O rock’n’roll nasceu no sul dos Estados Unidos, a partir de músicos negros fazendo uma versão ainda mais energética do R&B, misturada com elementos de country. Cantores brancos, também dessa parte do país, deram então ao gênero atenção nacional e depois mundial.
Algo que pertencia a uma região americana agora era do mundo. E como todo movimento pendular, uma nova geração de músicos, armados com uma década de influências nas costas, decidiram ressignificar o rock praticado no sul dos EUA, incorporando soul, psicodelia e funk.
O southern rock foi efetivamente criado pela Allman Brothers Band nos estúdios de Muscle Shoals, no Alabama. Porém, outro grupo que passou anos sendo preterido pelas gravadoras acabou sendo o ato definitivo do subgênero.
Essa é a história do Lynyrd Skynyrd.
Professor babaca
A gênese do que viria a ser o Skynyrd não poderia ser mais americana. Ronnie Van Zant (vocais), Gary Rossington (guitarra) e Bob Burns (bateria) se conheceram jogando baseball em 1964 na cidade de Jacksonville, na Flórida. O primeiro mencionado acertou o terceiro na cabeça com uma bola rebatida e achou a coisa mais engraçada do mundo.
Os três ficaram amigos. Um tempo depois, se viram na garagem da família de Burns tocando “Time Is On My Side”, hit dos Rolling Stones. Ao se julgarem decentes, decidiram formar uma banda.
Eles logo recrutaram o guitarrista Allen Collins e o baixista Larry Junstrom para completar o som. Adotaram uma série de nomes nos primeiros quatro anos de vida.
Primeiro foram My Backyard, mudando depois para The Nobel Five e então The One Percent em 1968. Esse último nome rendeu muitas piadas de pessoas hostis do público, argumentando que o nome era uma referência à porcentagem de talento total da banda.
Finalmente adotaram o nome Lynyrd Skynyrd em 1969, uma referência à canção de comédia “Hello Mudduh, Hello Fadduh”, de Allan Sherman. Na música, tem um personagem chamado Leonard Skinner, o mesmo nome do professor de educação física dos garotos no Robert E. Lee High School.
Skinner era o típico professor babaca, que odiava rock e vivia arrumando encrenca com os garotos por causa do comprimento do cabelo deles. Rossington chegou a abandonar o colégio, de tão cansado que estava de ser perturbado por isso.
Para aumentar a caricatura e criar uma rima, eles adicionaram um “d” no final da segunda palavra. O nome nessa grafia começou a aparecer em 1970, um período no qual eles já estavam estabelecidos como a melhor banda em Jacksonville.
O objetivo seguinte era sair em turnê e eles arrumaram empresários na forma de Pat Armstrong e Alan Walden. A banda também passou por sua primeira mudança de formação, com Junstrom saindo e sendo eventualmente substituído por Leon Wilkeson.
Na época, eles ensaiavam num galpão rural em Jacksonville, apelidado de Hell House pelas temperaturas escaldantes dentro dele a maior parte do ano. Lá, a maior parte do repertório foi composto e aprimorado.
Acordes demais
Um belo dia, Allen Collins chegou na Hell House com uma ideia para uma canção. Isso era raro, pois o guitarrista não havia contribuído muito com composições até então. Gary Rossington gostou da ideia, mas disse que Ronnie Van Zant não curtiu (via Louder):
“Ronnie achava que tinha muita mudança de acorde. Ele disse: ‘Eu não consigo escrever letra pra isso, tem muita coisa acontecendo’. Ele não conseguia entender. Não escutava nada.”
Mesmo assim, Collins e Rossington persistiram com a composição, burilando os detalhes. Um belo dia, a lâmpada acendeu para Van Zant, Rossington continuou:
“Um dia, Ronnie falou, ‘ok, toca de novo’. Ele fez Allen tocar a música um monte de vezes diferentes. E ele finalmente bolou um verso ou uma melodia na cabeça. E começou a praticar aquilo, tocando os acordes do Allen. Ele escreveu a letra deitado no sofá.”
Nascia “Free Bird”, que ao longo de performances ao vivo passou pela metamorfose de ser uma balada lenta para incluir sua coda lendária de guitarras. Entretanto, ainda faltava algo.
Em 1970, em Muscle Shoals, Alabama, o grupo lendário de músicos de estúdio The Swampers, responsáveis por tocar com Aretha Franklin, Wilson Pickett, Percy Sledge e muitos outros, estavam saindo do Fame Studios para montar uma operação própria.
O guitarrista Jimmy Johnson, integrante dos Swampers, recebeu a dica de Alan Walden para conferir o Skynyrd. Ele contou no documentário “Muscle Shoals” que ficou vendido no conceito:
“Nós formamos uma empresa de produção em 69 ou 70. E nosso amigo Alan Walden tinha encontrado essa banda em Jacksonville chamada Lynyrd Skynyrd. Eu fiquei com vontade de gravar aquela banda imediatamente… Eles não tinham dinheiro algum. Eu lembro que eles vinham pra cá e ficavam hospedados em parada de caminhoneiro, onde arrumavam briga com os caminhoneiros por causa do cabelo longo deles. Tudo que eles tinham pra comer era sanduíche de manteiga de amendoim. Adorava aquela banda. Não sabia se seriam um sucesso, mas te falo que se escutar aquelas canções, algumas das melhores que eu já escutei.”
