Na noite de quinta-feira (25), o Pepsi On Stage serviu de palco para um evento há muito aguardado pelo público de metal de Porto Alegre: o primeiro show solo de Bruce Dickinson na cidade. Após três passagens — todas memoráveis — com o Iron Maiden e uma performance notável no tributo a Jon Lord no ano passado, era chegada a hora de conferir o vocalista com seu aclamado trabalho à parte.
Com um setlist se concentrou em três de seus álbuns mais aclamados por público e crítica — “Accident of Birth” (1997), “The Chemical Wedding” (1998) e “Tyranny of Souls” (2005) —, além de seu recente lançamento “The Mandrake Project”, Dickinson provou mais uma vez por que é considerado um dos maiores vocalistas da história do heavy metal. Mesmo aos 65 anos, o cantor inglês segue em alto nível.
Abertura morna com Clash Bulldog’s
Como no restante da turnê — com sete datas, sendo Porto Alegre a segunda cidade visitada —, a abertura ficou a cargo do Clash Bulldog’s, banda de Nova Friburgo (RJ) que durante 40 minutos apresentou uma mistura de hard rock, stoner rock e heavy metal. Formado em 2020, o grupo tem obtido destaque e embarcado em eventos como a turnê de Jeff Scott Soto e o festival Summer Breeze Brasil.
Apesar da posição privilegiada — que vem com o desafio de esquentar o público para um dos maiores nomes de seu estilo —, os bons riffs que embasam as canções da banda não foram suficientes para conquistar o ainda pequeno público presente. Decisões não tão interessantes também foram tomadas, como a inserção de dois covers em sequência (“Them Bones”, do Alice in Chains, e “Sad But True”, do Metallica), sendo o segundo executado de forma incompleta devido a problemas de som com a guitarra. Questões técnicas também afetaram o baixo e comprometeram a apresentação da banda fluminense.
No fim das contas, a performance arrancou reações não mais do que mornas. Restou a sensação de que, problemas à parte, o Clash Bulldog’s não aproveitou tão bem a oportunidade de construir uma fanbase em Porto Alegre.
Tecnicamente impecável
O relógio marcava 21h06 quando a Clash Bulldog’s subiu ao palco. Apenas seis minutos fora do previsto; ainda assim, horário nada comum em Porto Alegre para uma banda de abertura. Já a atração principal entrou em cena apenas às 22h22 (estava marcado para 22h), quando as luzes se apagaram.
Em áudio, apenas, a introdução da série de TV americana “The Invaders” antecedeu — ainda no som mecânico — “Toltec 7 Arrival”, tema instrumental oriundo de “Accident of Birth”. A expectativa era grande e finalmente foi quebrada com a faixa-título do quarto álbum solo de Bruce Dickinson. Uma escolha consciente e feliz para o papel de dar o pontapé inicial.
Em seguida, foram oferecidas “Abduction”, de “Tyranny of Souls”, e com “Starchildren”, primeira surpresa da noite, já que a canção ainda não havia sido executada na turnê latino-americana. Três músicas já muito conhecidas do público foram o suficiente para entregar o que todos esperavam: uma banda entrosada, de excelência, acompanhando um Dickinson em plena forma do alto dos seus 65 anos.
Tecnicamente impecável, Bruce mostra como se faz e justifica seu nome entre os maiores frontmen do heavy metal. Já o grupo de apoio composto por Dave Moneno (bateria), Mistheria (teclados), Tanya O’Callaghan (baixo), Philip Naslund (guitarra) e Chris Declerq (guitarra) — os dois últimos substituindo o guitarrista e produtor de longa data Roy Z, que deixou de integrar a formação em fevereiro último — ofereceu um show à parte, não apenas do ponto de vista musical, mas por vestirem elegantes figurinos que adicionaram certa teatralidade ao espetáculo.
Setlist bem planejado
Similar ao dos shows no México e da noite anterior em Curitiba — ainda que com alterações pontuais —, o repertório apresentado no Pepsi On Stage parece ter sido meticulosamente planejado e pensando nos fãs. A começar pelo fato de que os canções dos álbuns de menor expressão dentro da carreira solo— o debut “Tattooed Millionaire” (1990) e o criticado terceiro disco, “Skunkworks” (1996) — não deram as caras, conforme antecipado por Bruce Dickinson em entrevistas.
Notou-se ainda que as quatro músicas escolhidas para representar o recente “The Mandrake Project” (“Afterglow of Ragnarok”, “Many Doors to Hell”, “Rain on the Graves” e “Resurrection Men”) foram tão bem recebidas pelo público quanto os clássicos. Demonstra não apenas a qualidade das composições, interessantes e cativantes tais quais as dos principais discos de sua carreira, e a atenção que os fãs de Dickinson dão a seus trabalhos. Fugiu da tradicional ligação inquebrável com o passado que muitos fãs de música pesada insistem em cultivar.
