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A discografia do Charlie Brown Jr comentada pelo produtor Lampadinha

Profissional trabalhou em estúdio com banda do vocalista Chorão em quase todos os trabalhos

Alexandre Magno Abrão, o Chorão, vocalista e líder da banda Charlie Brown Jr, nos deixou em 6 de março de 2013. Ele morreu aos 42 anos, em decorrência de uma overdose de cocaína.

Em memória a Chorão, o produtor Lampadinha foi convidado em 2016 para comentar a discografia do CBJr. O profissional trabalhou em todos os álbuns da banda, com exceção da estreia “Transpiração Contínua Prolongada” (1997), “100% Charlie Brown Jr” (2001) e do ao vivo “Acústico MTV” (2003).

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“Fiz quase todos os projetos, inclusive DVD. Seja gravando, mixando, masterizando ou produzindo”, conta ele.

O início

Transpiração contínua prolongada”, primeiro álbum do Charlie Brown Jr, não contou com o trabalho de Lampadinha. Trata-se de um disco mais cru, mas com um projeto artístico definido: a ideia era, mesmo, misturar elementos do skate punk, do reggae e do hip hop.

Naquele momento, a banda se tornou popular especialmente pela música “Proibida pra mim (Grazon)”. Mas os voos futuros seriam ainda mais altos.

No entanto, a ascensão veio mesmo em “Preço curto… prazo longo” (1999), segundo álbum do Charlie Brown Jr. Nas principais músicas do álbum, destaca-se a maior proximidade com o rock. O reggae e o hip hop entram como elementos secundários.

Apesar do disco ter 25 faixas, Lampadinha afirma que a competência da banda, até então formada por Chorão nos vocais, Marcão e Thiago Castanho nas guitarras, Champignon no baixo e Renato Pelado na bateria, facilitou o processo.

“Gravamos todas as bases em um dia. Todas as baterias em um dia só. É meio surreal, não costuma acontecer. O Champignon gravava os baixos dos discos em uma tarde. Todos ali eram f*das.”

Há registros de que Chorão e Champignon já começavam a ter desavenças mais sérias a partir de “Preço curto… prazo longo”. No entanto, Lampadinha minimiza a situação.

“O relacionamento deles era tipo irmão mais velho e mais novo. Eles se tretavam o tempo inteiro, mas era treta de irmão. Logo estavam bem de novo, tomando cerveja e falando que se amavam. Isso acontecia porque o Chorão se metia em tudo no Charlie Brown Jr, como linhas de baixo, levadas de bateria, riffs de guitarra… e o Champignon, como um cara genial, também era genioso. Não concordava. Mas nada de mais. Falam muito na mídia.”

O terceiro disco do Charlie Brown Jr, “Nadando com os tubarões” (2000) – o último com o guitarrista Thiago Castanho até seu retorno, em 2005 -, marca uma proximidade maior com o hip hop, apesar dos elementos musicais tradicionais da banda continuarem por lá. Há participações de Negra Li, RZO e Sabotage no álbum. Lampadinha conta que Chorão sempre gostou muito de hip hop.

“Sempre zoava com ele, dizendo: ‘seu sonho é ser o Mano Brown (integrante dos Racionais), né?’. Ele amava os Racionais. O flerte com o hip hop sempre existiu. Tanto é que, quando ele ia pra Nova York, ele pirava nas quebradas, comprava CD, ia em shows em buracos, então a gente se identificava bastante. Muita gente me conhece pelo trabalho com o rock, mas trabalhei muito tempo com hip hop e rap. Já fui DJ em casa de rap durante muito tempo.”

Como um quarteto, o primeiro álbum do Charlie Brown Jr foi “100% Charlie Brown Jr – Abalando a sua fábrica” (2001). Thiago Castanho não foi substituído – Marcão passou a ser o único guitarrista da banda.

É o disco mais voltado ao rock da trajetória da banda, sem tantas incursões ao hip hop. Lampadinha não participou das gravações do álbum, visto que o processo foi feito no Rio de Janeiro.