A banda gravou um álbum inteiro em Muscle Shoals que acabou só sendo lançado em 1978. No entanto, durante as gravações de “Free Bird”, o ingrediente que faltava foi descoberto num retorno do almoço, como Johnson contou no documentário:
“Na época a gente tava gravando ‘Free Bird’ e tínhamos feito uma parada pro almoço. Na volta, o engenheiro estava rodando fita, e Billy Powell, que era o roadie, estava no estúdio tocando um piano estilo clássico que todo mundo entrando ficou de queixo caído. Eu olhei pro Ronnie, ele olhou pra mim, e eu falei, ‘a gente precisa gravar a canção com aquilo, não sei quanto a você’. E ele disse: ‘pode deixar.’ Nós botamos ele no disco e ele se tornou integrante da banda em questão de meses.”
Em entrevista ao canal Musicians Hall of Fame & Museum, Johnson contou que as gravações dessa estreia abortada do Skynyrd ocorriam aos fins de semana num estúdio secundário, isso quando a banda podia ir até Muscle Shoals. O processo todo demorou quase dois anos, com 17 canções sendo registradas para serem vendidas a uma gravadora. Ele contou:
“Quando a gente começou a mostrar pras gravadoras, com a tracklist original de 16 ou 17 faixas, todos os selos chiaram com relação à duração das canções. Três minutos e meio era a duração máxima que eles toleravam para um single.”
Os poucos selos que se interessaram pela banda, segundo Johnson, gostavam muito de “Free Bird”, mas queriam uma versão editada para a duração de um single tradicional. O produtor se recusou e o experimento caiu por terra.
A relação entre Johnson e Van Zant também se estremeceu por causa de um engano infeliz. Na entrevista, o guitarrista dos Swampers conta que Alan Walden sem querer havia virado a fita magnética do disco gravado em Muscle Shoals ao contrário, o que fazia a mixagem soar abafada. A maioria das gravadoras havia escutado o álbum soando dessa maneira.
O vocalista do Skynyrd ligou furioso para o produtor, exigindo explicações. Sem saber o que tinha acontecido, Johnson disse que respondeu:
“Se você não gosta dessa mixagem, você não gosta de Lynyrd Skynyrd!”
Os dois ficaram sem se falar por dois anos.
Chutando o produtor pra fora do estúdio
Felizmente para o Lynyrd Skynyrd, em 1972 eles chamaram a atenção de outra figura famosa na indústria musical. Al Kooper, responsável por criar o som de órgão de “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan, e depois integrante do Blood, Sweat & Tears, assistiu a uma performance do grupo em Atlanta e resolveu assiná-los para seu selo Sounds of the South, subsidiário da MCA.
A esse ponto, o repertório do Skynyrd estava polido e afiado após anos na estrada. Eles entraram no estúdio dia 27 de março de 1973, na cidade de Atlanta. O problema que apareceu era relacionado a pessoal. Leon Wilkeson deixou a banda no início das gravações de “Pronounced ‘Leh-‘nérd ‘Skin-‘nérd” por não se sentir confortável com a fama crescente. Para seu lugar, foi recrutado Ed King, ex-guitarrista do Strawberry Alarm Clock.
King na maior parte do disco só reproduziu as partes já compostas por Wilkeson, mas teve a oportunidade de dar sua contribuição quando o grupo resolveu incluir no repertório uma canção composta por Van Zant e Rossington homenageando os conselhos dados pelas mulheres nas vidas dos dois: “Simple Man”.
Curiosamente, como sempre parece acontecer na história do rock, o produtor Al Kooper não gostou da música e foi contra a inclusão dela no disco. Quando ambas as partes se viram num impasse, Van Zant foi com Kooper para fora do estúdio até o carro do produtor, onde o vocalista disse para ele ficar até eles terminarem de gravar a música. “Simple Man” acabou se tornando uma das faixas mais conhecidas do Skynyrd.
“Pronounced ‘Leh-‘nérd ‘Skin-‘nérd” foi lançado no dia 13 de agosto de 1973. A esse ponto, Van Zant, convencido que os talentos de Ed King eram mais bem aproveitados na guitarra – ele viria a compor a introdução do hit “Sweet Home Alabama” – convenceu Wilkeson a retornar, dando ao Skynyrd sua formação lendária com três guitarristas.
A banda ganhou ainda mais exposição nos Estados Unidos graças a “Free Bird” sendo tocada nas rádios e uma posição abrindo para The Who na turnê do disco “Quadrophenia”. Eventualmente “Pronounced ‘Leh-‘nérd ‘Skin-‘nérd” atingiu o 19º lugar da parada americana, vendendo mais de dois milhões de cópias e recebendo dois discos de platina.
O Skynyrd continuou crescendo em perfil ao longo da década de 70, até que um trágico acidente de avião em 1977 matou Van Zant, o guitarrista Steve Gaines – substituto de Ed King após este ter saído em 1975 – e gravemente feriu os outros integrantes.
O Lynyrd Skynyrd permanece fazendo shows até hoje. Porém, conforme reconhecido por Gary Rossington, é uma banda cover de si mesma.
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