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Entrevista: Rickey Medlocke fala sobre Lynyrd Skynyrd, Brasil, Blackfoot e ZZ Top

Lendária banda de southern rock retorna ao Brasil após mais de uma década para duas apresentações, em São Paulo e Jaguariúna

Desde a morte do guitarrista Gary Rossington, em março, o Lynyrd Skynyrd lhe faz uma bela homenagem durante os shows — mais especificamente em “Tuesday’s Gone”, clássica balada com melodias caprichadas, quando o último sobrevivente da formação original da banda é retratado em um vídeo no telão. Rickey Medlocke admite que, até hoje, não conseguiu olhar para a tela nesse momento da apresentação.

Também guitarrista, Medlocke tem uma história peculiar com o Skynyrd, que retorna ao Brasil para apresentações em São Paulo (22/09, Espaço Unimed) e Jaguariúna (23/09, Jaguariúna Rodeo Festival). Descendente de nativos americanos, ele fez parte dos primórdios do grupo, como baterista, entre 1971 e 1972. Participou das lendárias sessões no estúdio Muscle Shoals, no Alabama, lançadas posteriormente na compilação “Skynyrd’s First and… Last” (1978). Um ano após sua saída, o Skynyrd estreou com o disco “(Pronounced ‘Lĕh-‘nérd ‘Skin-‘nérd)” (1973) e estourou. Rickey construiu trajetória própria com o Blackfoot, que também conquistou sucesso. Retornou ao Lynyrd em 1996, em substituição a Mike Estes, e não saiu mais.

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Da formação que compõe hoje o lendário grupo de southern rock, Medlocke foi o único a ter feito parte, ainda que brevemente, do chamado período clássico. A era em questão contempla desde a fundação em 1964 ao trágico acidente em 1977, que tirou a vida do vocalista Ronnie Van Zant, do guitarrista Steve Gaines e da backing vocal (e irmã de Steve) Cassie Gaines, além de ter provocado sérios ferimentos nos demais integrantes.

Em entrevista ao site IgorMiranda.com.br, ele confessou que já tinha conhecimento de sua responsabilidade, ao lado de Johnny Van Zant, irmão de Ronnie e também vocalista, na continuidade do grupo sem Rossington. Afinal de contas, o cantor é família e Rickey é o único elo com o passado na formação completa por Michael Cartellone (bateria), Peter Keys (teclados), Keith Christopher (baixo), Mark Matejka e Damon Johnson (ambos guitarra).

“Johnny e eu sabíamos que isso ficaria por nossa conta. Quando Gary faleceu, Johnny e eu ficamos muito tristes, muito próximos de encerrar. Daí, recebemos esses comentários, e-mails e mensagens de texto com as pessoas dizendo: ‘por favor, não deixe que isso seja o fim’. Então, concluímos que poderíamos continuar por um tempo. Foi tudo por causa dos fãs e da música. Os fãs amam a música e isso os faz voltar. Enquanto os fãs continuarem amando a música e se manifestando, ainda estaremos lá.”

Isso, porém, não significa que o Skynyrd atual esteja seguindo em frente como se nada tivesse acontecido. O que nos leva ao aperto no coração de Medlocke com a homenagem a Rossington, exibida noite após noite.

“Gary não está longe de nossos pensamentos, especialmente dos meus e de Johnny. Conhecia Gary desde que ele tinha, sei lá, 15 anos de idade. Toquei na banda com ele duas vezes diferentes. Quando você tem uma história dessas com alguém e de repente essa pessoa nos deixa, isso parte seu coração. Fazemos uma grande homenagem a Gary em nosso telão todas as noites, mas até hoje não consigo ver o vídeo. Não consigo olhar, sabe? Sinto muita saudade. Quando estou no palco todas as noites e olho para lá, sei que ele está lá em espírito, mas sinto falta dele. Provavelmente vou sentir pelo resto da minha vida.”

Sua permanência no projeto, inclusive, tem a ver com uma promessa feita ao amigo de longa data.

