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Sob muita chuva, Paul McCartney encerra temporada paulistana com mais surpresas

Executando “Drive My Car” e “Day Tripper” pela 1ª vez na atual turnê mundial, músico se despediu de público encharcado em São Paulo e prometeu voltar

O temporal que desabou sem dó na noite de domingo (10) em São Paulo fez com que muita gente fosse embora após esgoelar os “nananana” de “Hey Jude” e perdesse o momento mais emocionante da atual turnê de Paul McCartney. Ao final de “I’ve Got a Feeling”, a voz de John Lennon se fez presente com sua imagem nítida nos telões, num “dueto” com o baixista. Era a primeira música do bis da terceira longa apresentação do eterno beatle na capital paulista. Difícil para qualquer marmanjo segurar as lágrimas.

A terceira noite no Allianz Parque de Paul McCartney foi a primeira vez na atual turnê mundial, “Got Back”, que ele se apresentou três vezes numa mesma cidade. Como normalmente o músico traz algumas mudanças pontuais no repertório, a expectativa também surgia de algumas possíveis surpresas reservadas para a última data paulistana.

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As surpresas

Sob o que parecia ser ainda apenas uma persistente e saudosa garoa paulistana, a abertura com “Can’t Buy Me Love” repetiu o início de sua primeira noite na cidade, mas as outras duas surpresas causaram impacto. 

Nem dez minutos depois, já sob chuva torrencial, “Drive My Car” empolgou o público no lugar da pouco conhecida “She’s a Woman”. Mais ao final, “Day Tripper” manteve a chama acesa do que sobrou de público encharcado na pista.

Em datas anteriores, haviam sido executadas “Birthday” ou “I Saw Her Standing There”, sempre logo após o emocionante “dueto” entre McCartney e Lennon, proporcionado pela restauração de som e imagens feita por Peter Jackson para o documentário “Get Back”, de 2021. 

Não foi dessa vez que o Beatle incluiu “Yesterday” no repertório, ausência constante em suas duas últimas turnês. Sempre haverá quem reclame, mas não é como se no momento tenha feito falta.

Protocolo e banda

O resto do show foi rigorosamente igual ao das duas noites anteriores. As mesmas gírias em português repetidas pelo “pai” que tava “on”, entre as mesmas músicas, com similares movimentos e gestos de palco, ainda que parecessem espontâneos diante do carisma de McCartney.

As reações dos “mano” foram parecidas, exceto pela participação menos efusiva da encharcada “galera” de domingo não ter puxado “Give Peace a Chance” após “Here Today”, música que o beatle sempre dedica ao “parça” John Lennon. Nenhuma menção à chuva que na maior parte do tempo torrencial castigou o público.

O show engessado pode parecer reclamação, mas é um fato menor diante da avalanche de rock’n’roll que Paul proporciona a cada show. Sua “fantástica banda” é a mesma dos últimos vinte anos, desde a volta do músico à estrada após a morte de sua esposa e parceira musical Linda.

O baterista Abe Laboriel, Jr. é o mais festejado e sempre tem seu momento de holofotes com sua dança carismática marcando o tempo no bumbo na apropriada “Dance Tonight”, a mais bem recebida faixa solo de Paul McCartney, lançada em “Memory Almost Full”, de 2007.

Nas guitarras, o sério Rusty Anderson comanda a maior parte dos solos. Já Brian Ray segura as bases e o baixo, quando o patrão deixa seu icônico Höfner de lado e se aventura nos instrumentos com seis ou mais cordas. 

Completa a tradicional banda de apoio Paul Wickens, o mais longevo parceiro de palco de McCartney. Wix, como é conhecido, toca teclado desde que o ex-Beatle voltou à estrada no final dos anos 80, quando estreou no Brasil com dois shows no Maracanã em abril de 1990. E, ao tocar gaita em “Love Me Do”, teve seu grande momento na noite deste domingo, quando se simulou o palco intimista do começo de carreira do quarteto.

Desde a última turnê, divulgando “Egypt Station”, disco solo de 2018, Paul é acompanhado por uma trinca de metais. O Hot City Horns — formado por Mike Davis no trompete, Kenji Fenton no saxofone e Paul Burton no trombone — começa o show tocando do meio do público nas cadeiras inferiores, mas logo toma seu lugar ao palco e tem seu destaque em vários momentos da noite, como em “Got to Get You Into My Life” ou “Ob-La-Di, Ob-La-Da”.

Pós-Beatles e muita energia

É fato que a maioria expressiva do público tenha pago ingresso apenas para ouvir Paul McCartney reproduzir as músicas dos Beatles. Ainda assim, o apanhado geral de sua carreira posterior ao fim do quarteto de Liverpool capturou bem a atenção quando a banda executou com peso as faixas do Wings

“Let Me Roll It” veio como sempre com “Foxy Lady” de Jimi Hendrix em seu término e “Jet” foi dedicada de novo ao recém-falecido Denny Laine, co-fundador do Wings ao lado de McCartney. “Band on the Run”, com todas as suas mudanças de andamento, mais uma vez proporcionou no refrão a maior catarse que não é do Fab Four.

