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Entrevista: David Vincent diz que I Am Morbid é melhor que o Morbid Angel atual e alfineta Trey Azagthoth

De volta ao Brasil celebrando 30 anos de "Covenant", ele diz não ter mais contato com o guitarrista: "algumas pessoas priorizam o álcool à música"

David Vincent está prestes a voltar ao Brasil com o I Am Morbid pelo segundo ano consecutivo, desta vez celebrando o 30º aniversário de “Covenant” (1993), terceiro álbum do Morbid Angel. O músico segue firme no propósito de honrar o legado de sua antiga banda, uma das mais aclamadas quando o assunto é death metal – e talvez a única que tenha, de fato, ameaçado o reinado de Chuck Schuldiner e do Death dentro do estilo.

No entanto, o próprio vocalista/baixista é crítico quanto aos rumos que o Morbid Angel tomou na última década (com e sem ele). Não à toa, ele abandonou definitivamente o barco em 2015, colocando um ponto final em sua segunda passagem, marcada exclusivamente pelo execrado “Illud Divinum Insanus” (2011).

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Para continuar na ativa tocando os clássicos do repertório e recuperar um pouco do prestígio que ficou arranhado, David Vincent montou o I Am Morbid. Tal dissidência conta ainda com o baterista Pete Sandoval, que também esteve presente nos tempos áureos da banda e cujos blast beats são um grande chamariz por onde ele passa.

A empreitada vem dando relativamente certo, tendo em vista que hoje em dia a “criatura” excursiona até mais que o “criador”. Enquanto o Morbid Angel atual parece mergulhado num limbo, I Am Morbid se apresenta com frequência ao redor do globo. E, segundo David Vincent, com uma qualidade superior.

“O que temos hoje são duas bandas totalmente distintas. Com setlists completamente diferentes. Sendo sincero, eu diria para as pessoas irem aos dois shows. E aí elas podem se decidir. Mas o que posso garantir é que a qualidade da música é a coisa mais importante para mim.”

Na última turnê, realizada nos Estados Unidos entre março e abril, o Morbid Angel tocou apenas músicas da fase com o vocalista Steve Tucker, que retornou à banda após a saída de Vincent. Em uma das apresentações, mais especificamente em Tampa, na Flórida, o guitarrista Trey Azagthoth chocou a comunidade do death metal ao sofrer um colapso em pleno palco. O show foi interrompido na sexta música.

David Vincent afirma não manter mais qualquer contato com Trey, mas admite estar “ciente” do episódio após assistir a vídeos que se espalharam pela internet. Nitidamente incomodado, ele resumiu o assunto e sua ruptura com o fundador e dono dos direitos sobre o Morbid Angel com uma alfinetada:

“O que eu posso dizer é: todo mundo precisa fazer escolhas na vida. E as pessoas priorizam o que é importante para elas. Infelizmente, algumas pessoas escolhem priorizar o álcool à música. Isso é tudo que tenho a dizer.”

Os 30 anos do “pacto”

Formado em 2016, o I Am Morbid deixou claro desde o início que sua missão seria contemplar ao vivo os quatro primeiros álbuns do Morbid Angel: “Altars of Madness” (1989), “Blessed Are the Sick” (1991), “Covenant” (1993) e “Domination” (1995).

A cada ano, o foco recai sobre um desses discos. Em 2019, a bola da vez foram os 30 anos de “Altars of Madness”. Sem shows em 2020 e 2021 por conta da pandemia do coronavírus, a comemoração do 30º aniversário de “Blessed Are the Sick” ficou para 2022, quando a banda aterrissou pela primeira vez no Brasil.

Agora, na segunda visita ao país, o mote é celebrar “Covenant” (pacto, em tradução livre), que está completando 30 primaveras. Apesar de “Altars of Madness” ser apontado como a obra-prima do Morbid Angel por 8 a cada 10 fãs, o terceiro disco permanece como o maior sucesso comercial da banda, que havia assinado com a Giant, subsidiária da Warner, após o lançamento de “Blessed Are the Sick”.