“100% Charlie Brown Jr” é o primeiro álbum da banda a não contar com participações de convidados. Além disso, a gravação foi feita com todos os instrumentos ao mesmo tempo, como se toca uma banda ao vivo – diferente do processo convencional, que registra cada instrumento separadamente.

Na sequência, “Bocas ordinárias” (2002) ajudou a consolidar, ainda mais, o Charlie Brown Jr como um dos principais nomes do rock do Brasil. Havia a intenção, também, de alçar voos maiores – a banda havia feito uma turnê de sucesso em Portugal para divulgar “100% Charlie Brown Jr” e apropriou-se de uma expressão lusitana para batizar o novo álbum.

Lampadinha se surpreendeu ao saber que “Bocas ordinárias” buscou alguma aproximação com o mercado português. No entanto, destacou que não houve nenhuma mudança no processo de trabalho para obter um resultado que agregasse público de outro país.

“Tudo depende da composição. Quando você vai gravar um álbum, tem que entender o que o artista quer falar e onde quer chegar, e passar isso para a gravação. Já vem do arranjo e da concepção da música. Quando a música é feita no violão, por exemplo, a pegada já está naquele instrumento.”

Auge

Até então, o Charlie Brown Jr estava em ascensão. A banda chegava a novos públicos a cada disco. O auge foi conquistado no ao vivo “Acústico MTV” (2003).

A MTV Brasil era o principal canal de comunicação jovem naquele momento, no entanto, o lançamento em CD e vídeo do show feito para a emissora atingiu públicos ainda mais distintos – algo próximo do que o grupo obteve com a inserção de “Te levar” como abertura da novela “Malhação”, da TV Globo, entre 1999 e 2006.

Lampadinha não participou da produção do “Acústico MTV”, no entanto, comentou um fato ocorrido durante a turnê de divulgação do disco: o desentendimento entre Chorão e Marcelo Camelo, vocalista do Los Hermanos.

“Todo mundo fala que o Chorão era briguento, dá cabeçada nas pessoas, mas a mídia se pega em determinadas situações. O cara não sai dando cabeçada em todo mundo na rua todos os dias [como aconteceu com Marcelo Camelo]. Pelo contrário, era super bonzinho. Falava que ele era um doce de pessoa e ele dizia ´doce é o c*r*lho´. Vivia dando presente para todo mundo. Eu mesmo tenho uma pá de tênis e camisetas que ele me deu. Aí neguinho se pega, porque o cara vai lá, dá cabeçada no Marcelo Camelo.”

Na sequência do trabalho acústico, veio “Tamo aí na atividade” (2004). Além de emplacar “Champanhe e água benta” e a faixa-título, o álbum rendeu um prêmio: o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro. Lampadinha atribui o reconhecimento a uma “coincidência feliz”.

“Mistura de repertório, arranjo, produção, gravação, mixagem e masterização. É difícil um trabalho conseguir chegar em um determinado nível sendo que alguma parte do processo foi ruim. Ali tudo foi f*da. Até hoje acho uma das mixagens mais legais da banda. Muita gente diz isso.”

Por outro lado, Lampadinha destaca que o mérito da banda é sempre maior que de outros envolvidos. “Todo trabalho que faço, é pra ser o mais f*da do planeta, mas você contribui com uma parte do processo. Muita gente fica se vangloriando por isso ou aquilo, mas o dono da história é sempre o artista. Se não te entregam um produto bom, pode mixar na lua, gravar em Vênus, não vai ficar bom”, afirma.

Tudo de novo

Apesar do ótimo momento vivido, Chorão viu todos os integrantes da banda – Champignon, Marcão e Renato Pelado – saírem, juntos. À época, o baixista revelou que um desentendimento relacionado à parte empresarial do Charlie Brown Jr motivou a saída.

Lampadinha afirma que, mesmo após uma situação tão atípica, Chorão tinha muita segurança em si próprio.

