Sem uma pesquisa mais aprofundada, talvez ninguém conseguisse associar Whitney Houston aos primórdios da cena prog do Reino Unido, no final dos anos 1960 e início dos 70. No entanto, conforme narrado por Dave Everley em artigo para a revista Classic Rock, um cover de uma música dos pioneiros do prog/jazz The Wilde Flowers deu a Houston sua chance como cantora antes de alcançar a fama.
Formado em Canterbury no ano de 1964, o The Wilde Flowers mesclava rock progressivo com jazz, blues e letras bem-humoradas. Durou pouco mais de três anos e, embora fizessem shows regularmente e criassem várias músicas, nunca lançaram nada durante a existência.
Uma das músicas que surgiram foi “Memories”, balada escrita pelo baixista Hugh Hopper — sua segunda composição na vida — e cantada pelo baterista Robert Wyatt. Após o fim do projeto, os músicos integraram grupos como Caravan, Camel e Soft Machine, enquanto Wyatt e o vocalista original Kevin Ayers se tornaram artistas solo.
Foi justamente Wyatt quem lançou a primeira versão oficial de “Memories”, como lado B de seu single de 1974, “I’m A Believer”, em si um cover do hit dos Monkees (uma demo do Soft Machine para “Memories” havia surgido dois anos antes na compilação não oficial de outtakes “Faces And Places Vol. 7”).
Whitney Houston e “Memories”
O registro de Robert Wyatt inspirou outro cover de “Memories”, desta vez da banda de art rock nova-iorquina Material. Fundado em 1978 pelo produtor/baixista Bill Laswell e com a participação do tecladista Michael Beinhorn, o grupo fazia parte do meio artístico pós-punk da gravadora Big Apple.
O terceiro álbum, “One Down” (1982), trouxe a dupla trabalhando com vários músicos, incluindo Nona Hendryx (ex-vocalista do Labelle), Nile Rodgers (guitarrista do Chic) e Bernard Fowler (backing vocal dos Rolling Stones). Escondido no final do tracklist estava um cover de “Memories”, com uma cantora desconhecida de 19 anos chamada… Whitney Houston.
Na vida de Whitney, música vinha de família. Sua mãe era a cantora gospel Cissy Houston e sua tia era ninguém menos que Dionne Warwick. Ela fez backing vocals para Chaka Khan e Lou Rawls. Contudo, “Memories” seria seu primeiro registro como voz principal.
Em entrevista ao The Vermont Review (resgatada pela Classic Rock), Hugh Hopper compartilhou suas lembranças do período.
“Fred Frith, colaborador ocasional de Wyatt, estava trabalhando com Bill Laswell na época e apresentou a versão de Robert a ele. O interessante é que Whitney copia quase exatamente o fraseado de Robert. Para ser honesto, a produção ficou um pouco estranha – o baixo de Laswell está desafinado e Archie Shepp (saxofonista) soa como se eles não tivessem ouvido o original de antemão… mas sim, foi um belo disco para se envolver.”
Repercussão
A canção não causou impacto além dos círculos alternativos da época. Porém, assim como o The Wilde Flowers serviu como ponto de partida para muitas estrelas da cena de Canterbury, as pessoas que tocaram alcançaram feitos muito maiores.
Requisitado no campo experimental, Bill Laswell trabalhou com nomes que vão desde Herbie Hancock e Mick Jagger até Public Image Ltd e Motörhead. Por sua vez, Michael Beinhorn produziu discos de sucesso de nomes como Ozzy Osbourne, Marilyn Manson, Red Hot Chili Peppers, Soundgarden, Hole e muito mais.
E há, claro, Whitney Houston. A jovem cantora, sob orientação do magnata da música Clive Davis, se tornou uma das maiores estrelas dos anos 80 e 90. Faleceu em 2012, aos 48 anos.
A versão do The Wilde Flowers
A versão original do The Wilde Flowers foi finalmente lançada em 1994. Hugh Hopper, que faleceu em 2009, tinha muito orgulho. Só tinha uma reclamação:
“Se Whitney Houston tivesse gravado ‘Memories’ mais ou menos um ano depois, eu seria uma pessoa rica agora.”
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