“É de longe o nosso disco que mais vendeu. Mas acho que cada um deles soa diferente. Isso é algo que sempre buscamos. Nunca quisemos ficar fazendo sempre o mesmo disco. Fizemos algumas coisas novas no ‘Covenant’, que obteve muito sucesso. Já tocamos esse novo set há algum tempo. Estamos excursionando bastante e estivemos em vários festivais de verão na Europa, na Ásia e na Austrália. Agora estamos a caminho de encontrar vocês no Brasil e no restante da América do Sul. Estamos ansiosos!”

Das 10 músicas presentes em “Covenant”, David Vincent conta que “Angel of Disease” é a única que não vem sendo executada nos shows. Trata-se de uma faixa mais “thrashy”, com uma pegada diferente do death metal típico do Morbid Angel, mas, segundo ele, não é esse o motivo para que ela esteja fora do setlist.

“Não fui eu que compus. Eu gravei, mas não compus. E estou focado em tocar o que eu escrevi, então é por isso que essa é a única música que não iremos tocar.

Eu gosto de todas as músicas. Ela é diferente, mas tem outras coisas diferentes também. ‘God of Emptiness’ é diferente. Eu gosto de coisas diferentes. Gosto de ter um leque de opções musicais e poder escolher – completa.”

Dos clássicos ao fiasco

Instigado a arriscar uma espécie de ranking com os primeiros álbuns do Morbid Angel, considerados pedras fundamentais para o desenvolvimento do death metal, David Vincent revelou ter igual apreço por todos e preferiu evitar o desafio:

“Eu poderia tentar ranqueá-los, mas cada um desses discos representa um momento. Quando eu os escuto como ouvinte, percebo, por exemplo, que no ‘Altars of Madness’ éramos garotos. Estávamos bem ensaiados, mas fomos evoluindo com cada novo álbum gravado. Gravávamos, saíamos em turnê, voltávamos para compor novamente e estávamos melhores nos nossos instrumentos. Felizmente, fomos nos tornando músicos melhores. Absorvendo novas influências, escutando coisas novas e vivendo o dia a dia da banda, o que nos dava uma nova inspiração para as coisas que viriam. Então, na verdade, eu não consigo ordená-los ou ranqueá-los. É impossível. Deixo para os fãs decidirem, pois eu amo cada um desses discos.”

Vincent admite, porém, que seu último ato com o Morbid Angel merece o status controverso que tem. Embora tenha ficado satisfeito com seu desempenho enquanto vocalista em “Illud Divinum Insanus”, ele compreende os motivos pelos quais o álbum de 2011 tenha sido massacrado pela crítica especializada e pelos fãs.

“É um disco estranho, sem dúvida. Estávamos todos em uma situação estranha naquele momento. Mas quando se trabalha em uma banda, meu papel como vocalista é fazer o melhor que posso com quem estou trabalhando. E acredito que fiz isso. Me sinto orgulhoso e confiante com o vocal que entreguei naquele disco. Contudo, há coisas esquisitas ali. Soam esquisitas para mim também.”

Planos e a cena death metal atual

David Vincent não descarta gravar material inédito com o I Am Morbid no futuro. No entanto, pondera que não há nada concreto nesse sentido, ao menos por enquanto.

“Começou apenas como uma banda ao vivo, mas já debatemos bastante essa questão recentemente. Vejamos o que acontece. Por agora, não tenho como adiantar nada. Estou sempre procurando coisas novas para fazer, mas também procuro o tempo certo para fazê-las. Tenho muitos projetos. Acabamos de terminar o novo disco (ainda sem nome) do Vltimas, que deve ser lançado no começo de 2024. Pretendo excursionar bastante, então é difícil achar tempo para fazer tudo que quero. O que posso dizer é que sempre estarei atrelado à música. Eu acordo e aí respiro música, me alimento de música e defeco música.”

