Tudo certo em seu lugar. Essa é a impressão que o Red Hot Chili Peppers passa de cima do palco para a multidão que chegou perto de esgotar os ingressos disponíveis para a apresentação no Rio de Janeiro no último sábado (4).
Alguma coisa acontece quando Anthony Kiedis (voz), Flea (baixo), John Frusciante (guitarra) e Chad Smith (bateria) dividem o mesmo espaço. É como se o todo fosse muito, muito maior do que a soma de suas partes. Pode ser a química, ou quem sabe a bagagem, mas, no fim das contas, qualquer explicação que se tente dar ao fenômeno recai sobre o subjetivo/sobrenatural.
A verdade é que o show do Red Hot Chili Peppers, tal como o dos Rolling Stones — guardadas as devidas proporções — não segue à risca um roteiro. As músicas a serem tocadas são decididas com o mínimo de antecedência. Óbvio que aquelas que carregam o selo “não pode faltar” possuem cadeira-cativa, e só aí cerca de 1/5 dos slots disponíveis é preenchido.
Mas a questão principal não é o quê, e sim como essas músicas são tocadas.
Não são poucos os que criticam o Red Hot por certa displicência ao vivo; parecem que estão tocando para si, não para os que pagaram o ingresso, alguns podem até acusar. Só que quem pagou o ingresso — e o fez tão logo as vendas foram iniciadas oito meses atrás — sabe que é assim que a banda toca. E se dá por satisfeito ao testemunhar a musicalidade que emana daquela reunião; uma das mais aguardadas das últimas duas décadas.
Fru-Fru de volta
Embora o trabalho mais recente seja “Return of the Dream Canteen”, a presente turnê carrega o nome do antecessor, “Unlimited Love”, lançado meses antes. A dobradinha marca o retorno de Frusciante ao posto de guitarrista e sinaliza uma nova fase na banda; longe do experimentalismo esburacado de “The Getaway” (2016) e livre da imperícia técnica do substituto de John, Josh Klinghoffer, ao vivo.
E a plateia, que deu show à parte, cantando até as recém-chegadas “Eddie” e “Tippa My Tongue”, recebeu o Fru-Fru de volta com braços abertos, o coração a sorrir e o peito a gargalhar. Gritos de “John Frus-ci-an-teee” foram ouvidos entre uma música e outra. “Faz onze anos desde a última vez que este cara esteve conosco aqui”, disse o geralmente de poucas palavras Anthony, apontando para o colega. Mesmo tendo errado a data — afinal, a turnê de “By the Way” passou por aqui há 21 anos —, numa coisa o vocalista estava certo: “O Brasil te ama”.
Telões e interações
Talvez pela ausência de um roteiro, os telões não possuam muitas animações específicas pensadas para cada música. Ok, um sol apocalíptico dá as caras em “Black Summer” — já entoada como um hit do primeiro escalão —, mas, no geral, o quesito visual muito se assemelha aos espectros de cores e padrões típicos dos tocadores de mídia da década passada, como Windows Media Player e Winamp. As imagens dos músicos submetidas a filtros que vão da psicodelia multicor ao cyberpunk monocromático a depender da música/passagem. O responsável por isso é craque das improvisações, tal como os senhores lá no palco.
Dos quatro, Flea é o que mais alopra. Vestindo bermudão de basquete e meias amarelas e roxas numa nítida referência ao Los Angeles Lakers, o baixista entrou no palco plantando bananeira, pulou para lá e para cá, deu saltos do praticável da bateria e, fazendo as vezes de mestre de cerimônias, foi quem mais se comunicou com o público.
Houve momentos em que todos se reuniam à frente de Chad, como se confabulando acerca do que tocar em seguida. Talvez estivessem comentando acerca da vibe, ou do calor, ou quem sabe de algum dos outros eventos que movimentaram a capital fluminense no dia; a saber, final da Libertadores, show de Roberto Carlos e a iminente implosão de três prédios nos arredores do Estádio Nilton Santos.
