 2021, fui convidada pela revista inglesa Kerrang! para escrever um artigo para o Dia Internacional da Mulher. Escolhi o assunto ‘aborto’. Eu sei minha posição, mas como estava o resto da Europa? Venho da Europa, dos Países Baixos. Quais são os direitos das mulheres nesse continente? Pesquisei lendo jornais, artigos e leis e descobri que tantos países estão tão divididos nesse sentido. Como União Europeia, deveríamos estar mais unidos.

Por exemplo: felizmente, agora a Polônia tem outro governo e pode mudar para melhor, mas nos últimos 8 anos estiveram sob governo do PiS (Prawo i Sprawiedliwość, partido nacional-conservador e populista amplamente descrito como sendo de extrema direita) e eles mudaram muitas leis, como restrições ao direito ao aborto. Ao mesmo tempo, proibiam educação sexual nas escolas. E o que acontece se não houver educação sexual nas escolas? Resultará, claro, em mais abortos. Mas se você não pode fazer aborto… no fim das contas, não está resolvendo o problema, está apenas piorando. Deveria começar dando mais educação — e também ter uma outra solução. Não havia permissão para abortar mesmo quando uma mulher era estuprada.

Ninguém faz aborto levianamente. Se alguém escolhe por isso, pode haver uma boa razão. Deveria caber ao indivíduo escolher por si. Talvez aquela pessoa não tenha dinheiro para sustentar o filho. Todas nós podemos cometer um erro e engravidar. Acredito na liberdade do indivíduo. E não é apenas sobre o aborto: é sobre tudo, até mesmo a sua crença. Você deve ter a liberdade de crer no que você quiser, mesmo se for diferente de seus pais ou da comunidade em que você cresceu. Talvez você seja diferente da sua comunidade, ou porque você tem experiências diferentes, ou quer fazer as coisas de uma forma mais leve, ou mais intensa… não importa. Acho que o indivíduo deve decidir o que quer fazer da vida, desde que não incomode os outros.

Acredito, de verdade, que a liberdade leva à felicidade. Leva a uma sociedade melhor, a mais respeito mútuo. Tudo isso foi a base de ‘Don’t Pray for Me’. Não sou contra a religião. É uma mensagem mais relacionada à liberdade de escolha. Não diga a outras pessoas como viver suas vidas, o que elas devem fazer com seus corpos e tudo o mais. Deixe as pessoas serem quem são, e elas serão mais felizes.”

Mudança no som: mais peso

Com letras mais sérias, naturalmente, o som ficou mais pesado. “Bleed Out” pode ser visto como um passo adiante em relação ao álbum anterior, “Resist” (2019), que também abdicou de fórmulas ligadas ao chamado “metal melódico” — como se convencionou chamar no Brasil —, especialmente a ramificação sinfônica, da qual o Within Temptation era adepto nos anos 1990 e 2000. Sharon den Adel, que completa a banda junto de Robert Westerholt (guitarra e vocais; somente em estúdio desde 2011), Jeroen van Veen (baixo), Martijn Spierenburg (teclados), Ruud Jolie (guitarra), Mike Coolen (bateria) e Stefan Helleblad (guitarra), reflete:

“Acho que o som ficou mais pesado também por causa das letras e do que estava acontecendo no mundo. Quando se está com esses assuntos pesados na cabeça enquanto compõe, a parte musical fica mais sombria também. E já estávamos experimentando com guitarras de oito cordas. Dava para fazer experimentos com meus vocais e também com as linhas de guitarra, um jeito diferente de tocar.”

O elo com “Resist”, inclusive, é reconhecido pela cantora. Porém, ela destaca que o novo disco acerta ao apresentar o som realmente desejado pela banda — dando a entender que isso, talvez, não tenha sido conquistado com o trabalho de 2019.

“Acho que com o álbum anterior, estávamos tentando focar um pouco em influências ‘urbanas’, que gostamos bastante. E também experimentamos com guitarras e certas coisas. Mas acho que encontramos o som que queríamos neste álbum — e provavelmente continuaremos isso no próximo disco, ainda que em uma direção diferente.”