Mesmo envolvido com as entranhas do mercado musical há mais de três décadas, Vincent conta que se mantém atualizado e ativo quanto às novidades, seja em termos de estilos, bandas e até formas de consumo. Ele chegou a citar Crypta e The Troops of Doom como gratas surpresas brasileiras na cena e ressaltou a importância de se apoiar novos artistas, principalmente adquirindo material físico.

“Eu escuto vários tipos de música. Pessoalmente, é assim para mim. E acho que sempre há espaço para as boas bandas. Gosto de ver as pessoas sendo originais. Tudo bem ser influenciado por alguma coisa, mas tentar soar exatamente igual não é algo que, particularmente, me anime muito. Mas há muitas bandas boas por aí, muita coisa para ouvir. Fico feliz por os fãs de música extrema serem muito leais. Além de ser músico, eu sou um fã de música. Então, eu gosto de ir a shows e ouvir novos lançamentos. E gosto de comprar novos discos. Não apenas ouvir no Spotify. Se eu gosto de alguma coisa, eu compro. Para mim, como fã, é importante apoiar a música que eu gosto. Se alguém apenas ‘rouba’ a música pela internet, as bandas não fazem dinheiro e não vão se esforçar para fazer músicas melhores. Eu sempre compro e encorajo outras pessoas a fazerem o mesmo. Se você é fã de uma banda, é a melhor forma de mantê-la fazendo música. Vá ao show, compre uma camiseta, compre um disco. É o que eu faço.

Há muita gente boa no Brasil. Tocamos com The Troops of Doom na turnê do ano passado. Tem o Krisiun, sou muito fã deles. Eles trabalham duro e tocam no mundo inteiro. São como uma máquina, muito brutais. Me surpreende que não sejam ainda maiores do que já são – acrescenta.”

Algo que não parece empolgar tanto o vocalista é tentar reescrever o passado. Questionado sobre o que pensa a respeito de regravações, como fizeram recentemente os irmãos Max e Iggor Cavaleira com os primeiros registros do Sepultura — “Bestial Devastation” (1985) e “Morbid Visions” (1986) —, Vincent deu sua opinião sincera:

“No meu caso, prefiro deixar como foi feito naquele momento. Eu poderia regravar algo? Claro. Mas por que iria querer isso? Por que mudar o legado da banda, no qual todos já trabalharam duro pra criar esses discos? Se eu fosse regravar o ‘Altars of Madness’ hoje, sabendo tudo que eu sei e tendo todos esses anos de experiência, provavalmente ele iria soar muito diferente. Eu não quero fazer isso. Quero que ele permaneça exatamente do jeito que é. Porque é o reflexo de um tempo. A forma como isso foi capturado é história. E não quero mudar a história.”

Os shows no Brasil

O I Am Morbid fará duas apresentações no Brasil este mês: São Paulo (19/10, no Fabrique Club) e Brasília (20/10, na Toinha). O compromisso em São Luís foi cancelado, já que o festival Maranhão Open Air inteiro caiu.

No ano passado, Brasília, São Luís e Fortaleza estavam na rota da turnê que passaria por sete cidades. Contudo, esses três shows foram cancelados depois que um furacão que atingiu a Flórida atrasou a chegada da banda ao país.

“Foi muito frustrante. Às vezes os fãs ficam pensando que nós cancelamos, mas o que cancelou os shows foi o mau tempo. O aeroporto foi fechado, então não havia como chegarmos ao Brasil a tempo. Fomos para o aeroporto e, chegando lá, disseram que nenhum voo estava decolando. Isso cancelou os primeiros shows da turnê, pois os voos subsequentes também foram cancelados. Não havia uma maneira de chegarmos a tempo. Mas este ano… Bom, aqui na Flórida aparentemente é possível ter um furacão a qualquer momento, mas espero que desta vez nada nos atrapalhe a chegar ao Brasil na data prevista.”

A banda retorna com a mesma formação, que, além de Vincent no baixo e vocal, conta com o baterista Pete Sandoval (Terrorizer) e os guitarristas Richie Brown (ex-Trivium) e Bill Hudson (brasileiro radicado nos Estados Unidos, com passagens pelo Circle II Circle, Doro, Vital Remains, Northtale, entre outros).