“Ele sabia que a banda era f*da, não iria acabar e seguiria em frente mesmo com todos saindo. Na verdade, todo mundo poderia ter saído do Charlie Brown Jr, menos o Chorão. Tanto é que, quando ele ‘saiu’, acabou a banda. Ninguém era tão forte como ele, era a cara do Charlie Brown Jr. É a mesma coisa do Mick Jagger sair dos Rolling Stones. Mas, claro, ele ficou mal com tudo isso.”

O Charlie Brown Jr foi remontada com músicos de Santos, a cidade que viu o início da banda: Heitor Gomes assumiu o baixo e André Pinguim, a bateria, além do retorno de Thiago Castanho à guitarra. Com a nova formação, o primeiro registro foi a gravação do DVD “Skate Vibation”.

“Foi registrado ao vivo na pista de skate do Chorão, sem pós-produção nenhuma de áudio. Ficou visceral, cruzão. Era uma formação f*dida. Deve ter algo na água de Santos que brota músico f*dido dos bueiros da cidade. Esse DVD é demais. Coloquei muita guitarra ali.”

O primeiro disco gravado com a nova formação foi “Imunidade musical”, que, de certa forma, consolida a ideia de que, apesar da importância dos músicos, o Charlie Brown Jr era, na essência, o Chorão. Lampadinha atribui a manutenção do contorno artístico a dois fatores.

“Em primeiro lugar, ao meu ver, isso aconteceu porque manteve o cara que é vocalista, cantor e arranjador de muitas músicas, já que ele participava ferozmente do arranjo das músicas. Jogava as ideias, a galera entendia e desenvolvia. E, em segundo lugar, porque o guitarrista era o Thiago, que já tinha sido da banda. Conseguiu manter a linguagem.”

O produtor também não poupou elogios aos demais integrantes que ocuparam os demais postos.

“Juntou com o Heitor, que é um baixista absurdo. Muita gente quer comparar com o Champignon e eu digo que os dois eram f*da. O Champignon era mais ‘pedreiro’, ignorante, tosqueira para tocar, dedo de martelo, e o Heitor é mais técnico e estudioso. E o Pinguim era um ser humano ET. Não era desse planeta. Toca qualquer coisa com a mão esquerda, direita, toca 20 e poucas faixas em um dia, termina e ainda está zoando, pedindo para gravar mais. Quem vê, pensa que o cara está drogado o tempo inteiro, mas nem beber ele bebe.”

Na sequência, o álbum “Ritmo, ritual e responsa” (2007) foi concebido, inicialmente, para ser a trilha sonora do filme que Chorão estava escrevendo, “O magnata” (2007). Lampadinha comenta:

“Quando começou a produção, o Chorão começou a fazer tudo exclusivamente de madrugada. Gravava da meia-noite às 6h. A princípio, ele produziria. Passaram-se alguns meses e não aconteceu nada. Ele já estava gastando a maior grana em estúdio. E eu não estava participando do projeto. Ele me chamou, contou que seria a trilha sonora do filme dele, conversamos bastante sobre isso. Cheguei à conclusão que era mais fácil ter uma cara mais underground, tosqueira e sem muita ‘elaboração’ nas músicas, então, produzi o trabalho inteiro.”

Curiosamente, o nono disco do Charlie Brown Jr foi o único a marcar um desentendimento entre o vocalista e Lampadinha.

“No final, em um desses momentos de fúria, o Chorão estava mal por alguma coisa e inventou uma treta comigo. Foi a única vez que a gente tretou mesmo. Era sobre hora de estúdio. Ele disse que eu estava fora do trabalho e quem assinaria a produção seria ele e o Thiago. Disse que beleza, ele era o dono da banda. Aí ele assinou mesmo. Mas depois disso a gente se encontrou outras vezes e fizemos mais trabalhos. Na verdade, ele fez as pazes e sabia que tinha pisado na bola. Mas tudo bem, faz parte da história.”

Após esse registro, vale lembrar, André Pinguim saiu da banda e foi substituído por Bruno Graveto.