Surpreende, positivamente, a forma como o WT conseguiu manter sua sonoridade ao realizar gravações tão “espalhadas” em termos de tempo. O novo álbum foi gravado em um período de três anos, entre 2020 e 2023. Para um grupo que sempre caprichou na produção de seus discos, isso não se provou um desafio tão grande, conforme apontado por den Adel:

“Trabalhamos com a mesma equipe de produção (comandada por Daniel Gibson e Mathijs Tieken) durante todo o projeto. Então, é como se nada tivesse mudado no meio, apenas o tempo entre as músicas era diferente. Era a mesma mixagem, masterização, produtor… as mesmas pessoas ajudando no estúdio com ideias e tentativas de dar frescor a cada som. Isso ajuda, mas também acho que tínhamos a mesma mentalidade, porque (a pandemia) foi uma época louca em muitos aspectos, de uma forma diferente em comparação ao momento atual (de guerras e conflitos). Não pensei que as coisas ficariam tão pesadas no momento atual, mas aconteceu. A mesma coisa com a pandemia: não sabíamos que ia demorar tanto e muitas pessoas morreriam também por causa disso. Acho que têm sido alguns anos difíceis para todos no mundo inteiro.”

Mudança na estratégia: ciclo com mais singles

Até nos bastidores, como já pontuado, o Within Temptation mudou. “Resist” foi o último álbum a sair sob contrato de uma grande gravadora — mais especificamente, a Vertigo/Spinefarm, subsidiárias da Universal. Para “Bleed Out”, o grupo fez questão de trabalhar de forma independente, pois queria adotar um formato que seu selo não estava tão interessado em apoiar.

Cientes de que a indústria fonográfica passa por transformações — e de que suas composições abordavam questões imediatas demais para se “guardar” até ter um álbum completo —, os músicos optaram por disponibilizar suas canções gradualmente, como singles. Ao todo, sete faixas saíram antes de “Bleed Out”; cinco delas antes mesmo de o disco ter sido anunciado, em agosto do ano passado.

Ao menos em números nas plataformas digitais, os números foram bastante satisfatórios. Três músicas bateram a marca de 10 milhões de reproduções cada no Spotify. Seis ultrapassaram 3 milhões de plays no YouTube.

Houve planejamento, mas também um pouco de acaso. O volume de singles pré-álbum pode ter sido um pouco maior porque a pandemia afetou os planos de turnê do WT. Para se ter ideia, a primeira canção, “Entertain You”, serviria para celebrar uma excursão ao lado do Evanescence, adiada quatro vezes até acontecer de fato no fim de 2022.

Chama atenção, ainda, que “Bleed Out” reúna justamente várias músicas que já eram conhecidas do público. Sharon den Adel até considerou incluir apenas canções totalmente inéditas no álbum, mas citou novamente a temática lírica — e a identidade instrumental — como justificativa para transformar tudo aquilo em um disco.

“Todas essas músicas estão de alguma forma também conectadas liricamente e musicalmente de uma certa forma, por isso a reunimos no álbum. Todos sentimos que elas são como um grito por liberdade, é isso que as conecta. E eu acho que as músicas combinam bem juntas, principalmente nos setlists de shows. No fim das contas, fiquei bastante satisfeita com o resultado.”

Só não deu para agradar todo mundo. Quando Sharon disse, em entrevistas anteriores, que o então próximo álbum não teria qualquer um dos singles já disponibilizados, alguns fãs reclamaram. A banda voltou atrás — e teve gente “chiando” também. Diante disso… fazer o quê?

“As pessoas acharam estranho lançar o álbum com nenhum dos singles, pois elas colecionam tudo em álbuns, em CDs, então do nada decidiríamos não lançar aquelas músicas fisicamente? Então, isso mudou nossa mente. Vimos que poderíamos fazer isso sozinhos, pois era nosso primeiro lançamento independente. Podemos mudar o que dissemos antes. O engraçado é que agora você tem a reação de alguns fãs, tipo: ‘é, mas o disco tem tantas músicas que já são conhecidas’ [risos]. Sim, é isso que você recebe se também quer ter essas músicas ali presentes. Poderíamos ter composto um pouco mais antes de lançar o álbum, mas por outro lado, também parecia que isso era tudo que tínhamos para dizer — sobre liberdade, sobre este tema no momento. Para nós, também foi o fim de uma era.”

