“Daydream Nation”, a obra-prima distópica do Sonic Youth

Álbum lançado em 1988 foi a culminação de uma década de experimentos e inovações no campo da guitarra rock

Sonic Youth é uma das bandas mais influentes em termos de guitarras dos últimos 40 anos. O quarteto nova-iorquino desde o começo aliou a estética e mentalidade punk a uma sensibilidade avant-garde, surgida nos primórdios da carreira de seus integrantes. 

Afinações alternativas, modificações nos instrumentos, até mesmo intervenções no formato da guitarra em si (baquetas eram frequentemente enfiadas entre cordas, tal qual os pianos preparados de John Cage)… tudo era possível no vocabulário do grupo.

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Ao longo de seus primeiros quatro álbuns, eles exploraram como incorporar experimentação ao formato rock. Tornaram-se uma das bandas underground mais respeitadas dos Estados Unidos e do mundo.

Além disso, eles estavam abandonando temas pessoais e buscavam inspiração na literatura de ficção científica. Mais especificamente, o cyberpunk de Phillip K. Dick e William Gibson. Buscaram criar uma visão distópica não só da sociedade, mas da música rock em si.

Quando chegou a hora de gravar seu quinto disco, o quarteto formado por Thurston Moore (guitarra/voz), Kim Gordon (baixo/voz), Lee Ranaldo (guitarra/voz) e Steve Shelley aplicou as lições aprendidas numa busca por uma quebra e reconstrução do que uma canção rock alternativa poderia ser.

Bora acender a vela e falar de “Daydream Nation”.

Um sonoro “NÃO” sonoro

Quando milhares de adolescentes responderam ao chamado do punk e foram a Nova York no final dos anos 70, o movimento já havia virado new wave. Buscava-se de evitar a conotação negativa criada pela variante inglesa e os Sex Pistols.

Não havia qualquer interesse das gravadoras no que sobrou ou naquilo ainda a surgir. Entretanto, a mesma alienação responsável por inspirar o punk persistia. Decadência urbana, o avanço da cultura capitalista corporativista, drogas, tudo isso iria ficar ainda pior na década a vir sob o governo de Ronald Reagan, mas a indústria musical já tinha seu dízimo.

Sobraram apenas os pivetes e a galera avant-garde, de onde surgiu um movimento apelidado de no wave. Como o nome sugere, se trata de uma reação visceral contra o que veio antes, especialmente a reciclagem de clichês rock feita pelo punk. Era uma negação à estética, à realidade sendo vendida pela mídia, à indústria e à tradição musical.

Músicos no wave se inspiraram em free jazz, disco e fusion para criar uma nova linguagem musical co uso de atonalidade, aspectos texturais de som e dissonância como ferramentas. Uma influência enorme nesse grupo foi o trabalho de compositores minimalistas como La Monte Young, cuja obra havia deixado uma marca enorme no Velvet Underground uma década antes.

Em 1978, um festival de cinco dias na galeria de arte Artists’ Space, no bairro de Tribeca, serviu como uma das primeiras grandes exposições de artistas da cena no wave. E na plateia estava ninguém menos que Brian Eno, uma das figuras mais importantes da história da música pop, por sua habilidade de aplicar conceitos experimentais em canções acessíveis.

No livro “NO! The Origins of No Wave”, escrito por Marc Masters, uma entrevista de Eno ao jornalista John Rockwell do New York Times é citada:

“As bandas de Nova York partem do princípio de ‘o que aconteceria se’; a coisa dos punks ingleses é mais de sensação. Eu sempre me considerei mais pertencente ao primeiro grupo. Mas existe uma diferença entre eu e as bandas novaiorquinas. O que elas fazem é uma pesquisa em terreno rarefeito; essa gera um vocabulário que pessoas como eu podem usar. Essas bandas de Nova York são como postes de cerca, bem no limite de um território, e dá pra manobrar dentro desse.”

Eno ficou tão cativado pelo que viu nesse festival a ponto de convencer a Island Records a deixá-lo produzir uma compilação de bandas dessa cena. “No New York”, lançado em 1978 para vendas irrisórias, trazia os grupos James Chance and the Contortions, Teenage Jesus and the Jerks, Mars e D.N.A.

