Como a estreia dos Rolling Stones ajudou a moldar o rock inglês

Uma série de covers e duas composições originais estabeleceram o início de uma das maiores bandas de rock’n’roll de todos os tempos

Houve uma época em que o rock’n’roll era visto como não apenas vulgar, mas uma moda passada. Elvis Presley se alistou no exército, Jerry Lee Lewis caiu em desgraça após casar com sua prima de 13 anos e Buddy Holly morreu.

Enquanto isso, na Inglaterra, a juventude londrina parecia mais interessada nas origens do gênero. R&B era a febre: músicos negros praticamente esquecidos nos Estados Unidos encontravam um público fervoroso de garotos e garotas que cresceram no difícil ambiente pós-guerra.

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Grupos se formaram para celebrar a obra desses artistas americanos, mas um deles logo foi adquirindo uma reputação para si. Eles no futuro ficariam conhecidos como uma das maiores bandas de rock’n’roll de todos os tempos, mas precisaram começar do zero como todo mundo.

Senhoras e senhores, os Rolling Stones.

Formando os Rolling Stones

Mick Jagger e Keith Richards eram amigos de infância, tendo estudado juntos durante quase cinco anos numa escola em Dartford, no condado de Kent. Em 1954, a família do primeiro se mudou para o outro lado da cidade e os dois perderam contato por estudarem separados.

Enquanto Mick estudava em um colégio mais prestigiado e formava uma banda de rock’n’roll com seu amigo Dick Taylor, Keith foi expulso da escola técnica na qual estudava por matar aula. Para não trabalhar na mesma fábrica de lâmpadas onde seu pai era funcionário, Richards se matriculou na Sidcup Art College.

Escolas de arte destinadas a um público mais aberto eram um advento pós-guerra. Elas surgiram a partir das políticas do governo liderado por Clement Attlee. Vários nomes consagrados do rock inglês dos anos 60 surgiram delas, incluindo John Lennon e Jimmy Page. Ali, Richards começou a se dedicar exclusivamente à música, levando consigo seu violão para as aulas.

Os dois finalmente se reencontraram na estação de trem em Dartford em 17 de outubro de 1961. Na sua autobiografia “Vida”, Keith Richards imprimiu uma carta que escreveu à sua tia Pat contando do ocorrido:

“Mas, minha querida, eu fiquei ocupado demaaaaaais desde o Natal, além das coisas na escola. Você sabe quanto eu gosto de Chuck Berry e pensei que fosse o único fã dele num raio de muitos quilômetros, mas um dia de manhã, na est. de Dartford (preguiça de escrever uma palavra tão comprida quanto estação), eu estava segurando uns discos do Chuck quando um carinha que eu já conhecia do primário (dos 7 aos 11) veio falar comigo. Ele tinha todos os discos que o Chuck Berry havia gravado até então, e a turma dele também tinha os discos, são todos fãs de rhythm and blues, quer dizer do r&b de verdade (não essas porcarias de Dinah Shore ou Brook Benton), Jimmy Reed, Muddy Waters, Chuck, Howlin’ Wolf, John Lee Hooker, todos os blueseiros de Chicago com aquele som maravilhoso, contido, real. Bo Diddley, outro músico genial.

Enfim, esse cara na estação se chama Mick Jagger e as garotas e os caras se reúnem todos os sábados de manhã no ‘Carousel’, um boteco com uma jukebox. Bom, um dia de janeiro, de manhã, eu estava passando perto dali e resolvi procurar por ele. De repente tá todo mundo em cima de mim, me convidando pra mais ou menos umas dez festas. Além disso, Mick é o maior cantor de R&B deste lado do Atlântico, e não estou dizendo ‘talvez’. Eu toco violão (elétrico) no estilo do Chuck e a gente arrumou um baixista e um violão de acompanhamento e ensaiamos duas ou três noites por semana. O maior balanço.”

A paixão compartilhada por blues, R&B e rock’n’roll uniu os dois, além da compulsão por comprar discos. Não demorou para que ambos se juntassem a Dick Taylor e Bob Beckwith para formar o conjunto Little Boy Blue and the Blues Boys. Não havia baixo ou bateria, apenas um vocalista e três guitarras ligadas no mesmo amplificador.

Em abril de 1962, eles foram até o Ealing Jazz Club conhecer a lendária banda de Alexis Korner, a Blues Incorporated. O trio havia mandado uma fita de seu material para o músico, que ficou impressionado o suficiente para convidá-los a tocar com o grupo regularmente. Nessas andanças, eles conheceram três figuras importantes em seu futuro: Ian Stewart, Charlie Watts e Brian Jones.

Jones era talvez o melhor guitarrista de slide do Reino Unido naquela época. Aluno exemplar transformado em terror da vizinhança durante a adolescência – teve três filhos com três mulheres diferentes –, ele dizia se chamar Elmo Lewis, uma afetação inspirada por Elmore James. Após sua banda lhe deixar na mão, Brian resolveu montar um conjunto novo. Jagger, Richards e Stewart responderam.

