“Até a próxima”: Como foi a saideira de Paul McCartney no Rio, mas não dos palcos

Artista retorna ao local que primeiro o abrigou no Brasil, 33 anos atrás; boatos de anúncio de aposentadoria e participação de Ringo Starr não se confirmaram

Muito se especulou acerca do compromisso derradeiro de Paul McCartney no Brasil com a turnê “Got Back”. Desde boatos envolvendo uma participação surpresa do colega de Beatles, Ringo Starr, até um suposto anúncio de aposentadoria dos palcos geraram expectativa extra tanto nos presentes no Estádio do Maracanã no último sábado (16) quanto naqueles que acompanharam a transmissão “ao vivo” (com 40 minutos de atraso em relação ao que acontecia no local), de casa, pelo Disney+ / Star+.

Não só nada disso se confirmou, como Paul, 81, se despediu do público com um “Até a próxima”, num indicativo de que a aposentadoria dos palcos não está nos planos.

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Foto: Marcos Hermes

Noite de gala

De fora do Maraca, chamavam a atenção duas faixas dando as boas-vindas ao músico, que em 20 e 21 de abril de 1990 fez suas primeiras apresentações no Brasil naquele mesmo local. Dentro dele, o clima era de mobilização e força-tarefa, com distribuição de balões coloridos a serem iluminados com lanternas de celular em “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e folhas A3 com “Na Na” impresso a serem exibidos durante o final prolongado e emocionante de “Hey Jude”, num expediente típico de bons anfitriões.

Foto: Marcos Hermes

A visita, por sua vez, mais que correspondeu; subindo ao palco, pontualmente, às 21h e pelas duas horas e meias seguintes promovendo verdadeiro passeio por fases distintas de sua incomparavelmente bem-sucedida carreira. Não esqueçamos que o senhorzinho ali é o maior artista vivo; quiçá, o maior de todos os tempos.

O traje era completo, quase de gala, não obstante o calor inclemente da capital fluminense. O clima era de caldeirão. Uma final de campeonato, só que sem as tensões violentas de uma rivalidade. Todos juntos, numa energia que a publicidade não conseguirá jamais reproduzir em suas peças de fim de ano. Houve quem esgotasse o estoque de lágrimas antes mesmo de “Can’t Buy Me Love”, a primeira da noite, chegar ao seu fim.

Compreensível. A música dos Beatles — e, por extensão, a de seu principal autor — é algo que transcende quaisquer pressupostas barreiras. E não estamos falando somente das musicais. Pela primeira vez em anos de shows no Rio, não houve vaias ou reprovações manifestas alto e bom som quando o artista dá o seu recado. E Paul o fez quando, antes do bis, subiu ao palco carregando três bandeiras: a do Brasil, a do Reino Unido e a do Orgulho Gay. A mensagem é clara: chega de intolerância; respeite as diferenças.

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Foto: Marcos Hermes

“Qual é, cariocas?”

“Oi, Rio! Qual é, cariocas?” foi a primeira das muitas falas do velho Macca em português para reações do tipo “que bonitinho!” similares às de quando pessoas veem um bebê falar “bibi” ou “au-au”. A promessa foi de uma comunicação majoritariamente no nosso idioma, mas um “this is an old Beatles song” dito logo em seguida serviu de exemplo do caráter bilíngue dessa comunicação com o público.

A cada música que terminava, agradecimentos à distância do microfone — a leitura labial permitia entender tanto “thank you” quanto “valeu” —, olhadelas para o setlist afixado no chão e, vez ou outra, olhos arregalados e bocas abertas em caricatas expressões de estupefação. Felicidade de estar ali, de ser quem é e, com a humildade de quem acumula uma fortuna de 1,2 bilhão de dólares, reconhecer os responsáveis pela construção desse império.

Foto: Marcos Hermes

“O pai tá on”

Em termos de estrutura, poucas vezes o Maraca abrigou um palco tão multipossibilidades, com refletores móveis coordenados que “dançavam” a plataformas suspensas de led e, lógico, fogos e labaredas na explosiva “Live and Let Die”, ainda uma das músicas-tema mais icônicas da franquia 007 do cinema. No telão, animações condizentes com o que era tocado e cantado: em “Getting Better”, do chão de metrópoles arrasadas nasciam flores (esperança pós-pandêmica ou torcida pelo recuo da extrema-direita no futuro mais próximo que o universo permitir?); já “Got to Get You Into My Life” trouxe a história do Fab Four em formato animação, com direito a representações gráficas de eventos como a apresentação no “The Ed Sullivan Show” em 9 de fevereiro de 1964 — justo chamar de a reconquista da América pelos britânicos —, o famoso concerto no Shea Stadium (15 de agosto de 1965) e a performance no topo do prédio da Apple, no dia 30 de janeiro de 1969.