O lançamento do álbum serviu para eternizar a cena e a desintegrar, pois a negação de tudo que estava no coração da cena também se aplicava a qualquer promessa comercial e a cenas em si. Como Kim Gordon caracterizou de maneira sucinta em seu livro de memórias, “A Garota da Banda”:

“Como um termo criado por pessoas cansadas do hábito midiático de reduzir qualquer cena ou gênero a um termo curto e grosso, No Wave encapsulava tudo desde cinema, vídeo arte até música underground. Mas isso também fez isso tudo impossível de definir. Basicamente, era anti-Wave, significando que No Wave não pode ser sequer chamado de movimento ou sequer ter um nome.”

Então restou apenas o trabalho mais avant-garde. Compositores como Glenn Branca e Rhys Chatham haviam se inspirado tanto no punk quanto no minimalismo – o segundo estudou com La Monte Young e Phillip Glass – para construir peças envolvendo múltiplas guitarras, incorporando afinações alternativas, modificações a instrumentos e exploração de sobretons e texturas. Era música refletindo a decadência urbana de Nova York e a alienação da população.

E havia dois integrantes na orquestra guitarrística de Branca prestando atenção.

Juventude barulhenta

Thurston Moore cresceu em Bethel, no interior do estado de Connecticut, filho de um professor de música e uma dona de casa. O caçula de três filhos, ele teve sua apresentação ao rock através do irmão mais velho, que trouxe o single “Louie Louie”, do Kingsmen.

Imediatamente Thurston sabia que queria fazer algo com música. Seu começo, contudo, foi hesitante, como ele descreveu numa entrevista ao jornalista Steve Lamacq num painel da Fender durante o The Great Escape Festival 2019:

“Demorou até meus 16 anos, quando descobri Ramones, até eu perceber o que queria: queria tocar guitarra numa banda como aquela. Era a banda que eu achava… eu adorava bandas que vieram antes, seja Zeppelin ou Floyd ou as grandes. Mas eu nunca conseguia me ver atingindo aquele nível de domínio da guitarra. Parecia muito trabalho. Parecia como ir à escola de odontologia, ou coisa assim. De precisar se aplicar por anos até poder subir no palco. Eu queria subir no palco imediatamente”

Lee Ranaldo veio de Long Island e cresceu fã do Grateful Dead. Estudante de artes visuais e cinema na Binghamton University, ele havia se distanciado da música devido aos excessos inerentes ao rock da época, mas foi enfeitiçado pelo punk, especialmente o Television.

Tanto Moore quanto Ranaldo se mudaram para Nova York mais ou menos na mesma época, entre 76 e 77. Entretanto, enquanto Thurston ainda estava engatinhando na sua jornada musical com um grupo chamado The Coachmen, Lee logo entrou para o sexteto de guitarras comandado por Glenn Branca. Os dois se deram tão bem a ponto do compositor fazê-lo seu segundo em comando.

Quando sua banda terminou, como tantos projetos punk, Moore começou a tocar com Stanton Miranda, que estava numa banda com Kim Gordon. 

Gordon era da Califórnia. Era filha de um professor de sociologia da UCLA, fã de jazz experimental da virada dos anos 60, como Archie Shepp e Art Ensemble of Chicago e Don Cherry.

Contudo, Kim não era uma pessoal particularmente musical. Ela havia estudado arte na York University em Toronto, e suas experiência em banda se resumia a brincadeiras com colegas de turma. Apesar disso, sempre esteve nos contornos do punk, seja presenciando o nascimento do hardcore na forma dos primeiros shows do Black Flag na Califórnia. 

Através de um amigo chamado Dan Graham, Kim já estava bem a par da cena no wave antes mesmo de se mudar para Nova York, em 1980. Após períodos indo e voltando da Califórnia até se estabelecer na cidade, Gordon conseguiu um emprego como assistente do então desconhecido Larry Gagosian, hoje um dos maiores merchans de arte do planeta.

Kim e Thurston se conheceram durante o último show dos Coachmen e começaram a namorar logo depois. Ela era cinco anos mais velha, sofisticada e tinha um diploma em arte. Ele era um pivete punk de dois metros de altura que trancou a faculdade enquanto calouro e se mudou para Nova York na esperança de formar uma banda com Sid Vicious.

Os dois formaram uma banda que passou por diversos nomes, incluindo Male Bonding, Red Milk e Arcadians. O primeiro show do grupo, em junho de 1981, ocorreu durante um festival organizado por Moore numa galeria de arte em Nova York. 

O sexteto de Glenn Branca também fazia parte da programação. Moore convidou Ranaldo para tocar com os Arcadians nessa primeira apresentação. O agora trio subiu ao palco sem bateria, tendo ensaiado apenas uma vez, na noite anterior.