O último trabalho do Charlie Brown Jr com Chorão ainda vivo foi “Camisa 10 (Joga bola até na chuva)” (2009). Apesar dos hits “Só os loucos sabem” e “Me encontra” e de ser premiado com mais um Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro, é considerado um dos menos inspirados. O último contato que Lampadinha teve com o vocalista foi antes das gravações.

“Ele queria que eu produzisse o trabalho, mas não rolou, não sei porquê. Desde então, não nos falamos”, disse o produtor, que discorda sobre “Camisa 10” ser o menos inspirado. “É uma questão de gosto. Acho o disco bom”.

Reunião e fim

Com a saída de Heitor Gomes, em 2011, Champignon e Marcão voltaram à banda, que passou a ter dois guitarristas novamente. Após darem sequência aos compromissos de estrada, lançaram o ao vivo “Música popular caiçara” e entraram em estúdio para gravar o primeiro disco após a reunião.

A morte de Chorão, porém, interrompeu os planos. Produzido por Tadeu Patolla e masterizado por Lampadinha, “La Família 013” foi lançado sem ser devidamente finalizado pelo vocalista e é um trabalho quase autobiográfico do cantor, em função do teor mais melancólico e das músicas mais arrastadas.

Para Lampadinha, os excessos nos últimos anos comprometeram Chorão.

“Você vai ficando velho, né? Quando você é moleque, toma 10 cervejas, quando é mais velho, toma cinco. Ele continuava na mesma pegada, aí foi o problema.”

A relação de Lampadinha com os demais músicos continuou boa, no entanto, o produtor musical diz ter se surpreendido ainda mais com o suicídio de Champignon, seis meses após a morte de Chorão.

“Primeiro porque já ter acontecido com o Chorão. E também porque o Champignon era moleque e do nada acontece isso. Ele era muito explosivo. Tenho certeza que, se não tivesse arma em casa, não teria acontecido. Daria um soco na parede ou qualquer m*rda do tipo, mas estava com a arma, né? Mas o relacionamento sempre foi bom. Com todos, na verdade. Tanto que é agora com o Marcão e o Bula, vira e mexe a gente se encontra.”

Existe vida após o Charlie Brown Jr?

Discute-se muito sobre a atual fase do rock no Brasil. Com exceção dos nomes já consagrados, não há uma boa banda que mova multidões como aconteceu até a década passada. Os últimos nomes que conseguiram isso, depois do Charlie Brown Jr, foram as bandas de hardcore/emocore, como NX Zero, Fresno e outros nomes do gênero.

Para Lampadinha, que trabalhou com as bandas trabalha com as bandas Instinto, Zimbra, Cadibode e Republica no período da entrevista, depende da mídia para que o cenário se modifique.

“O mundo mudou muito, né? O Charlie Brown Jr foi abertura da Malhação por trocentos anos. No Brasil, a Rede Globo é muito forte. Pode tocar muito no rádio que se não passar na TV, a galera não conhece. Nessa época, muitas bandas iam para a TV. Só que, depois, eles trocaram o estilo das músicas, especialmente nas novelas, que têm penetração absurda. Nem sei há quantos anos que nas novelas só tem sertanejo e funk nas trilhas sonoras. Não acho ruim, tem que ter. A música é uma diversidade f*dida. Mas não pode ter só um.”

Discografia completa de estúdio – Charlie Brown Jr

  • 1997 – Transpiração contínua prolongada
  • 1999 – Preço curto… prazo longo
  • 2000 – Nadando com os tubarões
  • 2001 – 100% Charlie Brown Jr – Abalando a sua fábrica
  • 2002 – Bocas ordinárias
  • 2004 – Tamo aí na atividade
  • 2005 – Imunidade musical
  • 2007 – Ritmo, ritual e responsa
  • 2009 – Camisa 10 (joga bola até na chuva)
  • 2012 – Música popular caiçara 2013 – La Família 013

*Foto: Alex Carvalho / Flickr / Wikimedia / CC BY-SA 2.0

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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Alexandre Magno Abrão, o Chorão, vocalista e líder da banda Charlie Brown Jr, nos deixou em 6 de março de 2013. Ele morreu aos 42 anos, em decorrência de uma overdose de cocaína.