Falando no chamado “rooftop concert”, um dos momentos definitivos da noite foi o dueto de Paul com John Lennon em “I’ve Got a Feeling”, com imagens do saudoso músico naquela que foi a última aparição pública dos Beatles levando quem ainda tinha o que chorar a cair nos prantos tamanha emoção. Imagens deste mesmo dia ilustraram ainda a execução de “Get Back”, com direito a menção ao documentário homônimo dirigido por Peter Jackson. Lógico, não poderiam faltar homenagens a George Harrison (“Something”), ao recém-falecido guitarrista dos Wings, Denny Laine (“Jet”), e a Nancy Shevell, esposa de Paul que estava bem ali no gargarejo, com a belíssima e singular “My Valentine”. Nos telões, Johnny Depp e Natalie Portman encenavam os versos repletos de paixão e gratidão noutro ponto particularmente alto da noite.

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Foto: Marcos Hermes

Fãs do lisergismo e da psicodelia de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” gastaram sua onda movida ou não por substâncias ilícitas no espetáculo de cores e feixes de luz consonantes à surrealista “Being for the Benefit of Mr. Kite!”; aniversariantes do dia tiveram seu presente particular com “Birthday” (tocada no lugar de “I Saw Her Standing There”); “Blackbird” e “Let It Be” consistiram nos momentos de introspecção e reflexão; “Ob-La-Di, Ob-La-Da” foi a festa, e “Hey Jude”, a catarse. E tudo isso com McCartney alternando instrumentos: ao todo, ele tocou baixo, piano, teclado, guitarra — inclusive solos —, bandolim e ukulele. “O pai tava on” mesmo.

E sua banda — com evidente destaque para o show a parte que é o batera Abe Laboriel Jr. — não estava nem um pouco atrás em qualidade e sorrisos. Mesmo o guitarrista de semblante cadavérico Brian Ray exibia suas canjicas sem parar. E Rusty Anderson, que de beatlemaníaco virou músico de apoio de seu maior ídolo nem se fala.

“Hora de vazar”

“Agora é hora de vazar”, disse antes do arremate final. Neste momento, parabenizou o técnico de som, o iluminador e todo o “fantastic team” que compõe a “best crew on the planet”.

Então, executou “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”, cuja única frase da letra talvez simbolize a principal lição a ser passada adiante: “E no final, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá”.

Depois disso: “FUI!”

(E foi mesmo. Menos de duas horas depois de deixar o palco, Paul McCartney já estava em seu avião a caminho de casa.)

Foto: Marcos Hermes

Paul McCartney – ao vivo no Rio de Janeiro

  • Local: Estádio do Maracanã
  • Data: 16 de dezembro de 2023
  • Turnê: Got Back

Repertório:

  1. Can’t Buy Me Love (The Beatles)
  2. Junior’s Farm (Wings)
  3. Letting Go (Wings)
  4. She’s a Woman (The Beatles)
  5. Got to Get You Into My Life (The Beatles)
  6. Come On to Me
  7. Let Me Roll It (Wings)
  8. Getting Better (The Beatles)
  9. Let ‘Em In (Wings)
  10. Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings)
  11. Maybe I’m Amazed
  12. My Valentine
  13. I’ve Just Seen a Face (The Beatles)
  14. In Spite of All the Danger (The Quarrymen)
  15. Love Me Do (The Beatles)
  16. Dance Tonight
  17. Blackbird (The Beatles)
  18. Here Today
  19. New
  20. Lady Madonna (The Beatles)
  21. Jet (Wings)
  22. Being for the Benefit of Mr. Kite! (The Beatles)
  23. Something (The Beatles)
  24. Ob-La-Di, Ob-La-Da (The Beatles)
  25. Band on the Run (Wings)
  26. Get Back (The Beatles)
  27. Let It Be (The Beatles)
  28. Live and Let Die (Wings)
  29. Hey Jude (The Beatles)

Bis:

  1. I’ve Got a Feeling (The Beatles)
  2. Birthday (The Beatles)
  3. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (The Beatles)
  4. Helter Skelter (The Beatles)
  5. Golden Slumbers (The Beatles)
  6. Carry That Weight (The Beatles)
  7. The End (The Beatles)
Foto: Marcos Hermes

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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