De todos os projetos paralelos e empreitadas solo de músicos ligados ao Deep Purple, talvez nenhum tenha causado tanto estranhamento aos fãs da banda quanto “Play Me Out”, de Glenn Hughes.
Lançado em julho de 1977, o primeiro disco do baixista e vocalista mostra que o soul, o funk e o R&B presentes nos três álbuns que gravou com o Purple — “Burn”, “Stormbringer” (ambos de 1974) e “Come Taste the Band” (1975) — não eram apenas uma viga, mas sim o principal alicerce de seu vasto panorama musical.
Festa estranha com gente esquisita
No verão de 1974, o luxuoso Beverly Wilshire Hotel, na Califórnia, recebeu uma confraternização da pesada: o baterista Keith Moon (The Who), o guitarrista Ronnie Wood (já um agregado dos Rolling Stones), os cantores Harry Nilsson (do hit “Without You”), Iggy Pop e Alice Cooper, além de Glenn Hughes, à época vivendo seu melhor momento profissional como baixista e vocalista do Deep Purple, não obstante a quantidade gigantesca de drogas que consumia.
Lá pelas tantas, uma visita ilustre: Angela Bowie, esposa de David Bowie adentra o recinto, caminha na direção de Hughes e vai direto ao ponto: “Meu marido viu você tocando no [festival] California Jam e quer conhecê-lo”. O Camaleão do Rock estava intrigado: como um sujeito adepto do soul e do funk foi parar numa banda como o Purple?
De uma primeira conversa de aproximadamente quatro horas de duração teve início uma amizade que se estendeu por toda aquela estação e permeou tanto a gravação de “Stormbringer” pelo Purple quanto a de “Station to Station” por Bowie, que chegou a convidar Hughes para cantar no álbum; ideia logo vetada pelo notavelmente protecionista empresariado do Purple.
Camaleão que opera milagres
A negativa não desmotivou David Bowie. Sabendo que Glenn Hughes vinha compondo músicas para um álbum solo, ofereceu-se para produzi-lo.
Quis o destino que a parceria nunca saísse do papel. Contudo, Bowie foi indiretamente responsável pela sobrevida do Deep Purple após a saída do guitarrista Ritchie Blackmore.
Quando Blackmore deixou o Purple em 1975, Bowie persuadiu Hughes a seguir com a banda. Tão logo dividiu com o amigo seus planos de, no lugar disso, reformar o Trapeze — sua banda pré-Purple —, Bowie o convenceu a seguir no grupo e arranjar um guitarrista que fosse o extremo oposto visual e musicalmente de Blackmore.
A Hughes bastou ouvir o que Tommy Bolin era capaz de fazer para decidir ficar no Purple.
Quem paga, decide
Dentro de um ano, quando o Deep Purple se separou em definitivo, Glenn Hughes reavivou a ideia de dar nova chance ao Trapeze, e, ao lado de Mel Galley (guitarra) e Dave Holland (bateria), embarcou numa turnê pelos Estados Unidos. Um novo álbum de inéditas pareceu o passo lógico a ser dado.
Com o trabalho já em andamento, ele bateu o martelo: aquele não seria mais o quarto álbum de estúdio do Trapeze, mas “Play Me Out”, seu primeiro voo solo, o qual vinha planejando desde a época do Purple. Nada mais justo tendo em vista que todas as músicas eram de sua autoria e toda a grana investida na gravação era dele.
Embora não tenham sido dispensados dos serviços, Galley e Holland logo se viram dividindo terreno com outros músicos, entre eles o guitarrista Pat Travers e o futuro baterista do Thin Lizzy, Mark Nauseef.
Músicas para lustrar o chifre
No outono de 1976, Glenn Hughes mudou sua base de operações de Los Angeles para o Air Studios, em Londres, para concluir o projeto. Nessa mesma época, o relacionamento com Vicky Gibbs, que era irmã gêmea da esposa de Ian Paice, baterista do Deep Purple, começou a degringolar.
