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Titãs celebram a vida e o prazer de tocar juntos em 1º show de reunião

Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro, recebeu apresentação de duas horas que serviu para mostrar: com os Titãs juntos, a vida não parece, ela é uma festa

As sete cabeças titânicas não se reuniam em um mesmo palco há 31 anos. Tony Bellotto, Sérgio Britto, Charles Gavin, Nando Reis, Paulo Miklos, Branco Mello e Arnaldo Antunes – com o auxílio luxuoso de Liminha, produtor de vários álbuns importantes do grupo e do pop-rock nacional, preenchendo o vazio deixado pela precoce morte de Marcelo Fromer, em 2001 – deram o pontapé inicial na turnê “Titãs Encontro” em uma Jeunesse Arena lotada.

As cerca de 16 mil pessoas não economizaram na vontade de se divertir, cantar junto e celebrar esse (re)encontro.

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*Fotos de Paty Sigiliano / @paty_sigilianophotos. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Os Titãs foram, de 1986 até 1997, a banda mais instigante do rock nacional. Nunca se prendendo a gêneros específicos, aglutinavam ideias e influências, que passeavam por uma grande variedade de ritmos como MPB, reggae, punk rock e até o famigerado grunge.

Esse caldeirão angariou tanto o respeito e respaldo da crítica especializada, quanto o acolhimento do público. O que poderia ser complicado e difícil – manter 8 cabeças pensantes em união – foi sempre utilizado para o benefício da música, vista como seu maior bem.

Ainda assim, essa poderosa democracia forjada pela amizade não ficou imune às intempéries de uma longa jornada. As subsequentes saídas, iniciadas em 1992 com Arnaldo, deixaram o outrora povoado grupo, reduzido a um esquálido e combalido trio composto por Britto, Bellotto e Branco.

Mas quando as oito silhuetas se colocam lado a lado, na passarela atrás da bateria, em contraste com o telão branco, todos esses anos de história são postos de lado, e um sonho se materializa. Seja para quem não os encontrava há mais de 31 anos, seja para quem nunca os viu, aquelas silhuetas provocam arrepios emocionados.

Diversão e distribuição

Aos primeiros sinais da introdução pré-gravada de “Diversão”, o público explodiu e a festa começou. E para que uma festa funcione, é necessário que os promotores da mesma proporcionem o melhor ambiente possível para seus convidados. Quer um ambiente melhor do que um repleto de muita música e sorrisos? Sorrisos foi exatamente o que não faltou, sendo distribuídos em larga escala entre esses velhos amigos. Diversão é a solução, sim.

Cada um tomou sua posição, como nos velhos tempos, mas de forma nova.

  • No fundo e ao centro, o metrônomo Charles Gavin, dirigia as batidas como um mestre zen: concentradíssimo e imperturbável, sem esboçar um sorriso sequer. Lembrou Neil Peart, falecido baterista do Rush, que também possuía semblante austero ao empunhar as baquetas.
  • Ao lado direito do palco, sobre uma plataforma, Arnaldo Antunes e Branco Mello, distribuíam sorrisos e suas idiossincráticas coreografias.
  • À frente deles, o carismático guitarrista Tony Bellotto revezava suas Les Pauls, Flying Vs e Explorers enquanto cuspia riffs e licks clássicos.
  • Lado esquerdo, traz Nando Reis de volta ao baixo. E que baixo! Forte, poderoso, com groove e ataques que fizeram muita diferença na argamassa sonora.
  • Atrás dele, sobre uma pequena plataforma, Paulo Miklos, além dos backings, empunhou sax quando foi necessário.
  • Colado nele, em uma plataforma maior, Sérgio Britto comanda os teclados e backings.
  • Em sua frente, Liminha, com sua Telecaster, reproduzia, adicionando seu toque pessoal, as partes de Fromer. Não havia melhor pessoa para honrar essa vacância, afinal, ele já havia empunhando violão no “Acústico MTV”, sentado exatamente ao lado de Marcelo.
  • O centro do palco fica reservado ao rodízio de cantores.