“Conheci o Bill alguns anos atrás e gostei dele. Gostei da forma como ele toca. É um guitarrista muito competente. Falamos que deveríamos trabalhar juntos em alguma coisa, escrever algumas músicas. Depois perguntei a ele se estaria interessado em tocar as músicas do Morbid Angel, e ele disse ‘com certeza’. Começamos a trabalhar, e o resto é história. Bill é um ótimo músico e o considero um amigo próximo. Um irmão. Estou feliz de tê-lo conosco nos shows.”

Sobre a presença do velho amigo Pete Sandoval, apontado como um dos criadores do blast beat e que se juntou à banda em 2022, David Vincent é ainda mais efusivo:

“Pete é um ser humano maravilhoso. Ele está tocando melhor do que nunca. Está feliz e superou os problemas de saúde. Fico muito contente de poder dividir o palco com ele atualmente. É uma pessoa única. Ninguém toca como ele. Nunca toquei com ninguém assim. Adoro sua companhia e poder fazer música com ele.”

Ciente de que os anos de ouro do Morbid Angel já foram vividos, Vincent reitera o compromisso com o legado da banda enquanto instituição do death metal e se diz contente por ainda poder aproveitar os pequenos prazeres da estrada, sem deslumbre:

“Hoje em dia, sou grato por tocar ao redor do mundo. Por fazer amigos ao redor do mundo. Já tive experiências incríveis e hoje valorizo mais as pequenas coisas. Por exemplo, ir a um restaurante especial que eu nunca tenha ido antes. Gosto muito do que faço e sou grato por poder fazer isso. Expresso isso fazendo o que faço e sendo honesto e verdadeiro com a minha música. E garantindo que os fãs terão uma performance de qualidade, assim como eu gostaria de ver. Pode acreditar, quando eu olho no espelho, o cara que olha de volta é o crítico mais severo que pode existir. Ninguém pode ser mais crítico do que você mesmo. Eu falo com esse cara no espelho todo dia e ele é meu melhor amigo.”

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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David Vincent está prestes a voltar ao Brasil com o I Am Morbid pelo segundo ano consecutivo, desta vez celebrando o 30º aniversário de “Covenant” (1993), terceiro álbum do Morbid Angel. O músico segue firme no propósito de honrar o legado de sua antiga banda, uma das mais aclamadas quando o assunto é death metal – e talvez a única que tenha, de fato, ameaçado o reinado de Chuck Schuldiner e do Death dentro do estilo.

No entanto, o próprio vocalista/baixista é crítico quanto aos rumos que o Morbid Angel tomou na última década (com e sem ele). Não à toa, ele abandonou definitivamente o barco em 2015, colocando um ponto final em sua segunda passagem, marcada exclusivamente pelo execrado “Illud Divinum Insanus” (2011).

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Para continuar na ativa tocando os clássicos do repertório e recuperar um pouco do prestígio que ficou arranhado, David Vincent montou o I Am Morbid. Tal dissidência conta ainda com o baterista Pete Sandoval, que também esteve presente nos tempos áureos da banda e cujos blast beats são um grande chamariz por onde ele passa.

A empreitada vem dando relativamente certo, tendo em vista que hoje em dia a “criatura” excursiona até mais que o “criador”. Enquanto o Morbid Angel atual parece mergulhado num limbo, I Am Morbid se apresenta com frequência ao redor do globo. E, segundo David Vincent, com uma qualidade superior.

“O que temos hoje são duas bandas totalmente distintas. Com setlists completamente diferentes. Sendo sincero, eu diria para as pessoas irem aos dois shows. E aí elas podem se decidir. Mas o que posso garantir é que a qualidade da música é a coisa mais importante para mim.”