O primeiro baterista do grupo, Richard Edson – que mais tarde se tornaria um ator com pontas em vários filmes famosos – foi adicionado à formação e Thurston rebatizou o grupo como Sonic Youth, tomando inspiração no apelido de Fred Smith, guitarrista do MC5, e a moda no reggae de colocar Youth no nome.

Conversando com Michael Azerrad no livro “Nossa Banda Podia Ser Sua Vida”, Gordon falou sobre o nome:

“Foi estranho. Assim que Thurston veio com o nome Sonic Youth, um som que tinha mais a ver com o que queríamos fazer começou a tomar forma.”

Esse som pegava o que Glenn Branca estava fazendo (afinações alternativas, manipulações de instrumentos, drones), misturava com o proto-punk do MC5, Stooges e Television, mais uma pitada de free jazz, pós punk e no wave.

Como fazer amigos e influenciar pessoas

Logo que a formação se estabeleceu, o Sonic Youth assinou um contrato com o novo selo de Glenn Branca, a Neutral Records. Eles gravaram um EP homônimo no qual essencialmente brincavam com seus instrumentos na busca se sons interessantes ao invés de compor canções.

Em “Nossa Banda Podia Ser Sua Vida”, Lee Ranaldo fala sobre esse primeiro lançamento:

“Nosso primeiro disco foi mais um monte de canções que criamos porque tivemos a chance de gravar. Depois disso, entendemos melhor ainda o que queríamos fazer.”

O EP homônimo do Sonic Youth vendeu absolutamente nada e foi ignorado por grande parte da imprensa. Enquanto isso, bandas hardcore de diversas partes dos Estados Unidos começaram a aparecer em Nova York.

Thurston imediatamente ficou cativado pelo som, mas ao mesmo tempo sabia que o Sonic Youth não pertencia àquela cena. Na realidade, o grupo era sozinho. Eles não tinham pares porque não havia ninguém soando remotamente semelhante.

Seus contemporâneos mais próximos eram o Swans, com os quais saíram em algumas turnês miseráveis pelos EUA, mas ainda assim o industrial extremamente pesado e abrasivo do grupo liderado por Michael Gira era de outro planeta comparado ao Sonic Youth.

O desejo de funcionarem como banda e pertencerem a algo maior que eles fez Moore, Gordon e Ranaldo se tornarem seus próprios assessores de imprensa. Os três criaram relacionamentos com outras bandas, com editores de publicações alternativas, selos independentes e pessoas diversas da cena underground.

Edson deixou o grupo logo após o lançamento do EP, e foi substituído por Bob Bert antes das turnês com o Swans. Entretanto, ele também foi substituído por Jim Sclavunos na hora do grupo gravar o disco de estreia, “Confusion is Sex”.

Felizmente para Bert, Sclavunos logo deixou o grupo e eles o chamaram de volta. No ínterim, Moore e Ranaldo encontraram novas maneiras de expandir a paleta sonora do Sonic Youth.

Os dois desde o início faziam uso de afinações alternativas e inserção de objetos como baquetas ou chaves de fenda entre cordas. Só que agora estavam experimentando afinar seus instrumentos de maneira complementar também. Ranaldo descreveu a prática em “Nossa Banda Podia Ser Sua Vida”:

“Eu ficava tocando algo e ele [Moore] escutava, e se tinha algo não soando direito, a gente ajustava até soar harmonicamente agradável. Ou seja lá o que ‘harmônico’ significava na época.”

Por sua vez, Gordon segurava as pontas no baixo em afinação tradicional. Quando a banda começou, ela nunca havia tocado um instrumento, então dependeu de Moore para aprender algumas canções. A partir clássicos punk e discos de reggae, ela estabeleceu um estilo único e minimalista, sem firulas.

O primeiro reconhecimento artístico do grupo em um veículo importante ocorreu quando o lendário crítico Greil Marcus escreveu sobre eles na Artforum. Em “Nossa Banda Podia Ser Sua Vida”, Azerrad citou:

“É como se o Sonic Youth tivesse voltado atrás ao início do processo no qual o mundo se revela como algo além do que é anunciado, como se a banda tivesse descoberto o não mais marginal. O poder do não do Sonic Youth será negligível; poucos escutarão essa música. Contudo, o fato do espírito por trás do ato ainda estar ativo não será.”

Evolução sonora

O Sonic Youth logo chegou à sua sonoridade clássica no disco “Bad Moon Rising”. Thurston Moore e Lee Ranaldo passavam a maior parte dos shows da banda afinando guitarras, então para compensar esse tempo morto, eles começaram a criar composições transicionais usando colagens sonoras e instrumentais.