Em memória a Chorão, o produtor Lampadinha foi convidado em 2016 para comentar a discografia do CBJr. O profissional trabalhou em todos os álbuns da banda, com exceção da estreia “Transpiração Contínua Prolongada” (1997), “100% Charlie Brown Jr” (2001) e do ao vivo “Acústico MTV” (2003).

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“Fiz quase todos os projetos, inclusive DVD. Seja gravando, mixando, masterizando ou produzindo”, conta ele.

O início

Transpiração contínua prolongada”, primeiro álbum do Charlie Brown Jr, não contou com o trabalho de Lampadinha. Trata-se de um disco mais cru, mas com um projeto artístico definido: a ideia era, mesmo, misturar elementos do skate punk, do reggae e do hip hop.

Naquele momento, a banda se tornou popular especialmente pela música “Proibida pra mim (Grazon)”. Mas os voos futuros seriam ainda mais altos.

No entanto, a ascensão veio mesmo em “Preço curto… prazo longo” (1999), segundo álbum do Charlie Brown Jr. Nas principais músicas do álbum, destaca-se a maior proximidade com o rock. O reggae e o hip hop entram como elementos secundários.

Apesar do disco ter 25 faixas, Lampadinha afirma que a competência da banda, até então formada por Chorão nos vocais, Marcão e Thiago Castanho nas guitarras, Champignon no baixo e Renato Pelado na bateria, facilitou o processo.

“Gravamos todas as bases em um dia. Todas as baterias em um dia só. É meio surreal, não costuma acontecer. O Champignon gravava os baixos dos discos em uma tarde. Todos ali eram f*das.”

Há registros de que Chorão e Champignon já começavam a ter desavenças mais sérias a partir de “Preço curto… prazo longo”. No entanto, Lampadinha minimiza a situação.

“O relacionamento deles era tipo irmão mais velho e mais novo. Eles se tretavam o tempo inteiro, mas era treta de irmão. Logo estavam bem de novo, tomando cerveja e falando que se amavam. Isso acontecia porque o Chorão se metia em tudo no Charlie Brown Jr, como linhas de baixo, levadas de bateria, riffs de guitarra… e o Champignon, como um cara genial, também era genioso. Não concordava. Mas nada de mais. Falam muito na mídia.”

O terceiro disco do Charlie Brown Jr, “Nadando com os tubarões” (2000) – o último com o guitarrista Thiago Castanho até seu retorno, em 2005 -, marca uma proximidade maior com o hip hop, apesar dos elementos musicais tradicionais da banda continuarem por lá. Há participações de Negra Li, RZO e Sabotage no álbum. Lampadinha conta que Chorão sempre gostou muito de hip hop.

“Sempre zoava com ele, dizendo: ‘seu sonho é ser o Mano Brown (integrante dos Racionais), né?’. Ele amava os Racionais. O flerte com o hip hop sempre existiu. Tanto é que, quando ele ia pra Nova York, ele pirava nas quebradas, comprava CD, ia em shows em buracos, então a gente se identificava bastante. Muita gente me conhece pelo trabalho com o rock, mas trabalhei muito tempo com hip hop e rap. Já fui DJ em casa de rap durante muito tempo.”

Como um quarteto, o primeiro álbum do Charlie Brown Jr foi “100% Charlie Brown Jr – Abalando a sua fábrica” (2001). Thiago Castanho não foi substituído – Marcão passou a ser o único guitarrista da banda.

É o disco mais voltado ao rock da trajetória da banda, sem tantas incursões ao hip hop. Lampadinha não participou das gravações do álbum, visto que o processo foi feito no Rio de Janeiro.

“100% Charlie Brown Jr” é o primeiro álbum da banda a não contar com participações de convidados. Além disso, a gravação foi feita com todos os instrumentos ao mesmo tempo, como se toca uma banda ao vivo – diferente do processo convencional, que registra cada instrumento separadamente.

