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A história da cartada final do Pink Floyd em “The Division Bell”

Último álbum de inéditas lançado pela banda ainda em atividade chegou ao topo das paradas em ambos os lados do Atlântico

Existem três eras quando discutimos o Pink Floyd. E elas são definidas por quem estava no comando criativo do grupo.

Syd Barrett simbolizou a primeira era. A psicodelia lúdica e as explorações lisérgicas da música pop davam o tom desse curto período.

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Após uma tentativa fracassada de coletividade forçada, Roger Waters capitaneou o período mais conceitual e bem-sucedido. Os álbuns elaborados primariamente pelo cantor e baixista entraram para a história do rock entre os melhores já lançados.

E aí vem a era final. O período no qual o guitarrista e também vocalista David Gilmour teve o comando.

A história da música popular não é gentil com a versão do Pink Floyd sem Waters. Muitos a chamam de “formação caça-níqueis” ou a descrevem como uma sombra do que um dia já havia sido. No entanto, eles conseguiram a façanha de emplacar um hit.

Em meio ao auge do grunge e o nascimento do britpop, o Pink Floyd teve um álbum no topo das paradas nos dois lados do Atlântico. Um disco que viria a ser o último lançamento inédito do grupo enquanto Richard Wright estava vivo.

Vamos falar de “The Division Bell”.

Férias após brigas

O primeiro álbum do Pink Floyd após a saída de Roger Waters, A Momentary Lapse of Reason (1987), ficou marcado nos bastidores pelas brigas judiciais pelo controle das marcas relacionadas à banda. Se não o nome, o ex-integrante reivindicava controle intelectual sobre várias canções e elementos visuais dos shows.

Em uma demonstração pueril após um pedido feito por Waters cobrando direitos autorais pelo uso do famoso porco voador, os integrantes mandaram desenhar uma genitália masculina no animal inflável. Assim, eles argumentaram que o balão usado por eles era diferente.

Após brigas e mais brigas judiciais, as duas partes chegaram a um acordo. David Gilmour e Nick Mason teriam controle sobre o nome Pink Floyd, enquanto Roger Waters deteria controle sobre várias propriedades intelectuais da banda, incluindo a maior parte do espetáculo visual estabelecido até então. E The Wall, com o qual o músico seguiu fazendo turnês.

A turnê de “A Momentary Lapse of Reason” efetivamente terminou em 1990, com uma apresentação durante um evento beneficente em Knebworth, Inglaterra, diante de 125 mil pessoas. Em vez de ir direto para o estúdio e gravar outro disco, o grupo resolveu… viver um pouco.

David Gilmour se divorciou de sua primeira esposa, Ginger, enquanto Nick Mason casou com a apresentadora de TV Annette Lynton. Os dois, acompanhados do empresário da banda, Steve O’Rourke, ainda se meteram de correr na Carrera Panamericana, um rally no México. Eles custearam a empreitada a partir de um acordo de filmar a participação como um documentário para a BBC e fazer a trilha sonora.

Foi nesse trabalho de compor a trilha que o Floyd 3.0 de Gilmour, Mason e o tecladista Richard Wright chegaram a um método de trabalho condizente a eles. As gravações de “A Momentary Lapse of Reason” foram arrastadas devido aos processos com Waters, então, a pressão de criar obras dignas do legado do grupo havia contribuído para um péssimo ambiente. Não havia nada disso quando se reuniram no Olympic Studios em Londres com a banda ao vivo e amigos pra fazer música.

As jams fluíram e todo mundo se divertiu. Sete canções surgiram num ritmo semelhante a outra trilha do Floyd: Obscured by Clouds (1972). Muitos historiadores se questionam se a banda teria atingido o mesmo sucesso se seguissem, ao longo de sua trajetória, a linha menos prog e mais solto desse disco, responsável por lhes dar a primeira música a ser tocada em rádios nos Estados Unidos.

Passaram-se 20 anos desde esse álbum e uma carreira incrivelmente bem-sucedida foi construída desde então. Entretanto, na procura de algo que funcionasse para eles, não custava tentar ao menos a metodologia novamente.