Plateia e equipe técnica, aliás, também deram show. Figurino, som e luz foram parte importante do show em Porto Alegre, enquanto o público, apesar de inferior ao esperado — com espaços vazios na pista comum enquanto a premium se mostrava lotada —respondeu bem, criando um clima de interação plena com o artista, especialmente em “Chemical Wedding” e “Tears of the Dragon”, que arrancaram reações mais emocionadas.
Outras surpresas da noite ficaram por conta de “Jerusalem”, que assim como “Starchildren” fez sua estreia na tour latino-americana, e do cover instrumental “Frankenstein”, do Edgar Winter Group. Esta já vinha sendo executada, mas ainda se mostrou diferente do restante do material.
O encerramento da noite contou com quatro canções de tirar o fôlego. Após “Darkside of Aquarius”, a banda deixou o palco para o tradicional bis e retornou com “Navigate the Seas of the Sun”, “Book of Thel” e “The Tower”. Minutos depois da meia noite, o vocalista e seu grupo se despediram do público em definitivo.
Algumas decepções
Mesmo tendo levado ao público um repertório de primeira linha, é inevitável constatar o quão ignorado foi o excelente álbum “Balls to Picasso” (1994) em Porto Alegre. Apenas “Tears of the Dragon” foi executada na passagem pelo Rio Grande do Sul. Para acrescentar “Starchildren” e “Jerusalem”, saíram as incríveis “Laughing in the Hiding Bush” e “Gods of War”, que vinham fazendo parte do show até então.
Também chamou a atenção negativamente a procura menor por ingressos, provavelmente motivada pelos preços praticados (valores entre R$ 300 e R$ 480 considerando que, com a entrada solidária, ninguém pagou inteira) e pela alta oferta de eventos no período.
Por fim, um grande desabono à apresentação foi o momento protagonizado por Bruce Dickinson ao ordenar, aos berros no microfone, que a porta lateral do Pepsi On Stage, que dá acesso à área de fumantes, fosse fechada. “Shut the door! Shut the fucking door! SHUT THE FUCKING DOOR!!!”, esbravejou o irritado vocalista direcionando sua indignação a trabalhadores. Uma demonstração de deselegância frente a uma situação que poderia ter sido facilmente resolvida com discrição, acionando a equipe de forma mais discreta.
O que é bom, dura pouco
Apesar do setlist extenso de 16 músicas e quase duas horas de show, restou a sensação generalizada de que tudo havia passado muito rápido. Algo positivo, no fim das contas.
Diante da magnitude do talento de Bruce Dickinson e da intensa conexão estabelecida com o público, tudo isso com a cobertura de um repertório escolhido a dedo, a estreia em terras gaúchas foi um show daqueles para se ficar marcado na memória e no coração de quem o assiste.
Este concerto não apenas confirmou a reputação de vocalista como uma figura icônica do metal. Reforçou, também, a profundidade e a diversidade de sua obra separada do Iron Maiden. São exploradas camadas e influências à parte do que é apresentado ao lado de Steve Harris e seus outros parceiros.
Resta esperar pelo retorno — e que, dessa vez, não se precise aguardar por tanto tempo pela oportunidade de ver o cantor com seu trabalho solo.
*A turnê brasileira de Bruce Dickinson segue para Brasília. Ingressos para todas as cidades seguem à venda nos sites Uhuu (São Paulo e Curitiba) e Bilheteria Digital (nas demais cidades). O artista se apresenta:
- dia 27 na Opera Hall, em Brasília;
- dia 28 de abril na Arena Hall, em Belo Horizonte;
- dia 30 de abril no Rio de Janeiro, no Qualistage;
- dia 02 de maio na Quinta Linda, em Ribeirão Preto;
- e dia 04 de maio em São Paulo, na Vibra São Paulo.
**Mais fotos ao fim da página.
Bruce Dickinson — ao vivo em Porto Alegre
- Local: Pepsi On Stage
- Data: 25 de abril de 2024
- Turnê: The Mandrake Project
- Produtora: MCA Concerts
Repertório:
- Accident of Birth
- Abduction
- Starchildren
- Afterglow of Ragnarok
- Chemical Wedding
- Many Doors to Hell
- Jerusalem
- Resurrection Men
- Rain on the Graves
- Frankenstein (The Edgar Winter Group cover)
- The Alchemist
- Tears of the Dragon
- Darkside of Aquarius
Bis:
- Navigate the Seas of the Sun
- Book of Thel
- The Tower
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