Não precisou mais de duas músicas para o Fear Factory provar que acertou na escolha do novo vocalista. Ao menos assim indicou a reação frenética do público no Fabrique Club, em São Paulo, à exibição do empolgado Milo Silvestro na noite que marcou o retorno do influente grupo americano ao Brasil após quase oito anos.
O Fear Factory passou por uma briga judicial pelos direitos de seu nome, interrompendo suas atividades na estrada por quase sete anos. De sua formação clássica, só sobrou Dino Cazares, um dos guitarristas que revolucionou o som do instrumento no metal dos anos 1990 ao lado de nomes como Tommy Victor (Prong), Tom Morello (Rage Against the Machine) e Dimebag Darrell (Pantera).
Apesar de tocar no modesto Fabrique Club, com capacidade de aproximadamente 600 pessoas, a casa esteve abarrotada para receber o renovado grupo numa fria noite de terça-feira (6), que ainda teve duas bandas de abertura, as paulistas Skin Culture e Korzus.
Skin Culture agrada, mas não anima
Celebrando 19 anos de carreira, o Skin Culture iniciou os trabalhos da noite pontualmente às 19h30. O som do grupo, bem calcado no metal que dominava o mainstream na virada do século – com bastante groove, riffs pesados e afinações baixas –, combinou com a atração principal.
Por quase 40 minutos, o quarteto executou composições de seus três discos mais recentes, abrindo com o thrash vigoroso “Fall on Knees”, do álbum “Lazarus Eclipse” (2019), do qual também saiu a música que fechou a apresentação, “Suicide Love”. A faixa “Bring me Back to Life”, de “Murdernation” (2015), foi dedicada ao ex-baixista da banda, Gabriel Morata, e o ex-empresário, Silvio Palmeira, ambos falecidos durante a pandemia de Covid-19.
O público, ainda em processo de aquecimento, não atendeu aos vários pedidos do vocalista Shucky Miranda por rodas de mosh. Para olhares contemplativos e reação pouco entusiasmada, os arranjos intrincados foram executados pela guitarra de Fred Barros e pelo baixo de Diego Santiago, acompanhados nessa noite por Chris Oliveira, filho de Rodrigo Oliveira, baterista do Korzus que tocaria na sequência no mesmo monstruoso kit.
*Fotos de Gabriel Ramos / @gabrieluizramos. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório:
- Fall on Knees
- Supernatural Catastrophic
- Breathing Sulfur
- Set Me Free (com Sergio Ogres, da banda Punição)
- Bring Me Back to Life
- An Ocean of Lamentations
- Devil 19
- Suicide Love
Correndo parado, Korzus esquenta público
Com o kit gigante de bateria de Rodrigo Oliveira sobreposto ao instrumento da banda principal da noite, mal sobrou espaço para o Korzus se movimentar no palco durante seus 40 minutos de apresentação.
Após um relativamente longo tema de introdução, a clássica banda paulistana de thrash metal iniciou seu animado show com “Guilty Silence”, de “Ties of Blood” (2004), para um público que já respondia mais entusiasmado aos chamados do vocalista Marcello Pompeu. Fizeram até um “olê olê olê, Korzus, Korzus” a seu pedido.
O repertório foi focado nos álbuns lançados neste milênio, o já citado “Ties of Blood” e “Discipline of Hate” (2010). Ao tocar as duas músicas mais antigas do repertório – ambas extraídas de “KZS” (1995) –, a banda dedicou “Beware” ao pessoal que frequentava o Black Jack, extinta casa de shows na zona sul paulistana. Talvez a noite de público mais “noventista” não fosse tão adequada para executar “Guerreiros do Metal”.
Mesmo com o baixista Dick Seibert e os guitarristas Heros Trench e Antonio Araújo presos em seus respectivos pedacinhos do palco, o público cantou animado refrãos de músicas como “Raise Your Soul” e “What Are You Looking For”. Além disso, abriram tímidas rodas ao longo da curta apresentação, que se encerrou adequadamente com “Correria” e alguma pancadaria recreativa.
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Repertório:
- Guilty Silence
- Raise Your Soul
- You Can’t Stop Me
- Never Die
- Beware
- NameSake
- What Are You Looking For
- Discipline of Hate
- Truth
- Correria
Fear Factory: preciso na execução, atrasado na entrada
Quando se aproximava das 21h30, horário marcado para o início da apresentação do Fear Factory, a bateria de Rodrigo Oliveira mal havia terminado de ser desmontada e retirada do palco. Era um indicativo de um atraso a caminho, que durou quase meia-hora.