Uma questão de formação

Em janeiro de 1993, David Gilmour, Nick Mason e Richard Wright entraram no Britannia Row Studios com o objetivo de compor material novo. Em seu livro de memórias “Inside Out – A Verdadeira História do Pink Floyd”, o baterista escreveu sobre a ideia por trás da semana no estúdio:

“Fora marcar tempo de estúdio no Britannia Row, nos preparamos pouco para um lançamento futuro. Ninguém chegou nas sessões com um pedaço de música falando: ‘olha algo que preparei de antemão’. Nada de músicos contratados; apenas David, Rick e eu, com o engenheiro de som na mesa, um gravador de duas faixas rodando – e tanto tempo quanto a gente precisasse. Apesar de experiências anteriores nos tivesse preparado para decepção, e apesar de não haver pressão para criar algo concreto nessas sessões, só o fato da gente ter marcado o estúdio era um indicador do nosso compromisso.”

Felizmente, o resultado inicial foi encorajador o suficiente para eles continuarem e trazerem Guy Pratt ao estúdio. O músico era integrante ao vivo do Pink Floyd desde a turnê de “A Momentary Lapse of Reason”, mas não tinha participado de nenhum álbum de estúdio.

No livro “Nos Bastidores do Pink Floyd”, escrito por Mark Blake, Pratt falou sobre trabalhar com a banda nesse novo ambiente:

“Era emocionante saber que estava tocando para um disco do Pink Floyd. Às vezes, Dave trazia algumas ideias e eu colocava uma linha de baixo básica, apenas para perceber o quanto eu tocava fora da cadência. David sempre tinha uma alternativa melhor: ‘Sim, isso é ótimo… mas vamos tirar noventa por cento das notas que estão aí’.”

Ao fim da semana, eles tinham um apanhado de 65 fragmentos: ideias, riffs e melodias com o qual podiam trabalhar. O que se seguiu foi um processo de votação, no qual os integrantes davam notas para cada um dos conceitos apresentados. Isso apresentou um pequeno problema.

Apesar de ter feito parte das gravações de “A Momentary Lapse of Reason”, da turnê subsequente e dessas novas sessões, Richard Wright não era mais integrante do Pink Floyd. O tecladista foi demitido por Roger Waters em 1979. Em vez de torná-lo membro pleno após a saída do baixista em 1985, Gilmour e Mason o trouxeram de volta como músico contratado. Isso devido a uma provisão do acordo de saída dele o proibindo de ser readmitido.

Esses termos não desciam mais para o músico, que decidiu bater o pé quanto às suas contribuições dando a nota máxima possível para todas suas ideias. Basicamente, forçou a banda a trabalhar nelas.

Wright discutiu a situação durante uma entrevista em 2000 (via Louder):

“Chegou muito perto de eu não fazer o álbum, porque não sentia que o que tínhamos combinado era justo.”

Novo amor e velhos amigos

Felizmente, a solução foi simplesmente respeitar as contribuições musicais de Richard Wright e trabalhar nas ideias dele também. Entretanto, quando chegou a hora de bolar letras, Gilmour na hora quis alguém de fora: sua nova namorada, Polly Samson.

Inicialmente, o papel de Samson no processo de composição era de encorajar Gilmour a seguir seus instintos, mas não demorou para o guitarrista notar o valor de suas contribuições. Após um dia trabalhando no estúdio com a banda, o músico retornava para casa com as ideias musicais e pensava em letras com ela.

Desse processo saiu um pouco de fricção. Afinal, era uma pessoa nova se envolvendo no processo do Pink Floyd. Porém, saiu resultado também. “High Hopes”, uma canção focada na infância de Gilmour em Cambridge, veio da cooperação lírica entre o guitarrista e Samson, dando ao álbum um ponto de partida.

Em “Nos Bastidores do Pink Floyd”, o produtor Bob Ezrin falou sobre a música:

“Foi a canção que uniu todo o disco. Era a música mais completa emocionalmente que tínhamos. Estávamos no rio, no inverno, na boa e cinzenta Inglaterra. Há uma atmosfera toda especial na Inglaterra nessa época do ano. Faz com que as pessoas migrem para dentro de si, é tão introspectivo, e a música capturou essa essência.”

A esse ponto, a banda de apoio da turnê foi reunida nos estúdios para dar suas contribuições ao trabalho, com uma adição importante. Dick Parry, amigo de adolescência de Gilmour e saxofonista que trabalhou com o Pink Floyd no auge comercial do grupo, retornou após quase 20 anos afastado.

Ele sequer estava mais tocando o instrumento. Havia abandonado a música para trabalhar de balseiro. Após enviar um cartão de Natal para Gilmour pedindo um teste, foi convidado a contribuir na canção “Wearing the Inside Out”.

Não demorou muito para que um tema se desenvolvesse em torno das músicas que eram gravadas. Após uma década marcada por confrontos em tribunais e na mídia com Roger Waters, além das transformações políticas ocorrendo pelo mundo – como o fim da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a guerra da Iugoslávia –, Gilmour abordou temas de comunicação e como conflitos surgem a partir de não sabermos nos expressar.