Ficou claro desde o início haver química e um desejo comum de fazer algo além do blues purista da cena do Ealing Jazz Club. Durante uma ligação ao Jazz News para colocar um anúncio de show, a pessoa do outro lado da linha pediu o nome do grupo. Procurando nervoso pelo apartamento que a esse ponto dividia com Jagger e Richards, Jones viu um disco de Muddy Waters no chão. A primeira faixa era “Rollin’ Stone”.

Criando burburinho

Em seu primeiro show, dia 12 de julho de 1962 no Marquee Club, os Rolling Stones eram Mick Jagger nos vocais, Keith Richards e Brian Jones nas guitarras, Ian Stewart no piano, Dick Taylor no baixo e Mick Avory na bateria. O primeiro ano da banda foi marcado por uma mudança constante nesses dois últimos instrumentos, até encontrarem os dois membros permanentes.

Bill Wyman surgiu primeiro, em dezembro de 1962. Com ele veio um amplificador Vox que melhorou muito a qualidade do som deles. Charlie Watts foi outra história, mais complicada. Integrante da Blues Incorporated e considerado por muitos o melhor baterista de Londres, o baterista não tocava para qualquer um – e, principalmente, não tocava de graça. Os Stones precisaram pagar seu cachê, mesmo não ganhando dinheiro algum na época.

Isso começou a mudar aos poucos. A partir de sua primeira turnê pelo Reino Unido, em 1963, ficou claro o que diferenciava os Stones do resto das bandas inglesas. Os Beatles eram rock’n’roll, mas eles não iam além disso. Enquanto isso, a galera do blues de Londres tinha ojeriza ao som criado por Chuck Berry. Aqui estava um grupo combinando os dois lados, com instrumentistas bons o suficiente para ninguém colocar defeito.

A banda se apresentava nos mesmos lugares que artistas da cena blues, mas ficava claro desde o começo a presença de palco de Mick Jagger. Inspirado por James Brown e limitado pelo tamanho dos palcos onde tocavam, o vocalista desenvolveu seus trejeitos característicos enquanto o grupo se tornava cada vez mais afiado. O público começou a notar, lotando apresentações.

Nessa época, os Stones começaram a ter a ajuda de Giorgio Gomelsky. Imigrante russo que virou repórter de jazz e depois promoter de shows, ele marcava shows para a banda e lhes conseguia aparições na imprensa. Entretanto, Brian Jones – na posição de líder – nunca o contratou de fato para ser o empresário.

O escolhido acabou sendo Andrew Loog Oldham, um protegido de Brian Epstein que tinha ficado sabendo da banda através dos Beatles. Inicialmente, ele tentou seguir a cartilha de seu mentor e colocar os Stones em ternos. A estratégia não deu muito certo, pois não combinava com o som ou as personalidades.

Nessa época, a maior parte da banda estava vivendo na pindaíba e higiene pessoal não era uma preocupação. Eles eram selvagens – e Oldham resolveu investir nisso. Enquanto os Beatles faziam o papel dos garotos exemplares, os Stones ficavam na posição de vilões, o pesadelo de qualquer pai e mãe inglesa. O empresário também fez o grupo se livrar de Stewart por não se adequar à imagem de um popstar – ele era considerado queixudo e barrigudo.

Não demorou muito para que Oldham conseguisse um contrato de gravação com a Decca. Dick Rowe, diretor do departamento de A&R da gravadora, estava desesperado. Em 1962, ele havia recusado um quarteto de Liverpool após ouvir uma demo horrenda. Agora os Beatles eram a banda mais quente e isso lhe rendeu a infâmia. Sua redenção veio na forma dos Rolling Stones.

O primeiro single do grupo – um cover de “Come On”, gravada originalmente por Chuck Berry – saiu em 7 de junho de 1963. A Decca não fez propaganda do compacto. Para combater isso, Oldham instruiu o fã-clube do grupo a comprar cópias em determinadas lojas que eram monitoradas para as paradas.

A estratégia funcionou e rendeu aos Stones a 21ª posição na parada inglesa. Foi suficiente para colocá-los em turnês nacionais abrindo para artistas americanos como Bo Diddley, Little Richard e Everly Brothers. Porém, eles precisavam de outro single.

Topo do mundo

Entraram em cena John Lennon e Paul McCartney, que presentearam Andrew Loog Oldham com “I Wanna Be Your Man”. Gravada pelos Stones e lançada dia 1º de novembro de 1963, a canção chegou à 13ª posição na Inglaterra. 

O primeiro EP da banda, homônimo, saiu em janeiro de 1964 e atingiu o topo das paradas do Reino Unido. O terceiro compacto, uma cover de “Not Fade Away”, composta por Buddy Holly, chegou ao número 3 em fevereiro.