Se a voz de Paul McCartney não chegou tão bem aos tons mais altos — como ficou claro na emocionante “Maybe I’m Amazed” e no hino “Let it Be”, ou em meio aos fogos, explosões e fumaceiro danado de “Live and Let Die” e ainda no proto-metal de “Helter Skelter” — o beatle ainda se segura no palco com energia que parece inesgotável por exatas duas horas e meia. 

Muita banda que “salvou o rock’n’roll” nesses últimos cinquenta anos mal tem repertório para manter o público aceso por cinquenta minutos e daria um rim para poder encerrar seu show com a trinca de “Abbey Road” — “Golden Slumbers”, “Carry that Weight” e “The End”. Mais uma vez, difícil de segurar as lágrimas, se ainda tivesse sobrado alguma depois de “Blackbird” ou “Something”.

Um dos primeiros rebeldes

Uma das icônicas frases de Lemmy Kilmister era “eu me lembro de antes de existir rock’n’roll”. Ao final de sua vida, enquanto o líder do Motörhead se tornava um guru da vida selvagem na estrada, um tópico comum em suas entrevistas era sobre quando a música se restringia em canções para velhos. O conceito de juventude mal existia. Basicamente, saía-se da infância direto para a vida adulta, com casamento, filhos e responsabilidades.

Quando estamos diante de Paul McCartney, não vemos apenas o possivelmente maior compositor que transformou a dançante música dos guetos negros em um estilo comercialmente viável para a classe média branca no que se chamava então de países desenvolvidos, e logo se expandiu para o mundo todo. Estamos presenciando basicamente quem foi um dos primeiros ícones desse rebelde estágio de vida intermediário.

Irônico que, a cada apresentação do eterno beatle, essa divisão etária não pareça existir. Costumamos falar de clássicos do rock’n’roll como atemporais, mas não há melhor chance de visualizar esse fenômeno como quando McCartney iniciava uma faixa icônica dos Beatles. 

Se, sessenta anos atrás, pais ficavam chocados com a reação dos seus filhos ao ver o Fab Four executar suas músicas na televisão, neste domingo (10), no Allianz Parque, eles se emocionaram juntos com essas mesmas canções. Crianças sequer alfabetizadas em português cantavam refrãos que talvez mal entendessem. Velhinhos, alguns com ajuda de parentes mais novos para conseguirem se manter em pé, arriscavam uns passos de dança.

Não à toa, com um público tão amplo, a disputa foi feroz por ingresso para as três noites para cinquenta mil pessoas no Allianz Parque. McCartney ainda tem datas agendadas para Curitiba (13/12) e Rio de Janeiro (16/12), ambas também esgotadas, e já havia se apresentado em Brasília e, em duas noites, Belo Horizonte — além de ter feito na capital federal um dos shows mais invejados da história deste país tropical, para quinhentos sortudos no acanhado Clube de Choro.

Após duas apresentações seguidas tocando por duas horas e meia, aos 81 anos de idade, é possível que a chuvosa noite do domingo, 10 de dezembro de 2023, entre para a História como a última aparição de Paul McCartney num palco paulistano. Mas só um louco seria capaz de apostar todas as suas fichas nisso quando ele, aos beijos no telão, se despediu dizendo “até a próxima”.

Paul McCartney – ao vivo em São Paulo

  • Local: Allianz Parque
  • Data: 10 de dezembro de 2023
  • Turnê: Got Back

Repertório:

  1. Can’t Buy Me Love
  2. Junior’s Farm
  3. Letting Go
  4. Drive My Car
  5. Got to Get You Into My Life
  6. Come On to Me
  7. Let Me Roll It (com trecho de “Foxy Lady”, da Jimi Hendrix Experience, ao final)
  8. Getting Better
  9. Let ‘Em In
  10. My Valentine
  11. Nineteen Hundred and Eighty-Five
  12. Maybe I’m Amazed
  13. I’ve Just Seen a Face
  14. In Spite of All the Danger
  15. Love Me Do
  16. Dance Tonight
  17. Blackbird
  18. Here Today
  19. New
  20. Lady Madonna
  21. Jet
  22. Being for the Benefit of Mr. Kite!
  23. Something
  24. Ob-La-Di, Ob-La-Da
  25. Band on the Run
  26. Get Back
  27. Let It Be
  28. Live and Let Die
  29. Hey Jude

Bis:

  1. I’ve Got a Feeling
  2. Day Tripper
  3. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)
  4. Helter Skelter
  5. Golden Slumbers
  6. Carry That Weight
  7. The End

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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