*Fotos de Paty Sigiliano / @paty_sigilianophotos. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

O contestatório primeiro ato

O show se desenrola em três atos. O primeiro nos leva a um passeio por músicas fortes e de teor mais contestatório/político como “Lugar Nenhum”, “Desordem” (“Quem quer manter a ordem?/Quem quer criar desordem?”), “Igreja” (“Eu não gosto do Papa/Eu não creio na graça/Do milagre de Deus/Eu não gosto da igreja”), “Estado Violência” (“Estado hipocrisia/A lei que não é minha/A lei que eu não queria”) e “Nome aos Bois” (a inclusão de um, agora, ex-presidente foi muito bem sacada por Nando que ainda viria a comentar “a gente fez o que tinha que ser feito”).

Mesmo na animada “Homem Primata” há um recado: “Você vai morrer/E não vai pro céu/É bom aprender/A vida é cruel/Homem primata/Capitalismo selvagem”. Apenas uma das canções apresentadas nesse ato não foi extraída da trinca de álbuns clássicos (“Cabeça Dinossauro”, “Jesus Não tem Dentes no País dos Banguelas” e “Õ Blesq Blom”) produzida por Liminha: “Eu Não Sei Fazer Música”, do “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, último álbum a contar com Arnaldo.

O primeiro momento emocionante, que atesta a grande celebração da vida, da amizade e da história da banda como grande motivo da turnê, vem de Branco ao relatar sua cirurgia para a retirada de um tumor na faringe. A consequência disso é ouvida por todos: sua nova voz se tornou um sussurro rouco. Um sopro de vitalidade que extrai palmas e gritos de “Branco, Branco, Branco!”. A superação estampada em seu rosto se estende aos dos amigos, que o abraçam e apoiam.

Não há nada, em cima do grandioso palco com três telões, que indique uma banda executando um show movida apenas pelo dinheiro fácil gerado pelas voltas de formações clássicas. Pelo contrário! Os sorrisos seguiriam espontâneos até o final da apresentação. Mesmo os erros imperceptíveis a maior parte do público, ao invés de gerarem tensão, provocam risadas. Eles se abraçam, beijam as mãos, trocam olhares afetuosos, tudo pelo prazer de dividirem o palco mais uma vez.

A nonsense faixa-título de “Cabeça Dinossauro” e sua piração percussiva colocam um fim a este primeiro ato. Logo o segundo viria.

O emocionante segundo ato

Luzes apagadas, movimentação no palco. Um interlúdio com cenas do documentário “A Vida Até Parece Uma Festa” serve para a equipe montar um pequeno palco com cadeiras, kit reduzido de bateria e teclados diferentes, todos alinhados em uma reprodução do que foi feito no “Acústico MTV”.

Ao aparecer nos telões, falando com Sérgio a respeito da música que viria a ser entoada em seguida, Marcelo Frommer é ovacionado. Luzes acesas, Britto pede para que as luzes sejam novamente apagadas e que todos acendam seus celulares. Não precisa pedir para cantar junto aquela que se tornou um dos maiores sucessos após o período de ouro: “Epitáfio”. Impossível não pensar na prematura partida do guitarrista, atropelado por um motoqueiro, quando os versos “O acaso vai me proteger/Enquanto eu andar distraído” ecoam pelas paredes concretas da arena.

Há duas cadeiras vazias. Uma, seria ocupada por Arnaldo, que já havia deixado os companheiros quando da gravação do “Acústico MTV”; a outra, uma homenagem ao falecido guitarrista. “Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus” – esta, repaginada para o “Acústico” na voz de Miklos, era cantada originalmente por Nando com levada reggae – deram sequência a cantoria mais tranquila e ‘família’ desse ato. Arnaldo retorna trazendo uma convidada especial. Alice Frommer, filha de Marcelo, canta com ele as deliciosas “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. Belíssima homenagem. De arrepiar.

A iluminação dá contornos especiais a cada nova música e ato, combinando dramaticidade, explosões de cores ou apenas acentuando particularidades sonoras. Os Titãs sempre tiveram uma acentuada preocupação estética em seus shows, o que produziu belos espetáculos ao longo dos mais de 40 anos de grupo. Esse não seria diferente.

O celebratório terceiro ato

Fim do segundo ato. Enquanto a equipe técnica desmonta, Nando se direciona ao microfone central. “Marvin”, versão para “Patches” do grupo de soul setentista Chairmen of the Board, não rompe o clima e mantém todos cantando as agruras de um jovem órfão.

