A história de James Jamerson, o baixista que o mundo ouviu, mas não conheceu

Músico revolucionário gravou os maiores hits da Motown, mas viveu praticamente no anonimato, com importância reconhecida apenas após sua morte

Quase todo mundo já escutou James Jamerson, ainda que não saiba disso. As linhas de baixo, instrumento que o músico revolucionou nos anos 1960, estão presentes nos maiores hits da Motown e, consequentemente, em algumas das canções mais famosas da história.

“Ain’t No Mountain High Enough”, seja com Marvin Gaye e Tammi Terrell ou na versão das Supremes, com a voz de Dianna Ross, é uma delas. A emblemática “My Girl”, do grupo vocal Temptations, é outra. “For Once in My Life”, que estourou com um ainda jovem Stevie Wonder, também.

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Se nenhuma dessas lhe vem à memória, teremos que recorrer ao principal sucesso de James Jamerson. Digo, Marvin Gaye: “What’s Going On”, faixa-título do álbum lançado em 1971. Sim, a levada sensual e icônica desse clássico atemporal também é do baixista que o mundo ouviu, mas não conheceu.

O que levou um músico tão requisitado, que também gravou com nomes como Joan Baez, Smokey Robinson, Jackson 5, John Lee Hooker, Isley Brothers, Martha and the Vandellas e tantos outros, a viver (e morrer) praticamente no anonimato?

A resposta é relativamente simples: até 1971, a Motown não creditava os músicos de estúdio que participavam de seus lançamentos. Eles eram funcionários que gravavam o material, mas não tinham seus nomes registrados na ficha técnica dos álbuns. Logo, não ganhavam reconhecimento perante o público.

Baixista apócrifo

James Lee Jamerson nasceu na Carolina do Sul, Estados Unidos, em 1936. Desde pequeno, demonstrou paixão e talento para com a música. Em 1954, se mudou com a mãe para Detroit, no estado de Michigan. A cidade seria o berço da Motown, gravadora fundada por Berry Gordy em 1958.

Após um período tocando blues e jazz nos clubes da cidade, Jamerson foi recrutado por Gordy para gravar um dos primeiros lançamentos do novo selo – “Way Over There”, dos Miracles. Pouco depois, foi efetivado como membro da The Funk Brothers, a banda de estúdio oficial da Motown.

Bom compositor e hábil na arte de improvisar, ele virou peça fundamental na engrenagem, como contou o chefão da Motown em 2000, quando o baixista foi incluído no Rock and Roll Hall of Fame:

“Eu, como alguns dos outros produtores da época, jamais faria uma sessão (de gravação) a não ser que pelo menos dois dos Funk Brothers estivessem presentes no estúdio – Benny Benjamin (baterista) e James Jamerson.”

Estima-se que James Jamerson tenha tocado baixo, sem ser creditado, em quase 300 músicas lançadas pela Motown ao longo da década de 1960 e no início da de 1970 – incluindo 23 hits que chegaram ao primeiro lugar geral da Billboard. Se considerado apenas o gênero rhythm and blues, esse número sobe para 56 canções no topo.

Improvisando a revolução

À medida em que foi gravando todo esse material, Jamerson foi também mudando o curso da história do baixo como instrumento musical. Influenciado por baixistas de jazz como Paul Chambers, Percy Heath e Ray Brown, ele nunca se contentou em apenas acompanhar o ritmo da canção. Era necessário ir além.

Em uma entrevista à revista Musician, em 1983 o baixista comentou:

“Me davam uma folha com os acordes para tocar, mas não soava correto para mim. Quando me davam aquilo, eu olhava, mas depois começava a fazer o que eu achava que se encaixaria. Eu ouvia a linha melódica das letras e construía a linha de baixo em torno disso.”

Em diversas canções, Jamerson roubava a cena e colocava o baixo no centro das atenções. Seu estilo revolucionário ajudou a definir o som da Motown, bem como popularizou o baixo elétrico na década de 1960. Seu modelo predileto era o Fender Precision, o qual ele costumava tocar com um único dedo, o indicador, que ganhou até apelido: “The Hook” (o gancho).

A sessão de gravação de “What’s Going On”, em especial, se tornou lendária. Marvin Gaye estava louco atrás de Jamerson para gravar, mas não o encontrava. Perambulou por vários bares até achá-lo completamente bêbado.

Decidido a não abrir mão da genialidade do baixista, o carregou até o estúdio, mesmo sabendo que o colega não conseguiria sequer parar em pé empunhando o instrumento. Jamerson, então, registrou uma de suas obras mais emblemáticas literalmente deitado no chão.

Raro vídeo de performance de James Jamerson

A devida consagração

James Jamerson cortou relações com a Motown em 1973. No início da década de 1980, seu estilo já não era mais tão atraente e foi tido como obsoleto, já que ele relutava em aderir a novas técnicas, timbres e tecnologias.

Com dificuldade para conseguir trabalhos, o baixista se entregou ao alcoolismo. A morte veio em 1983, aos 47 anos, com ele morando em Los Angeles e ainda sem grande notoriedade.

Aos poucos, com os devidos créditos dados pela Motown, a obra de Jamerson foi sendo descoberta e valorizada. O livro “Standing in the Shadows of Motown” (2002), de Allan Slutsky, e um documentário homônimo sobre o The Funk Brothers, contribuíram bastante para o reconhecimento tardio.

Hoje, James é apontado, em retrospecto, como um dos músicos mais influentes e importantes quando o assunto é baixo. Em 2017, ele foi eleito pela revista Bass Player como o maior baixista da história. Em 2020, a Rolling Stone também o elegeu como o número 1 do instrumento em todos os tempos.

A maior honraria, no entanto, talvez venha de outro gênio: Paul McCartney, que nunca hesitou em exaltar Jamerson como sua maior inspiração nas quatro cordas e uma grande influência para os Beatles:

“Quando a banda começou, eu tinha um pouco de conhecimento, mas era muito amador. Comecei a ouvir outros baixistas, Motown… James Jamerson virou meu herói, de verdade. Embora eu não soubesse o nome dele até pouco tempo atrás.”

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Revisa livros das editoras Belas Letras e Estética Torta e edita o Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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