“Quando voltei, Gary disse: ‘não tenho mais Allen Collins e você é a coisa mais próxima de Allen que posso conseguir, quer tocar?’. Eu meio que fiz um teste, mas já conhecia todas as músicas, então voltei. Prometi a Gary que estaria lá até que a última nota de ‘Free Bird’ fosse tocada. É isso que estou fazendo. Não vou a lugar nenhum. Posso fazer alguns projetos paralelos aqui e ali — só para ter algo para fazer, porque fico entediado com muita facilidade —, mas o Lynyrd Skynyrd é o meu número um.”

(Mais de) 50 anos de Lynyrd Skynyrd

Em sua atual turnê, o Lynyrd Skynyrd celebra os 50 anos de seu álbum de estreia, o já mencionado “Pronounced”. Rickey Medlocke destacou o quão complicado é montar um repertório que busca celebrar uma marca tão expressiva.

“Johnny gosta de dizer todas as noites: é muito difícil escolher as músicas para um aniversário de 50 anos de banda. Mas sobre montar um setlist… entraram algumas músicas que não tocávamos há algum tempo. As pessoas pediam certas músicas. Formulamos agora um show muito bom, um set muito bom. Para o Brasil, podemos acrescentar uma ou duas músicas, já que não voltamos há cerca de uma década.”

Se as mudanças de repertório acontecerem por aqui, não será por conta do curioso segundo show da passagem pelo país. O guitarrista garante que a apresentação no rodeio de Jaguariúna — criticada desde seu anúncio por fãs de sertanejo nas redes do evento — será como qualquer outra para o experiente grupo.

“Tocamos a mesma coisa aqui na América, no Canadá… nunca mudamos. Não vamos mudar o setlist por ser um rodeio, orientado ao country, sabe? Em essência, o Lynyrd Skynyrd também foi calcado no blues. Sempre achei uma banda mais blues, mas misturada com country e rock. Não mudaremos o que vamos tocar. Chegaremos lá e tocaremos 90 minutos de música do Lynyrd Skynyrd.”

Substituto e obra recente

A vaga de Gary Rossington no Lynyrd Skynyrd já vinha sendo ocupada desde 2021 por Damon Johnson, já que o guitarrista original apresentou uma série de problemas de saúde nos últimos anos. Hoje com 59 anos, Johnson é conhecido no mundo do hard rock por ostentar um currículo expressivo — passado a limpo por Rickey Medlocke, que revelou como se deu o convite.

“Conheço Damon desde o início dos anos 90, quando ele tinha sua banda, Brother Cane. E o vi se juntar a Alice Cooper, Thin Lizzy, Black Star Riders, além de fazer suas próprias coisas. Quando Johnny me ligou e perguntou se eu conhecia alguém que pudesse tocar as partes de guitarra exatamente como Gary, Damon foi o primeiro cara que me veio à mente. A reação de Johnny foi: ‘oh meu Deus, sim, você está certo, pode ligar para ele?’. Sem problema. Liguei, Damon estava livre e pirou com o convite. Ele é fã do Lynyrd Skynyrd a vida toda, inclusive veio do Alabama. Então, ele chegou e fez um trabalho realmente incrível. Ele presta uma verdadeira homenagem a Gary todas as noites.”

Damon, de fato, executa as partes de Gary com perfeição. Estamos falando de uma banda-tributo, algo reconhecido até pelo saudoso membro original em suas últimas entrevistas e nos primeiros movimentos desde o retorno em 1987 — a primeira turnê chegou a ser chamada de “Lynyrd Skynyrd Tribute Tour”. Não quer dizer, contudo, que o grupo não tenha construído vida própria em sua “fase homenagem”. Foram lançados nove álbuns de estúdio entre 1991 e 2012, seis deles com Rickey na guitarra. Qual o melhor deles? O próprio escolhe:

“Sabe, eu realmente amo o álbum ‘God & Guns’ (2009). Provavelmente é meu favorito entre todos esses. Gosto do álbum ‘Twenty’ (1997), aquele que gravei primeiro. Tínhamos algumas coisas muito boas, Gary, Johnny e eu, e Hughie (Thomasson, guitarrista) quando ele estava conosco, e depois outros compositores. Lançamos ‘Edge of Forever’ (1999) e todas essas coisas. Mas o meu favorito no momento, provavelmente, é ‘God & Guns’.”