Esse terceiro ato se caracteriza por dar sequência ao anterior com músicas mais pops/populares e de clima um pouco mais lento, como “Go Back” (“uma das músicas que compus bem novo e ainda uma das que mais gosto do nosso repertório”, diria um Sérgio Britto em tom saudoso) e “É Preciso Saber Viver”, dedicada por Paulo ao saudoso gigante gentil, Erasmo Carlos, compositor da música ao lado de Roberto Carlos.

O ritmo começa a mudar com o rock transitório de “32 Dentes”. Daqui em diante, é o rock que predomina e o show é finalizado com uma sequência fulminante de “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos”.

Um dos pontos que poderá ser melhorado conforme os shows forem se sucedendo, é o tempo entre as músicas. Em alguns momentos, fossem esses espaços menores, algumas sequências causariam maior impacto. Por enquanto, isso deixou a cadência do show sem uma fluência constante.

*Fotos de Paty Sigiliano / @paty_sigilianophotos. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Mas a pausa para o bis é praxe – aquela parada programada em que quase ninguém pede por um retorno, exatamente por saber que esse virá. Tá no roteiro.

Eu vi os Titãs e eles eram sete

Coube a “Miséria” irromper o silêncio. A combinação das vozes de Paulo e Sérgio, sobrepostas ao poderoso groove do baixo de Nando com a bateria de Charles e as excelentes programações eletrônicas, a transformam em uma das melhores músicas já compostas no rock nacional (“riquezas são, miséria é”). A melodia ingênua e sacolejante de “Família” e o primeiro hit, do longínquo 1984, “aquela que tocou em todos os motéis”, segundo Miklos, “Sonífera Ilha”, finalizam em clima pop pra cima.

Impossível pensar nos Titãs e não relembrar, tal qual um filme, toda a trajetória desde as primeiras aparições em programas de auditórios, com os ternos coloridos e coreografias ensaiadas, passando pelos álbuns e apresentações clássicas até a perda de interesse por uma banda que foi deixando de provocar corações e mentes. Impossível, também, não se colocar no lugar de cada um deles ali, na enormidade desse novo palco, e não sentir a alegria e a vontade de fazer o que sempre fizeram de melhor: cantar e tocar a todos que sempre os assistiram.

Os sorrisos estampados tanto em quem estava no palco – exceto no concentrado Charles – quanto na plateia, atestam um show que vai muito além da música. É para guardar e rememorar, sempre que possível, junto aos amigos: eu vi os Titãs e eles eram sete.

*Fotos de Paty Sigiliano / @paty_sigilianophotos. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Titãs – ao vivo no Rio de Janeiro

  • Local: Jeunesse Arena
  • Data: 28 de abril de 2023
  • Turnê: Titãs Encontro

Repertório:

Elétrico parte 1:

  1. Diversão
  2. Lugar Nenhum
  3. Desordem
  4. Tô Cansado
  5. Igreja
  6. Homem Primata
  7. Estado Violência
  8. Pulso
  9. Comida
  10. Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas
  11. Nome aos Bois
  12. Eu Não Sei Fazer Música
  13. Cabeça Dinossauro

Acústico:

  1. Epitáfio (sem Arnaldo no palco)
  2. Cegos do castelo (sem Arnaldo)
  3. Pra Dizer Adeus (sem Arnaldo)
  4. Toda Cor (volta Arnaldo com a Alice Frommer)
  5. Não Vou me Adaptar (com Alice e Arnaldo)

Elétrico parte 2:

  1. Marvin
  2. Go Back
  3. É preciso saber viver (cover de Erasmo Carlos)
  4. 32 Dentes
  5. Flores
  6. Televisão
  7. Porrada
  8. Polícia
  9. AA UU
  10. Bichos Escrotos

Bis:

  1. Introdução por Mauro e Quitéria
  2. Miséria
  3. Família
  4. Sonífera Ilha

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Claudio Borges
Claudio Borges
Jornalista, DJ, Produtor, Apresentador, Editor e o que mais ele encontrar pelo caminho da música. Descobriu Rock em 1982 e só ampliou gosto e conhecimento. Começou a tocar bateria aos 16 anos e guitarra aos 17.

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