Em “Vida”, Keith Richards escreveu sobre a época:

“Em questão de poucas semanas, fomos do nada absoluto para um sucesso triunfal em Londres. Os Beatles não conseguiam mais ocupar todas as posições nas paradas de sucesso. Durante o nosso primeiro ano, por aí, nós é que ocupávamos todas as posições. Pode ser culpa do tema de Bob Dylan, ‘The times they are a-changin’’. A gente percebia, dava para sentir o cheiro de novidade no ar. E as coisas estavam indo depressa pra cacete.”

Entretanto, em “The Rolling Stones – A Biografia Definitiva”, escrita por Christopher Sandford, o guitarrista contou também o outro lado desse sucesso ao descrever a turnê inglesa deles nessa época:

“Era como se estivessem travando a Batalha da Crimeia. As pessoas arfando, tetas balançando à mostra… Você arriscava a vida só andando no meio daquilo. Fui estrangulado duas vezes… Subíamos em telhados, descíamos escadas de incêndio, por passagens de lavanderia, entrando em vans de padaria. Era uma loucura. Acabamos nos tornando como os Monkees sem nem termos percebido.”

Nessa época, o repertório dos Stones consistia em sua maior parte de covers. Jagger e Richards já haviam começado a compor juntos após Oldham os identificar como o motor criativo do grupo, mas nenhuma canção produzida até então era boa o suficiente. “Stoned” e “Little by Little” foram relegadas a B-sides, enquanto outras baladas eram enviadas a cantores mais apropriados.

Apenas uma canção creditada a Jagger e Richards entrou para o álbum homônimo de estreia dos Rolling Stones, “Tell Me (You’re Coming Back)”. Eles também compuseram “Now I’ve Got a Witness (Like Uncle Phil and Uncle Gene)”, mas assinaram a música como Nanker Phelge, um pseudônimo tirado de um colega de apartamento com o hábito humorístico de andar pelado com a cueca na cabeça.

“The Rolling Stones”, o álbum, saiu no dia 17 de abril de 1964 no Reino Unido, permanecendo na primeira posição das paradas durante 12 semanas. Nos Estados Unidos, chegou à 11ª posição da Billboard 200. Contudo, uma turnê americana subsequente ficou marcada mais pelo tratamento desagradável que eles receberam.

Ainda assim, durante essa passagem, eles ouviram a canção “It’s All Over Now”, escrita por Bobby e Shirley Womack. A banda gravou uma versão própria, que se tornou seu primeiro single a chegar ao topo das paradas inglesas, em junho de 1964.

Em outubro, eles retornaram aos EUA para tocar no programa de TV “Ed Sullivan Show”, armados com outro número 1 no Reino Unido, “Little Red Rooster”. Os Stones causaram tamanho tumulto nas gravações a ponto da produção afirmar que eles nunca mais seriam convidados.

Entretanto, foram forçados a chamá-los mais vezes, em 1966 e 67. Pelo simples motivo de que eles se tornaram uma das maiores bandas do planeta a partir daquele momento. 

The Rolling Stones — “The Rolling Stones”

  • Lançado em 17 de abril de 1964 pela Decca
  • Produzido por Eric Easton e Andrew Loog Oldham

Faixas:

  1. Route 66 (original de The King Cole Trio)
  2. I Just Want to Make Love to You (original de Willie Dixon)
  3. Honest I Do (original de Jimmy Reed)
  4. Mona (I Need You Baby) (original de Bo Diddley)
  5. Now I’ve Got a Witness (Like Uncle Phil and Uncle Gene)
  6. Little by Little
  7. I’m a King Bee (original de Slim Harpo)
  8. Carol (Chuck Berry)
  9. Tell Me (You’re Coming Back)
  10. Can I Get a Witness (original de Marvin Gaye)
  11. You Can Make It If You Try (original de Gene Allison)
  12. Walking the Dog (original de Rufus Thomas)

Músicos:

  • Mick Jagger – vocais, palmas, pandeiro; gaita (“Honest I Do”, “Little by Little” e “I’m a King Bee”), maracas (“Not Fade Away”, “Mona”)
  • Keith Richards – backing vocals, guitarras solo e rítmica (6 e 12 cordas)
  • Brian Jones – backing vocals, guitarra base; guitarra solo (“I’m a King Bee”); slide guitar (“Walking the Dog”); gaita (“Not Fade Away”, “I Just Want to Make Love to You” e “Now I’ve Got a Witness”); pandeiro (“Tell Me” e “Can I Get a Witness”); assobios (“Walking the Dog”)
  • Bill Wyman – backing vocals, baixo, palmas
  • Charlie Watts – bateria, palmas

Músicos adicionais:

  • Allan Clarke: vocais de apoio em (“Little by Little”)
  • Graham Nash: vocais de apoio em (“Little by Little”)
  • Gene Pitney – piano (“Little by Little”)
  • Phil Spector – percussão, maracas (“Little by Little”)
  • Ian Stewart – órgão (“Now I’ve Got a Witness” e “You Can Make It If You Try”); piano (“Tell Me” e “Can I Get a Witness”)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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