O nome “The Division Bell” veio do autor Douglas Adams, criador de “Guia do Mochileiro das Galáxias”. O escritor era amigo de longa data da banda e durante um jantar, ao dar uma olhada nas letras do disco, sugeriu essa ideia ao olhar a letra de “High Hopes”.

O termo em inglês é usado para descrever o sino tocado para chamar membros ausentes do parlamento. Assuntos são discutidos, escolhas são feitas e lados são estabelecidos. Tudo dentro do tema maior do álbum.

Repercussão e turnê

“The Division Bell” saiu no dia 28 de março no Reino Unido e em 4 de abril nos Estados Unidos. Chegou ao primeiro lugar nas paradas de ambos os países, permanecendo no topo da Billboard 200 por quatro semanas, a partir de 23 de abril.

Durante a turnê, contudo, o álbum ficou em segundo plano por causa de uma ideia introduzida ao longo dos shows. A banda sempre incorporou canções antigas de seu repertório, mas a um certo ponto eles começaram a tocar The Dark Side of the Moon inteiro durante os shows.

Isso virou o espetáculo. Após 20 anos, o Pink Floyd estava apresentando um dos álbuns mais importantes da história. O registro ao vivo dessa turnê, Pulse, é famoso entre os fãs por ser o registro definitivo de “The Dark Side of the Moon” nos palcos. Ganhou até disco de diamante no Brasil pelas mais de 125 mil cópias vendidas — número raro para um artista internacional no país.

Curiosamente, o Pink Floyd nunca mais fez shows após o fim dessa turnê. A exceção foi um set no Live 8, concerto beneficente realizado em oito cidades pelo mundo em 2005. Fora isso, simplesmente pararam.

Syd Barrett morreu um ano depois da apresentação mencionada. Richard Wright se foi dois anos após isso, em 2008. David Gilmour lançou um último trabalho do Pink Floyd chamado “The Endless River” (2014), mas é um disco majoritariamente instrumental feito a partir de material composto para “The Division Bell”, como uma homenagem ao tecladista. Nick Mason montou um projeto que toca músicas dos primeiros álbuns, anteriores a “The Dark Side of the Moon”, chamado Saucerful of Secrets. Roger Waters continua fazendo shows inspirados em “The Wall” e em outros conceitos, além de ter lançado uma versão regravada de “The Dark Side of the Moon” em 2023 sem contribuições dos ex-companheiros.

Pink Floyd — “The Division Bell”

  • Lançado em 28 de março de 1994 pela EMI / Columbia
  • Produzido por Bob Ezrin e David Gilmour

Faixas:

  1. Cluster One (instrumental)
  2. What Do You Want from Me
  3. Poles Apart
  4. Marooned (instrumental)
  5. A Great Day for Freedom
  6. Wearing the Inside Out
  7. Take It Back
  8. Coming Back to Life
  9. Keep Talking
  10. Lost for Words
  11. High Hopes

Músicos:

  • David Gilmour (vocais nas faixas 2, 3, 5, 7, 8, 9, 10 e 11; guitarra; violão; baixo nas faixas 3, 5, 10 e 11; teclados, programação, backing vocals, talkbox)
  • Nick Mason (bateria, percussão, sino da igreja na faixa 11)
  • Richard Wright (piano, órgão, sintetizadores, vocal principal na faixa 6, backing vocals na faixa 2)

Músicos adicionais:

  • Jon Carin (piano, teclados, programação, arranjos na faixa 10)
  • Guy Pratt (baixo nas faixas 2, 4, 6, 7, 8 e 9)
  • Gary Wallis (percussão na faixa 8, programação na faixa 9)
  • Tim Renwick (guitarras adicionais nas faixas 3 e 7)
  • Dick Parry (saxofone tenor nas faixas 6)
  • Bob Ezrin (percussão, teclados nas faixas 3 e 7)
  • Sam Brown (backing vocals nas faixas 2, 6, 7 e 9)
  • Durga McBroom (backing vocals nas faixas 2, 6, 7 e 9)
  • Carol Kenyon (backing vocals nas faixas 2, 6, 7 e 9)
  • Jackie Sheridan (backing vocals nas faixas 2, 6, 7 e 9)
  • Rebecca Leigh-White (backing vocals nas faixas 2, 6, 7 e 9)
  • Stephen Hawking (trecho vocal na faixa 9)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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