Na última turnê, realizada nos Estados Unidos entre março e abril, o Morbid Angel tocou apenas músicas da fase com o vocalista Steve Tucker, que retornou à banda após a saída de Vincent. Em uma das apresentações, mais especificamente em Tampa, na Flórida, o guitarrista Trey Azagthoth chocou a comunidade do death metal ao sofrer um colapso em pleno palco. O show foi interrompido na sexta música.

David Vincent afirma não manter mais qualquer contato com Trey, mas admite estar “ciente” do episódio após assistir a vídeos que se espalharam pela internet. Nitidamente incomodado, ele resumiu o assunto e sua ruptura com o fundador e dono dos direitos sobre o Morbid Angel com uma alfinetada:

“O que eu posso dizer é: todo mundo precisa fazer escolhas na vida. E as pessoas priorizam o que é importante para elas. Infelizmente, algumas pessoas escolhem priorizar o álcool à música. Isso é tudo que tenho a dizer.”

Os 30 anos do “pacto”

Formado em 2016, o I Am Morbid deixou claro desde o início que sua missão seria contemplar ao vivo os quatro primeiros álbuns do Morbid Angel: “Altars of Madness” (1989), “Blessed Are the Sick” (1991), “Covenant” (1993) e “Domination” (1995).

A cada ano, o foco recai sobre um desses discos. Em 2019, a bola da vez foram os 30 anos de “Altars of Madness”. Sem shows em 2020 e 2021 por conta da pandemia do coronavírus, a comemoração do 30º aniversário de “Blessed Are the Sick” ficou para 2022, quando a banda aterrissou pela primeira vez no Brasil.

Agora, na segunda visita ao país, o mote é celebrar “Covenant” (pacto, em tradução livre), que está completando 30 primaveras. Apesar de “Altars of Madness” ser apontado como a obra-prima do Morbid Angel por 8 a cada 10 fãs, o terceiro disco permanece como o maior sucesso comercial da banda, que havia assinado com a Giant, subsidiária da Warner, após o lançamento de “Blessed Are the Sick”.

“É de longe o nosso disco que mais vendeu. Mas acho que cada um deles soa diferente. Isso é algo que sempre buscamos. Nunca quisemos ficar fazendo sempre o mesmo disco. Fizemos algumas coisas novas no ‘Covenant’, que obteve muito sucesso. Já tocamos esse novo set há algum tempo. Estamos excursionando bastante e estivemos em vários festivais de verão na Europa, na Ásia e na Austrália. Agora estamos a caminho de encontrar vocês no Brasil e no restante da América do Sul. Estamos ansiosos!”

Das 10 músicas presentes em “Covenant”, David Vincent conta que “Angel of Disease” é a única que não vem sendo executada nos shows. Trata-se de uma faixa mais “thrashy”, com uma pegada diferente do death metal típico do Morbid Angel, mas, segundo ele, não é esse o motivo para que ela esteja fora do setlist.

“Não fui eu que compus. Eu gravei, mas não compus. E estou focado em tocar o que eu escrevi, então é por isso que essa é a única música que não iremos tocar.

Eu gosto de todas as músicas. Ela é diferente, mas tem outras coisas diferentes também. ‘God of Emptiness’ é diferente. Eu gosto de coisas diferentes. Gosto de ter um leque de opções musicais e poder escolher – completa.”

Dos clássicos ao fiasco

Instigado a arriscar uma espécie de ranking com os primeiros álbuns do Morbid Angel, considerados pedras fundamentais para o desenvolvimento do death metal, David Vincent revelou ter igual apreço por todos e preferiu evitar o desafio:

“Eu poderia tentar ranqueá-los, mas cada um desses discos representa um momento. Quando eu os escuto como ouvinte, percebo, por exemplo, que no ‘Altars of Madness’ éramos garotos. Estávamos bem ensaiados, mas fomos evoluindo com cada novo álbum gravado. Gravávamos, saíamos em turnê, voltávamos para compor novamente e estávamos melhores nos nossos instrumentos. Felizmente, fomos nos tornando músicos melhores. Absorvendo novas influências, escutando coisas novas e vivendo o dia a dia da banda, o que nos dava uma nova inspiração para as coisas que viriam. Então, na verdade, eu não consigo ordená-los ou ranqueá-los. É impossível. Deixo para os fãs decidirem, pois eu amo cada um desses discos.”