Em “Bad Moon Rising”, o grupo incorporou isso à duração do álbum, dando uma coerência ao produto final — que, por sua vez, criava paralelos entre a realidade dos Estados Unidos no final do primeiro governo Reagan à escuridão que consumiu o movimento hippie.

Inspirados pelo livro “The Family”, escrito sobre a família Manson por Ed Sanders, e “Helter Skelter”, do promotor do caso, o Sonic Youth criou seu primeiro clássico, “Death Valley ‘69”.

“Bad Moon Rising” foi lançado pela Homestead Records em março de 1985 e ignorado pelas grandes publicações musicais americanas.

Do outro lado do Atlântico, contudo, o Sonic Youth ganhava tração. O boom da música independente estava em pleno vapor no Reino Unido. A banda chamou atenção da imprensa local a ponto de outros artistas barulhentos como Big Black e Butthole Surfers ganharem cobertura pela mera associação. 

Entretanto, Bert estava cansado da estrada e deixou a banda na metade de 1985. Seu substituto, Steve Shelley, convenientemente estava sublocando o apartamento de Moore e Gordon em Nova York.

Shelley vinha de Michigan e tinha uma reputação maior na cena hardcore, tendo tocado com o Crucifucks. Além disso, ele era um excelente baterista, e sua entrada propulsionou a banda para um patamar além musical.

Os dois discos seguintes, “EVOL” e “Sister”, ambos lançados pela SST, representaram um salto criativo por parte da banda. O primeiro foi o trabalho mais melódico lançado pelo Sonic Youth até então, analisando celebridade e a noção americana de glamour em seu esplendor decadente.

“Sister” por outro lado era mais roqueiro, um pouco menos dissonante, com a banda se inspirando na vida e obra de Phillip K. Dick. O futuro sujo do autor apelava ao Sonic Youth em sua descrição de uma distopia tecnocrática onde nada funcionava perfeitamente e pessoas precisavam se virar na base de gambiarras.

Lançado em 1987, o disco foi o momento em que a crítica em geral começou a tomar conhecimento do Sonic Youth. O próximo lançamento deles seria o momento em que se tornariam inegáveis para sempre.

Bem, não necessariamente o próximo. O Sonic Youth em abril de 1988 lançou “The Whitey Album”, no qual faziam covers de Madonna sob a alcunha Ciccone Youth, uma referência ao sobrenome da cantora.

Nação sonhando acordada

Em 1988, os Estados Unidos estavam caminhando na direção de um terceiro governo republicano consecutivo. A aids destruía a comunidade gay e crack deixava a comunidade negra em ruínas. Aqueles no poder não faziam nada, o que em si é um ato político calcado no preconceito contra essas minorias.

Outro autor cyberpunk estava na cabeça do Sonic Youth em meio a esse cenário distópico. William Gibson e sua trilogia do Sprawl, formada por “Neuromancer”, “Count Zero” e “Monalisa Overdrive”. 

Nesses livros, seres humanos nas beiradas da sociedade e máquinas tentavam sobreviver e encontrar significado em meio a um universo em expansão contínua além das suas capacidades. Isso, no âmbito da cultura rock underground, significava cada vez mais algo semelhante ao Sonic Youth.

No livro da coleção 33 ⅓ sobre “Daydream Nation”, escrito por Matthew Stearns, Thurston Moore encapsulou a ideia:

“Uma nova estética de cultura jovem, na qual raiva de desgosto, atributos associados com energia punk, foram substituídos por um brilhantismo mais marginal e viajandão.”

No que diz respeito à música preparada pelo Sonic Youth para o sucessor de “Sister”, isso significava tentar soar mais como seus shows. Bandas passam a carreira tentando replicar em estúdio a qualidade intangível da experiência ao vivo, seja em termos de sonoridade, espontaneidade, ou no caso do Sonic Youth, duração.

Shows do Sonic Youth até então eram marcados por longas jams, durante as quais a banda explorava as canções do disco sendo tocado até seus limites. Alguns amigos próximos, como o vocalista do Black Flag, Henry Rollins, costumava dizer aos integrantes como gostaria de ouvir um álbum refletindo essa busca.

Sob um prazo apertado, a maior parte do que veio a ser “Daydream Nation” foi composto num espaço de ensaio localizado em Mott Street, no bairro de Little Italy. O resto das canções foi escrito no escritório americano da Blast First, até então a distribuidora do grupo na Europa.

O Sonic Youth havia deixado a SST de maneira um tanto acrimoniosa, desconfiados da contabilidade da gravadora chefiada por Greg Ginn. Eles assinaram com a Blast First numa parceria com a Enigma, uma subsidiária da Capitol.