E já que estamos falando sobre material pós-fase clássica, Medlocke adiantou que o grupo tem pensado em lançar novas canções. Nada de disco completo: o formato deverá ser novamente como single, repetindo a fórmula de “Last of the Street Survivors” (2020).

“Johnny e eu conversamos sobre isso recentemente. Falamos sobre juntar a banda e talvez gravar mais uma ou duas músicas, lançando uma de cada vez. Veremos o que acontece. Não temos planos imediatos, mas já falamos sobre isso, porque temos muitas canções por aí que ainda não foram gravadas. Portanto, fiquem ligados.”

“Pronounced”, Blackfoot e… ZZ Top!

O bate-papo com Rickey Medlocke ocorreu nove dias após “(Pronounced ‘Lĕh-‘nérd ‘Skin-‘nérd)” ter completo seus 50 anos de lançamento. O álbum saiu em 13 de agosto de 1973 e estabeleceu o Lynyrd Skynyrd como grande nome do southern rock, ainda que não tenha sido o pioneiro daquele som tão típico.

Como já citado, Medlocke integrou a banda como baterista em anos anteriores e esteve presente conforme “Pronounced” tomava corpo. O guitarrista deixa claro que ficou muito feliz quando acompanhou o sucesso dos ex-colegas.

“Muitas dessas músicas do ‘Pronounced’, eu já havia gravado com a banda em Muscle Shoals, Alabama. Essas gravações originais sairiam posteriormente no álbum ‘Skynyrd’s First and… Last’, da coleção Muscle Shoals. Quando saiu o ‘Pronounced’, ouvi o que eles estavam fazendo e fiquei muito orgulhoso dos caras. De verdade. E virou um sucesso. Mas eu também sabia, quando deixei a banda naquela época, que meu dia também chegaria.”

Chegou mesmo. E foi com o Blackfoot, criado em 1970 — ou seja, antes da passagem de Rickey pelo Lynyrd —, mas com seu primeiro álbum, “No Reservations”, lançado apenas em 1975. O sucesso levou um tempo para chegar, com “Strikes” (1979), disco que recebeu certificação de platina por ter vendido um milhão de cópias nos Estados Unidos. Ele relembra:

“Foram ótimos tempos. Tivemos três ótimos álbuns lançados: ‘Strikes’, ‘Tomcattin’’ e ‘Marauder’, além de um álbum ao vivo gravado na Europa (‘Highway Song Live’). E sabe de uma coisa? Foi uma ótima carreira. Vendemos muitos discos e fizemos muitos shows ao redor do mundo. Ótimas lembranças. É uma pena que a parte dos negócios tenha atrapalhado, como acontece com muitas bandas. Quem sabe onde estaríamos hoje? Talvez ainda estivéssemos juntos, tocando em estádios. Não sabemos. Mas foi ótimo. Éramos irmãos de estrada, nós quatro, ótimas lembranças.”

Ao relembrar esse período de sua vida, o guitarrista ainda destacou uma memória envolvendo outra banda lendária do rock americano: o ZZ Top, com quem o Skynyrd excursionou recentemente pela América do Norte.

“Eu estava morando no Texas no início e meados dos anos 1970 e os via por lá. Fui apresentado a eles e fizemos shows juntos. Se você ouvir o disco ‘Fandango’ (1975)… o Blackfoot foi a banda de abertura na noite em que tocaram no Warehouse e estavam gravando aquela parte ao vivo do álbum. Então, tenho uma longa associação com Billy Gibbons e os caras. Partiu meu coração saber que Dusty Hill (baixista) faleceu. Você passa por esses altos e baixos em sua vida — acabamos de passar por uma grande crise com a perda de Gary este ano. Mas minha associação com esses caras tem sido longa. E espero que continue sendo, entende o que quero dizer?”

**O Lynyrd Skynyrd se apresentará em São Paulo (22/09, Espaço Unimed) e Jaguariúna (23/09, Jaguariúna Rodeo Festival). Clique no nome de cada cidade para ingressos.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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