Lá pelas tantas, ele descobriu, durante uma viagem para a Itália, que sua namorada o havia trocado por Jon Lord, tecladista do Purple. A mágoa, obviamente, serviu de inspiração, como conta em sua autobiografia, escrita com Joel McIver:
“Ainda não tinha escrito as letras das músicas [do ‘Play Me Out’], então comecei a escrever sobre a Vicky. [A letra de] ‘It’s About Time’ diz ‘Volte para mim’. E [a letra de] ‘Destiny’ é tão triste que você pode me ouvir chorando no início da música.”
Drogas? Tô fora! Saí pra comprar…
Composto e gravado num período de dez dias durante o qual Glenn Hughes mal conseguiu pregar os olhos de tanta droga que usou — acréscimos, como sopros e cordas, e mixagem foram feitos mais tarde, em Los Angeles —, “Play Me Out” é amplamente considerado o trabalho mais genial da longeva carreira do cantor e baixista. Curiosamente, ele atribui ao estado alterado da mente parte da responsabilidade por resultado tão acima da média:
“Brian Wilson estava chapado quando gravou o ‘Smile’? Provavelmente. John Lennon e Paul McCartney estavam chapados durante o ‘Sgt. Pepper’s’? Sim, eles estavam. Eu estava completamente fora de mim, mas vocalmente falando, existem coisas sobre-humanas em ‘Play Me Out’ que nunca poderiam ser feitas de novo.”
Embora os mais fanáticos pelo Deep Purple tenham se perguntado “o que diabos é isso?” quando ouviram “Play Me Out”, o LP foi recebido de braços abertos pela crítica. Se os comentários elogiosos feitos por gente como Geoff Barton — a saber, o jornalista que primeiro cunhou a expressão “New Wave of British Heavy Metal” — e Pete Makowski repercutiram em vendas, o próprio Glenn não sabe dizer. Ele comenta:
“Não sei quantas cópias foram vendidas. Só sei que recebo royalties todos os anos.”
Todos pensaram que “Play Me Out” seria uma coisa robusta para Glenn Hughes e que ele seguiria uma ótima carreira solo de sucesso depois do lançamento do disco. Porém, seu vício tinha outros planos.
O que o aguardava na virada para os anos 1980 seriam períodos mais turbulentos, ainda que de qualidade musical inquestionável, como a parceria com o guitarrista Pat Thrall que resultou no álbum “Hughes/Thrall” (1982) e a curta estadia no Black Sabbath cujo único fruto, “Seventh Star” (1986), talvez seja o álbum menos heavy da banda que inventou o metal.
Glenn Hughes — “Play Me Out”
- Lançado em julho de 1977 pela RPM
- Produzido por Glenn Hughes
Faixas:
- I Got It Covered
- Space High
- It’s About Time
- L.A. Cut Off
- Well
- Soulution
- Your Love Is Like a Fire
- Destiny
- I Found a Woman
Faixas bônus do relançamento de 1995:
- Smile
- Getting Near to You
- Fools Condition
- Take Me with You
- She Knows
Músicos:
- Glenn Hughes (voz, baixo, guitarra, violão, piano, mini-Moog, clavinete)
- Mel Galley (guitarra)
- Bob Bowman (guitarra)
- Pat Travers (guitarra)
- Dave Holland (bateria)
- Terry Rowley (piano)
- Robert Bailey (piano)
- Ron Asprey (saxofone)
- Henry Lowther (trompete)
- Mark Nauseef (percussão)
- Liza Strike, Joy Wright, Helen Chappelle (backing vocals)
- Tim Gehrt (bateria nas faixas 11 e 12)
- Marc Bonilla (vários instrumentos na faixa 13)
- Bruce Gowdy (vários instrumentos na faixa 14)
- Ron Aspery (arranjo de trompas)
- Graham Prescott (arranjo de cordas)
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Ótimo disco!
E dois comentários: Hughes & Thrall é fantástico, e Seventh Star um petardo!