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Entrevista: Líder do Unknown Mortal Orchestra fala de “V”, música havaiana, Caetano e família

Ruban Nielson se abre sobre influência familiar em "V", do estilo de tocar ensinado pelo tio e histórias contadas pela mãe à participação do pai e do irmão

Quando Ruban Nielson postou “Ffunny Ffriends” anonimamente no Bandcamp em 2010, não imaginava que se tornaria um músico reconhecido internacionalmente. O vocalista e multi-instrumentista fez a canção apenas com o intuito de compor algo, após o fim de seu grupo anterior, The Mint Chicks.

Corta para 2023. O projeto, batizado Unknown Mortal Orchestra logo após essa primeira canção ganhar atenção de blogs e sites, acaba de lançar seu quinto álbum, “V” (clique para ler resenha), através do selo Jagjaguwar.

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“Eles não merecem”

O trabalho foi gravado ao longo do período da pandemia entre a cidade de Palm Springs e o Havaí. Ruban Nielson mostrava tanta confiança com o resultado que, em novembro, resolveu publicar no Twitter:

“Eu fiz meu melhor álbum esse ano, mas eu seriamente olho para o mundo a cada disco e mais e mais penso ‘eles não merecem’.”

A lembrança desse tweet no início da entrevista para o site fez o músico cair na gargalhada. “V” é um disco duplo no sentido clássico, com dois LPs e quatro lados bem definidos, mas uma corrente flui por tudo: a influência de música havaiana, especificamente hapa haole, cantada em inglês.

Contudo, segundo Nielson, não é um caso simples de ter descoberto ou revisitado esse tipo de música:

“Eu sempre pensei que pessoas mais ligadas à musicologia iriam começar a perceber os elementos havaianos na minha música. Muitas partes de guitarra desde o primeiro disco são baseadas em coisas que eu aprendi com meu tio, que tocava slack key. Ele me ensinava algo e eu criava um som em volta disso.”

Slack key é um estilo musical desenvolvido no Havaí no final do século 19, quando marinheiros portugueses apresentaram violões clássicos aos locais. Nielson ressaltou a influência musical do Kalama’s Quartet, grupo dos anos 1920 que ficou famoso por introduzir harmonias cheias de falsete. 

Ele disse que a influência do grupo lhe deu a ideia de cantar em registros diferentes no Unknown Mortal Orchestra, além de mudar fundamentalmente como tocava guitarra:

“Parei de usar palheta. Comecei a dedilhar por estar aprendendo todas essas coisas do meu tio. Essas técnicas de slack key. Então sempre foi uma parte do som e naturalmente alguém iria apontar. Mas ninguém apontou. Eu talvez tenha subestimado o quão obscura música havaiana é. Todo mundo reconhece a guitarra slide, estilo ‘Bob Esponja’, faz parte da cultura pop americana através de filmes do Elvis, mas os aspectos mais profundos não são tão bem conhecidos.”

De Lulu a Caetano

O tio em questão que ensinou Ruban Nielson a tocar slack key foi a principal razão pela qual as gravações de “V” ocorreram em parte no Havaí. Ele ficou doente e o músico ajudou sua mãe e outro irmão dela a se mudarem para as ilhas e ficarem próximos da família.

Se você escuta “V”, dá pra ouvir uma semelhança de longe com artistas brasileiros como Lulu Santos, em grande parte pela influência da música havaiana em alguns artistas daqui. Curiosamente, Nielson revelou ter se inspirado no Brasil para o primeiro single, “I Killed Captain Cook”:

“No processo de bolar o violão de ‘I Killed Captain Cook’, eu estava pensando muito em música brasileira. Os acordes e dedilhado eram bem havaianos, mas por alguma razão eu queria um ritmo diferente. Eu estava pensando em Caetano Veloso no início da carreira, e coisas assim. Eu estava meio que tentando encontrar uma maneira de mudar como violão slack key soava, para algo mais meu.

O single teve sua letra inspirada por conversas que Ruban teve com Takiaya Reed, do grupo australiano de doom metal Divide and Dissolve, sobre colonialismo. Quando criança, o músico ouvia histórias de sua mãe, Deedee Aipolani Nielson, sobre como o Capitão James Cook foi morto por um havaiano quando tentou sequestrar o chefe Kalaniʻōpuʻu. 

A canção acaba servindo como uma homenagem de Ruban à mãe, que estrela no clipe fazendo uma dança tradicional à beira do mar.