Na sequência, “Bocas ordinárias” (2002) ajudou a consolidar, ainda mais, o Charlie Brown Jr como um dos principais nomes do rock do Brasil. Havia a intenção, também, de alçar voos maiores – a banda havia feito uma turnê de sucesso em Portugal para divulgar “100% Charlie Brown Jr” e apropriou-se de uma expressão lusitana para batizar o novo álbum.

Lampadinha se surpreendeu ao saber que “Bocas ordinárias” buscou alguma aproximação com o mercado português. No entanto, destacou que não houve nenhuma mudança no processo de trabalho para obter um resultado que agregasse público de outro país.

“Tudo depende da composição. Quando você vai gravar um álbum, tem que entender o que o artista quer falar e onde quer chegar, e passar isso para a gravação. Já vem do arranjo e da concepção da música. Quando a música é feita no violão, por exemplo, a pegada já está naquele instrumento.”

Auge

Até então, o Charlie Brown Jr estava em ascensão. A banda chegava a novos públicos a cada disco. O auge foi conquistado no ao vivo “Acústico MTV” (2003).

A MTV Brasil era o principal canal de comunicação jovem naquele momento, no entanto, o lançamento em CD e vídeo do show feito para a emissora atingiu públicos ainda mais distintos – algo próximo do que o grupo obteve com a inserção de “Te levar” como abertura da novela “Malhação”, da TV Globo, entre 1999 e 2006.

Lampadinha não participou da produção do “Acústico MTV”, no entanto, comentou um fato ocorrido durante a turnê de divulgação do disco: o desentendimento entre Chorão e Marcelo Camelo, vocalista do Los Hermanos.

“Todo mundo fala que o Chorão era briguento, dá cabeçada nas pessoas, mas a mídia se pega em determinadas situações. O cara não sai dando cabeçada em todo mundo na rua todos os dias [como aconteceu com Marcelo Camelo]. Pelo contrário, era super bonzinho. Falava que ele era um doce de pessoa e ele dizia ´doce é o c*r*lho´. Vivia dando presente para todo mundo. Eu mesmo tenho uma pá de tênis e camisetas que ele me deu. Aí neguinho se pega, porque o cara vai lá, dá cabeçada no Marcelo Camelo.”

Na sequência do trabalho acústico, veio “Tamo aí na atividade” (2004). Além de emplacar “Champanhe e água benta” e a faixa-título, o álbum rendeu um prêmio: o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro. Lampadinha atribui o reconhecimento a uma “coincidência feliz”.

“Mistura de repertório, arranjo, produção, gravação, mixagem e masterização. É difícil um trabalho conseguir chegar em um determinado nível sendo que alguma parte do processo foi ruim. Ali tudo foi f*da. Até hoje acho uma das mixagens mais legais da banda. Muita gente diz isso.”

Por outro lado, Lampadinha destaca que o mérito da banda é sempre maior que de outros envolvidos. “Todo trabalho que faço, é pra ser o mais f*da do planeta, mas você contribui com uma parte do processo. Muita gente fica se vangloriando por isso ou aquilo, mas o dono da história é sempre o artista. Se não te entregam um produto bom, pode mixar na lua, gravar em Vênus, não vai ficar bom”, afirma.

Tudo de novo

Apesar do ótimo momento vivido, Chorão viu todos os integrantes da banda – Champignon, Marcão e Renato Pelado – saírem, juntos. À época, o baixista revelou que um desentendimento relacionado à parte empresarial do Charlie Brown Jr motivou a saída.

Lampadinha afirma que, mesmo após uma situação tão atípica, Chorão tinha muita segurança em si próprio.

“Ele sabia que a banda era f*da, não iria acabar e seguiria em frente mesmo com todos saindo. Na verdade, todo mundo poderia ter saído do Charlie Brown Jr, menos o Chorão. Tanto é que, quando ele ‘saiu’, acabou a banda. Ninguém era tão forte como ele, era a cara do Charlie Brown Jr. É a mesma coisa do Mick Jagger sair dos Rolling Stones. Mas, claro, ele ficou mal com tudo isso.”