A artista também foi convidada a compartilhar alguns conselhos para músicos que desejam trabalhar em suas carreiras de forma independente. As dicas se distribuem nos seguintes tópicos:

  1. Experiência exigida: “Acredito que não se deve trabalhar dessa forma se sua banda acabou de começar. Por outro lado, você simplesmente se acostuma com a forma como tudo isso funciona, todo esse ciclo de coisas que você precisa fazer para lançar um álbum. Tente olhar por cima dos ombros das gravadoras, observar o que elas fazem. Aprenda e processe isso. Lembre-se que quando você quiser se tornar independente, você precisará ter um pouco de experiência antes de fazer isso sozinho. Você não precisa ‘descobrir a roda’ sozinho e por conta própria.”
  2. Mais trabalho, mais controle: “Ser independente dá muito mais trabalho, mas isso é legal, porque você pode decidir tudo o que você acha importante. Pode decidir como quer lançar, quantos singles, quantos videoclipes… e quanto deve custar. Você precisa de um orçamento para isso. Economize para que possa se financiar, pois você terá que fazer tudo sozinho.”
  3. Trabalhe em equipe: “Tenha uma boa equipe ao seu redor, para que você possa delegar certas funções. Como músico, você só quer fazer música na maior parte do tempo. Ou pelo menos é o meu caso. Portanto, temos pessoas que cuidam de certas coisas. Temos uma profissional de marketing, uma pessoa que cuida do empresariamento… claro, nós conversamos com eles, nós decidimos, mas eles trabalham por nós. Isso é ter controle; não fazer tudo sozinho. Você não precisa fazer literalmente tudo sozinho, porque isso tira a sua criatividade — e vai te dar dor de cabeça com todas as coisas que você tem que pensar. Mantenha-se fiel à sua música e encontre as pessoas certas para apoiá-lo nisso.”

O que não muda: a relação com o Brasil

Com tantas mudanças em seu histórico recente, o Within Temptation, ao menos, pode ficar aliviado que algo não se altera: a conexão com o público brasileiro. Mesmo com poucas turnês nacionais — três, nos anos de 2008, 2012 e 2014 —, a banda viu seu público crescer a ponto de seu próximo retorno ocorrer em posição de destaque. O grupo se apresenta como uma espécie de coheadliner, ao lado do Epica, no segundo dos três dias do festival Summer Breeze Brasil, marcado para acontecer em 26, 27 e 28 de abril no Memorial da América Latina, em São Paulo.

E o que esperar desse show? Nem Sharon den Adel sabe. A apresentação complete mais recente da banda neerlandesa aconteceu em agosto do ano passado. “Bleed Out” havia sido recém-anunciado, então, tais compromissos não fazem parte de uma turnê de divulgação do álbum. A agenda será retomada somente neste mês, com a passagem pela América Latina que engloba Equador, Chile e México, além do Brasil.

No entanto, a cantora conseguiu adiantar:

“Será um show diferente do que fazemos normalmente, porque temos que levar tudo de avião, a maioria das coisas. Então, vamos fazer um show especial só para a América do Sul. Serão quatro shows. E será o nosso primeiro festival, em toda a nossa história, na América do Sul. Estou ansiosa por isso!”

Além disso, Sharon prometeu um repertório que englobe canções de várias fases da carreira. Nos compromissos mais recentes, o WT vinha distribuindo metade de seu setlist para faixas de “Resist” e os singles que entrariam em “Bleed Out”, enquanto a outra parte era ocupada por composições de discos anteriores.

“A ideia é fazer uma mistura de músicas novas e antigas. Vamos trazer muitas coisas de palco, inclusive muito fogo. Então, se você trouxer seu amor e paixão, estaremos lá e daremos o resto. Faremos algo incrível.”

À época da conversa, o grupo ainda não havia anunciado “A Fool’s Parade”. Portanto, den Adel ainda não tinha certeza de quais seriam os próximos planos. Dentro do possível, também antecipou:

“Temos mesmo que trabalhar em uma nova configuração de palco, também para os shows pela Europa, que serão em casas fechadas, é claro. E são locais de vários tamanhos. Vamos fazer arenas, mas também lugares um pouco menores. Precisaremos de nosso tempo para nos concentrar nisso. Então, não vamos fazer nenhum festival, com exceção do Brasil e a turnê na Europa após o verão (inverno no hemisfério sul). Depois, veremos o que faremos. Mas esse é o foco principal no momento e dá muito trabalho.”

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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