Vincent admite, porém, que seu último ato com o Morbid Angel merece o status controverso que tem. Embora tenha ficado satisfeito com seu desempenho enquanto vocalista em “Illud Divinum Insanus”, ele compreende os motivos pelos quais o álbum de 2011 tenha sido massacrado pela crítica especializada e pelos fãs.

“É um disco estranho, sem dúvida. Estávamos todos em uma situação estranha naquele momento. Mas quando se trabalha em uma banda, meu papel como vocalista é fazer o melhor que posso com quem estou trabalhando. E acredito que fiz isso. Me sinto orgulhoso e confiante com o vocal que entreguei naquele disco. Contudo, há coisas esquisitas ali. Soam esquisitas para mim também.”

Planos e a cena death metal atual

David Vincent não descarta gravar material inédito com o I Am Morbid no futuro. No entanto, pondera que não há nada concreto nesse sentido, ao menos por enquanto.

“Começou apenas como uma banda ao vivo, mas já debatemos bastante essa questão recentemente. Vejamos o que acontece. Por agora, não tenho como adiantar nada. Estou sempre procurando coisas novas para fazer, mas também procuro o tempo certo para fazê-las. Tenho muitos projetos. Acabamos de terminar o novo disco (ainda sem nome) do Vltimas, que deve ser lançado no começo de 2024. Pretendo excursionar bastante, então é difícil achar tempo para fazer tudo que quero. O que posso dizer é que sempre estarei atrelado à música. Eu acordo e aí respiro música, me alimento de música e defeco música.”

Mesmo envolvido com as entranhas do mercado musical há mais de três décadas, Vincent conta que se mantém atualizado e ativo quanto às novidades, seja em termos de estilos, bandas e até formas de consumo. Ele chegou a citar Crypta e The Troops of Doom como gratas surpresas brasileiras na cena e ressaltou a importância de se apoiar novos artistas, principalmente adquirindo material físico.

“Eu escuto vários tipos de música. Pessoalmente, é assim para mim. E acho que sempre há espaço para as boas bandas. Gosto de ver as pessoas sendo originais. Tudo bem ser influenciado por alguma coisa, mas tentar soar exatamente igual não é algo que, particularmente, me anime muito. Mas há muitas bandas boas por aí, muita coisa para ouvir. Fico feliz por os fãs de música extrema serem muito leais. Além de ser músico, eu sou um fã de música. Então, eu gosto de ir a shows e ouvir novos lançamentos. E gosto de comprar novos discos. Não apenas ouvir no Spotify. Se eu gosto de alguma coisa, eu compro. Para mim, como fã, é importante apoiar a música que eu gosto. Se alguém apenas ‘rouba’ a música pela internet, as bandas não fazem dinheiro e não vão se esforçar para fazer músicas melhores. Eu sempre compro e encorajo outras pessoas a fazerem o mesmo. Se você é fã de uma banda, é a melhor forma de mantê-la fazendo música. Vá ao show, compre uma camiseta, compre um disco. É o que eu faço.

Há muita gente boa no Brasil. Tocamos com The Troops of Doom na turnê do ano passado. Tem o Krisiun, sou muito fã deles. Eles trabalham duro e tocam no mundo inteiro. São como uma máquina, muito brutais. Me surpreende que não sejam ainda maiores do que já são – acrescenta.”