Mais conexões com o Brasil nos clipes

O aspecto visual de “V” é outro lugar onde uma conexão entre o Unknown Mortal Orchestra e o Brasil aparece. A dupla de diretores brasileiros Giordano Maestrelli e Duran Sodré, conhecidos profissionalmente como Vira-Lata, assina os clipes dos singles “Layla” e “Nadja”.

Segundo Ruban, o trabalho anterior dos dois havia prendido sua atenção e colocado os profissionais em uma lista de possíveis colaborações. Quando abordados para dirigir o clipe de “Layla”, os brasileiros foram além, apresentando uma ideia mais ambiciosa:

“A gente tava pronto pra bolar algo pro clipe de ‘Layla’, acho, era pra ser um vídeo só. E eles voltaram com um conceito de trabalharem em mais de um. E a gente ficou tipo: ‘isso parece ótimo’. A gente já tinha fé no talento. Acho que a ideia original deles era fazer três vídeos, mas a gente achou melhor fazer só de ‘Layla’ e ‘Nadja’, porque elas são meio que um par, canções irmãs. Foi um caso das coisas acontecerem intuitivamente, de não estar planejado, mas fazer sentido.” 

Vira-Lata criou uma narrativa em torno de duas mulheres, da amizade das duas em “Layla” e da falta que uma faz à outra quando estão separadas em “Nadja”. Nielson ficou tão satisfeito com o resultado a ponto de hoje reconhecer ter perdido a oportunidade de seguir o conceito inicialmente proposto pelos brasileiros:

“A gente deveria ter feito três! Acho que são meus preferidos da carreira da banda. Eu nem imagino como clipes e sim um curta com trilha sonora nossa. Não estão ali pra vender as canções, e sim era uma desculpa para fazer um projeto fascinante. A fotografia, a montagem, as atuações. A gente sabia que eles iam fazer algo incrível e ficamos chocados com o quão tocante era. Acho que na primeira vez que eu vi os dois clipes um atrás do outro, eu chorei. Aí eu escrevi no e-mail geral onde todo mundo discutia as coisas: ‘Vão se f#der! Vocês me fizeram chorar!’”

Outro aspecto visual marcante de “V” é a foto da capa. Nos discos anteriores do Unknown Mortal Orchestra, Ruban sempre usou imagens que serviram de inspiração durante o processo ou até refletiam o processo em si. A imagem selecionada para o álbum novo é poderosa, carregando níveis iguais de inocência e perigo bem ilustrativos da música do grupo. 

Nielson não deu muitos detalhes de como a foto foi feita, além de se dizer o autor dela e descrever a situação toda como surreal, nem sabendo o que deu nele para tirar a foto.

Círculo completo

O resto da família imediata de Ruban Nielson aparece na música do disco. Seu irmão, Kody, faz parte do Unknown Mortal Orchestra desde 2013 como o baterista. E o pai dos dois, Chris, participou pela primeira vez de um álbum da banda, tocando saxofone e flauta.

Em uma entrevista à série de YouTube Guitar Power, Ruban havia contado a Alain Johannes que seu pai lhe deu a primeira guitarra numa tentativa de reconstruir a relação após encontrar sobriedade. Quando perguntado sobre finalmente tocar com o pai e o irmão depois de todos esses anos, Nielson falou:

“Acho que é super importante pra mim porque quando a gente teve uma infância meio barra pesada, meu pai era um alcoólatra que usava drogas. Ele só ficou sóbrio depois que eu saí de casa. Várias coisas da nossa família eram meio… a família nunca tinha dinheiro –  nosso pai era músico –, não era um ambiente legal pra criar filhos. Eu acho que teve muito dano na minha família. E acho agora que tenho mais controle sobre o destino da minha família, então como nós somos músicos, acho importante usar a música para reparar os elos entre a gente.”

Ele continuou, falando sobre a experiência de tocar ao vivo com o pai:

“Meu pai saiu em turnê com a gente em 2019, e foi a primeira vez que tocamos com ele. E a gente viveu coisas marcantes com ele: tocamos no Royal Albert Hall, coisas assim. Ele vai se juntar a nós em alguns shows do disco novo. Nem sei descrever, é aquela sensação de estar no palco e compartilhando um momento lindo com alguém, compartilhar isso com Kody e meu pai depois de tudo que a gente passou, é como se fosse terapia.”

Quanto a shows no Brasil, Ruban não só disse que o país está nos planos da banda, como também se revelou um entusiasta do meme “Come to Brazil”, falando sobre a paixão dos brasileiros ser um selo de qualidade para qualquer banda:

“Se não tem ninguém nos seus comentários pedindo para você vir ao Brasil, tem como dizer que você é uma banda?”

Ouça “V” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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