Escolhas de setlist e momento catártico
Brincadeiras à parte, as escolhas para o pontapé inicial da etapa brasileira do giro não poderiam ter sido mais certeiras. “Otherside” certamente pegou de surpresa aqueles que já contavam que a fatia dedicada a “Californication” fosse restrita à sua faixa-título. “Suck My Kiss” foi um presente à velha guarda que lamenta, mesmo que baixinho, o abandono gradual daquele funkão pesado dos primórdios. A geração MTV anos 2000 foi laureada com a trinca inicial “Can’t Stop”, “The Zephyr Song” e “Snow (Hey Oh)”. E quem caiu de paraquedas por ter um bom QI provavelmente reconheceu pelo menos as derradeiras “Under the Bridge” e “Give It Away”.
Agora, por incrível que pareça, o momento mais catártico se deu não durante um clássico, mas às primeiras notas de “The Heavy Wing”, a penúltima faixa de “Unlimited Love” e uma das pelas quais mais se torceu pela inclusão. O apreço por esta, que traz John nos vocais no estrondoso refrão, foi tamanho que a rapaziada empoleirada na frente do hotel onde a banda se hospedou, como se numa tentativa de amolecê-la e fazê-la ceder a seus caprichos, entoou tais palavras com uma emoção que não passou despercebida a Anthony. Com um joinha, o cantor deu a entender que o pedido seria atendido.
A mesma entrega, elevada a algumas potências, se manifestou quando Frusciante colou no microfone para seu momento de cantor: “Oh, I know…” Já virou uma das favoritas e é questão de tempo e bom-senso até o Red Hot torná-la fixa no repertório. Tomara.
Notas sobre a abertura
A abertura coube ao novato Irontom, cujo ponto focal é o guitarrista. Zack Irons é filho de Jack Irons, que tocou bateria quando o Red Hot era só mais um bando de degenerados de L.A., e as músicas do grupo parecem girar em torno dos momentos em que ele, como um clone de Frusciante — inclusive por usar uma Fender detonada — sola de maneira que tem a autoindulgência aplacada pelo visual de professor de cursinho — outra característica chupada de John, diga-se.
A banda é musicalmente competente, porém, falta identidade no repertório. As infusões vão de Led Zeppelin a Franz Ferdinand e o resultado não sabe se visa aos indies do passado ou aos roqueiros de veia pop do futuro. A união de todas as tribos, assim como fez o Norvana, rolou justamente no cover de “Feel Good Inc”, do Gorillaz. Foi também a única hora em que o vocalista Harrison Hayes parou de cantar se alisando como se numa propaganda de óleo corporal.
*O Red Hot Chili Peppers também se apresenta em Brasília (7 de novembro), São Paulo (10 de novembro), Curitiba (13 de novembro) e Porto Alegre (16 de novembro). Ainda há ingressos à venda para a capital federal.
**Mais fotos estão disponíveis após o setlist. As imagens de Vitor Silva foram cedidas pela produção. Já os cliques de Daniel Croce foram produzidos para a Roadie Crew, veículo pelo qual o profissional foi credenciado e gentilmente cedidos ao site.
Red Hot Chili Peppers – ao vivo em São Paulo
- Local: Estádio Nilton Santos (Engenhão)
- Data: 4 de novembro de 2023
- Turnê: 2022-23 Global Stadium Tour
Repertório:
- Can’t Stop
- The Zephyr Song
- Snow
- Here Ever After
- Otherside
- Suck My Kiss
- Eddie
- Soul to Squeeze
- Right On Time
- Tippa My Tongue
- Havana Affair (Ramones)
- Californication
- The Heavy Wing
- Black Summer
- By the Way
Bis:
- Under the Bridge
- Give it Away
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Achei o grupo frio e independente como se estivessem apenas cumprindo obrigação
Bis de 2 músicas foi decepcionante
Concordo plenamente, os efeitos visuais tb deixaram a desejar, e o tempo do show nem se fala!
Tem a informação sobre o público do show?