Algo que não parece empolgar tanto o vocalista é tentar reescrever o passado. Questionado sobre o que pensa a respeito de regravações, como fizeram recentemente os irmãos Max e Iggor Cavaleira com os primeiros registros do Sepultura — “Bestial Devastation” (1985) e “Morbid Visions” (1986) —, Vincent deu sua opinião sincera:

“No meu caso, prefiro deixar como foi feito naquele momento. Eu poderia regravar algo? Claro. Mas por que iria querer isso? Por que mudar o legado da banda, no qual todos já trabalharam duro pra criar esses discos? Se eu fosse regravar o ‘Altars of Madness’ hoje, sabendo tudo que eu sei e tendo todos esses anos de experiência, provavalmente ele iria soar muito diferente. Eu não quero fazer isso. Quero que ele permaneça exatamente do jeito que é. Porque é o reflexo de um tempo. A forma como isso foi capturado é história. E não quero mudar a história.”

Os shows no Brasil

O I Am Morbid fará duas apresentações no Brasil este mês: São Paulo (19/10, no Fabrique Club) e Brasília (20/10, na Toinha). O compromisso em São Luís foi cancelado, já que o festival Maranhão Open Air inteiro caiu.

No ano passado, Brasília, São Luís e Fortaleza estavam na rota da turnê que passaria por sete cidades. Contudo, esses três shows foram cancelados depois que um furacão que atingiu a Flórida atrasou a chegada da banda ao país.

“Foi muito frustrante. Às vezes os fãs ficam pensando que nós cancelamos, mas o que cancelou os shows foi o mau tempo. O aeroporto foi fechado, então não havia como chegarmos ao Brasil a tempo. Fomos para o aeroporto e, chegando lá, disseram que nenhum voo estava decolando. Isso cancelou os primeiros shows da turnê, pois os voos subsequentes também foram cancelados. Não havia uma maneira de chegarmos a tempo. Mas este ano… Bom, aqui na Flórida aparentemente é possível ter um furacão a qualquer momento, mas espero que desta vez nada nos atrapalhe a chegar ao Brasil na data prevista.”

A banda retorna com a mesma formação, que, além de Vincent no baixo e vocal, conta com o baterista Pete Sandoval (Terrorizer) e os guitarristas Richie Brown (ex-Trivium) e Bill Hudson (brasileiro radicado nos Estados Unidos, com passagens pelo Circle II Circle, Doro, Vital Remains, Northtale, entre outros).

“Conheci o Bill alguns anos atrás e gostei dele. Gostei da forma como ele toca. É um guitarrista muito competente. Falamos que deveríamos trabalhar juntos em alguma coisa, escrever algumas músicas. Depois perguntei a ele se estaria interessado em tocar as músicas do Morbid Angel, e ele disse ‘com certeza’. Começamos a trabalhar, e o resto é história. Bill é um ótimo músico e o considero um amigo próximo. Um irmão. Estou feliz de tê-lo conosco nos shows.”

Sobre a presença do velho amigo Pete Sandoval, apontado como um dos criadores do blast beat e que se juntou à banda em 2022, David Vincent é ainda mais efusivo:

“Pete é um ser humano maravilhoso. Ele está tocando melhor do que nunca. Está feliz e superou os problemas de saúde. Fico muito contente de poder dividir o palco com ele atualmente. É uma pessoa única. Ninguém toca como ele. Nunca toquei com ninguém assim. Adoro sua companhia e poder fazer música com ele.”

Ciente de que os anos de ouro do Morbid Angel já foram vividos, Vincent reitera o compromisso com o legado da banda enquanto instituição do death metal e se diz contente por ainda poder aproveitar os pequenos prazeres da estrada, sem deslumbre:

“Hoje em dia, sou grato por tocar ao redor do mundo. Por fazer amigos ao redor do mundo. Já tive experiências incríveis e hoje valorizo mais as pequenas coisas. Por exemplo, ir a um restaurante especial que eu nunca tenha ido antes. Gosto muito do que faço e sou grato por poder fazer isso. Expresso isso fazendo o que faço e sendo honesto e verdadeiro com a minha música. E garantindo que os fãs terão uma performance de qualidade, assim como eu gostaria de ver. Pode acreditar, quando eu olho no espelho, o cara que olha de volta é o crítico mais severo que pode existir. Ninguém pode ser mais crítico do que você mesmo. Eu falo com esse cara no espelho todo dia e ele é meu melhor amigo.”

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Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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