Como nunca fizeram parte de cena alguma, o grupo nunca sentiu a menor pressão para não trabalhar com majors. Além disso, o estado caótico de gravadoras independentes em geral assegurou que o Sonic Youth não se sentisse na necessidade de ser leal.

Artista e chamariz

O Sonic Youth começou a gravar em julho na Greene St. Recording com o produtor Nick Sansano. Ele não tinha a menor experiência com rock; antes, trabalhava com artistas de hip-hop, principalmente Public Enemy. Lee Ranaldo só tinha uma exigência: que sua guitarra sempre estivesse no vermelho em termos de volume.

O disco começa de maneira sutil, com uma guitarra suave tocando enquanto Kim Gordon canta versos inspirados em “We Will Fall”, dos Stooges. Logo, as guitarras aumentam e talvez o maior clássico da banda tem seu início. “Teen Age Riot” era originalmente chamada “J. Mascis for President” — a letra parece imaginar o líder do Dinosaur Jr. como uma espécie de übermensch indie.

“The Sprawl” traz letras de Kim Gordon combinando a obra de William Gibson, suas lembranças de crescer na paisagem de concreto se estendendo além do horizonte em Los Angeles e o livro “The Stars at Noon”, de Denis Johnson. “Hey Joni” vê Ranaldo combinar referências a rock clássico – “Hey Joe” e Joni Mitchell – com mais alusões a “Neuromancer”.

No final, “Daydream Nation” se tornou um LP duplo, encerrado com uma suíte em três partes, algo impensável para uma banda punk até então. Em entrevista ao Moo Kid, Steve Shelley falou sobre a decisão:

“Nós ficamos surpresos com a duração, e foi aí que começamos a tirar sarro de nós mesmos, com ‘The Trilogy’. Estávamos pensando sobre bandas como Yes, Emerson, Lake and Palmer. Álbuns duplos não eram muito parte da nossa cultura, exceto por ‘Zen Arcade’ do Hüsker Dü e ‘Double Nickels on the Dime’ do Minutemen, que foram discos muito importantes pra gente. Mas é claro que somos fãs de ‘Exile On Main Street’ (Rolling Stones) e do ‘White Album’ (Beatles) então nos convencemos que um disco duplo seria ok.”

Para a capa, o grupo selecionou uma pintura fotorrealista de uma vela feita pelo artista alemão Gerhard Richter, chamada “Kerze”. O pintor era um amigo de longa data de Gordon, e ela descreveu em seu livro de memórias “A Garota da Banda” o momento que viu a arte pela primeira vez:

“No estúdio de Gerhard, eu lembro de ver todas suas pinturas de velas. Elas eram lindas, especialmente pela escala, pequeninas, como se desse para pegar uma na mão, meter na bolsa e sumir na noite…. A gente ainda estava pensando em termos de vinil então, e a pintura era do tamanho perfeito para uma capa, um Duchamp prontinho, quase, para entrar no mainstream.”

“Daydream Nation” saiu dia 18 de outubro de 1988 nos Estados Unidos. Não chegou a entrar nas paradas. No Reino Unido, atingiram apenas a 99ª posição. “Teen Age Riot” chegou ao 20º lugar na recém criada Billboard Modern Rock Tracks e se tornou popular em rádios alternativas.

Parte dessa performance comercial se deu porque a Capitol não sabia o que fazer com nada lançado pela Enigma. “Daydream Nation” mal tinha cópias na rua para ser encontrado nas lojas.

Isso, aliado a um lançamento ao vivo feito pela Blast First na Europa sem a autorização da banda, foi a gota d’água. O Sonic Youth cortou relações com a gravadora e assinou com a DGC, chefiada por David Geffen. 

O acordo, negociado sob aconselhamento de Bob Mould (Husker Dü), permitiu ao grupo não só controle criativo total, mas também lhes deu o poder de assinar bandas à gravadora. Afinal, essa era a expectativa de Geffen quando eles assinaram. O Sonic Youth era um grupo bom de ter no rol de artistas pois atraíam outros nomes.

E um dos nomes que eles atraíram foi o Nirvana.

O Sonic Youth continuou reinventando a maneira como imaginamos canções rock até 2011, quando Thurston Moore e Kim Gordon se separaram. O Brasil teve a distinção de presenciar o último show do grupo, durante o Festival SWU. E eles encerraram o set com “Teen Age Riot”, o maior clássico de seu álbum mais icônico.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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