Sob o tema instrumental de “Exterminador do Futuro 2” – uma das camisetas do Fear Factory à venda estampava Arnold Schwarzenegger –, os músicos entraram um a um no palco. A maior ovação foi destinada ao guitarrista Dino Cazares, como esperado para o único membro da formação clássica do grupo presente nesta noite.
Ao longo da apresentação, Cazares teve exibição de um autêntico líder de banda: correu o palco empolgado, fez seus backing vocals, cantou refrãos junto com o público, introduziu músicas e músicos. E, claro, seu timbre inovador de guitarra esteve lá com a precisão robótica dos riffs, conseguindo manter um certo tom futurista da sonoridade do Fear Factory mesmo executando canções que, em sua maioria, passam dos vinte anos de idade.
Cazares veio acompanhado do baterista Pete Webber (também responsável pelas baquetas na banda de thrash metal Havok), marcando com peso e correção o tempo das músicas, e do baixista Tony Campos, membro clássico do som industrial do influente Static-X, com seu jeitão de tiozão “cool” contemplando o público enquanto segurava o groove sob os riffs marcados do guitarrista.
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Aprovação imediata
Mas os olhares da noite, obviamente, estavam no substituto do icônico vocalista Burton C. Bell. Se havia alguém desconfiado da capacidade do italiano Milo Silvestro para assumir o microfone principal, não pareceu terem sobrado dúvidas depois da reação frenética do público à dupla de abertura da noite, “Shocker” e “Edgecrusher”, dupla de “Obsolete”, disco que completa 25 anos em 2023.
O som rolou ao longo de uma hora e vinte, sem interrupções e ainda sem novas canções gravadas com o novo vocalista. Onze das dezessete músicas executadas vieram de seus quatro – e clássicos – primeiros álbuns.
Apesar de queda de ânimos causada por “Disruptor”, faixa do mais recente disco “Aggression Continuum” (2021), outras extraídas de trabalhos menos festejados tiveram boa recepção do público, como “Soul Hacker”, de “Genexus” (2015), e “Recharger”, originalmente de “The Industrialist” (2012), álbum relançado este ano com bateria regravada e sob o nome de “Re-Industrialized”.
Os fãs que encheram a pista do Fabrique Club, no entanto, exaltavam-se mesmo quando as músicas da quadra inicial da carreira do Fear Factory eram executadas, como na sequência de “Linchpin”, de “Digimortal” (2001), “Descent”, do já citado “Obsolete”, e “What Will Become”, também de “Digimortal”, marcando a metade da apresentação e renovando o fôlego do público, que pulava e berrava sem parar.
Após a boa resposta do público ao refrão de “Archetype”, puxado pelo empolgado Dino Cazares na única faixa executada do disco homônimo lançado em 2004, fase da banda sem ele ou outro membro da banda presente em São Paulo, deu-se início à arrasadora sequência final do show.
Final avassalador
Como anunciou Silvestro, “no more fucking around”. E veio “Demanufacture”, faixa-título do principal álbum do grupo, de 1995, seguida por uma introdução da banda antes das clássicas “Zero Signal” e “Replica”, do mesmo disco. Quando Dino Cazares anunciou seu novo vocalista, não mais um “new kid on the block”, mas, em referência a Rocky Balboa, um “garanhão italiano”, a aprovação foi unânime.
Cantando na maior parte do tempo agachado e se reconhecendo como um igual ao lado dos fãs da banda, o vocalista italiano em alguns momentos pareceu ficar com a voz desgastada. Seria natural em sua primeira turnê de grande porte na carreira, ainda mais encarando voos e mudanças bruscas de temperatura na América Latina.
No final do show, porém, Silvestro ainda tinha toda a potência necessária para interpretações irrepreensíveis em “Martyr” e “Scapegoat”. As duas faixas de “Soul of a New Machine”, disco de estreia do Fear Factory lançado em 1992, foram dedicadas aos membros do Cavalera e do Sepultura, reconhecendo a importância dos brasileiros no início de carreira da banda.
A noite se encerrou com “Ressurrection”, faixa mais introspectiva de “Obsolete”. Se a intenção de Dino Cazares foi terminar a apresentação do renascido Fear Factory com foco na interpretação de seu novo vocalista, funcionou. O público saiu do Fabrique com expectativa em alta para conferir se a banda mantém o padrão em um trabalho futuro.
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Repertório – Fear Factory:
- Shock
- Edgecrusher
- Recharger
- Dielectric
- Soul Hacker
- Powershifter
- Disruptor
- Linchpin
- Descent
- What Will Become?
- Archetype
- Demanufacture
- Zero Signal
- Replica
- Martyr
- Scapegoat
- Resurrection
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