O Charlie Brown Jr foi remontada com músicos de Santos, a cidade que viu o início da banda: Heitor Gomes assumiu o baixo e André Pinguim, a bateria, além do retorno de Thiago Castanho à guitarra. Com a nova formação, o primeiro registro foi a gravação do DVD “Skate Vibation”.

“Foi registrado ao vivo na pista de skate do Chorão, sem pós-produção nenhuma de áudio. Ficou visceral, cruzão. Era uma formação f*dida. Deve ter algo na água de Santos que brota músico f*dido dos bueiros da cidade. Esse DVD é demais. Coloquei muita guitarra ali.”

O primeiro disco gravado com a nova formação foi “Imunidade musical”, que, de certa forma, consolida a ideia de que, apesar da importância dos músicos, o Charlie Brown Jr era, na essência, o Chorão. Lampadinha atribui a manutenção do contorno artístico a dois fatores.

“Em primeiro lugar, ao meu ver, isso aconteceu porque manteve o cara que é vocalista, cantor e arranjador de muitas músicas, já que ele participava ferozmente do arranjo das músicas. Jogava as ideias, a galera entendia e desenvolvia. E, em segundo lugar, porque o guitarrista era o Thiago, que já tinha sido da banda. Conseguiu manter a linguagem.”

O produtor também não poupou elogios aos demais integrantes que ocuparam os demais postos.

“Juntou com o Heitor, que é um baixista absurdo. Muita gente quer comparar com o Champignon e eu digo que os dois eram f*da. O Champignon era mais ‘pedreiro’, ignorante, tosqueira para tocar, dedo de martelo, e o Heitor é mais técnico e estudioso. E o Pinguim era um ser humano ET. Não era desse planeta. Toca qualquer coisa com a mão esquerda, direita, toca 20 e poucas faixas em um dia, termina e ainda está zoando, pedindo para gravar mais. Quem vê, pensa que o cara está drogado o tempo inteiro, mas nem beber ele bebe.”

Na sequência, o álbum “Ritmo, ritual e responsa” (2007) foi concebido, inicialmente, para ser a trilha sonora do filme que Chorão estava escrevendo, “O magnata” (2007). Lampadinha comenta:

“Quando começou a produção, o Chorão começou a fazer tudo exclusivamente de madrugada. Gravava da meia-noite às 6h. A princípio, ele produziria. Passaram-se alguns meses e não aconteceu nada. Ele já estava gastando a maior grana em estúdio. E eu não estava participando do projeto. Ele me chamou, contou que seria a trilha sonora do filme dele, conversamos bastante sobre isso. Cheguei à conclusão que era mais fácil ter uma cara mais underground, tosqueira e sem muita ‘elaboração’ nas músicas, então, produzi o trabalho inteiro.”

Curiosamente, o nono disco do Charlie Brown Jr foi o único a marcar um desentendimento entre o vocalista e Lampadinha.

“No final, em um desses momentos de fúria, o Chorão estava mal por alguma coisa e inventou uma treta comigo. Foi a única vez que a gente tretou mesmo. Era sobre hora de estúdio. Ele disse que eu estava fora do trabalho e quem assinaria a produção seria ele e o Thiago. Disse que beleza, ele era o dono da banda. Aí ele assinou mesmo. Mas depois disso a gente se encontrou outras vezes e fizemos mais trabalhos. Na verdade, ele fez as pazes e sabia que tinha pisado na bola. Mas tudo bem, faz parte da história.”

Após esse registro, vale lembrar, André Pinguim saiu da banda e foi substituído por Bruno Graveto.

O último trabalho do Charlie Brown Jr com Chorão ainda vivo foi “Camisa 10 (Joga bola até na chuva)” (2009). Apesar dos hits “Só os loucos sabem” e “Me encontra” e de ser premiado com mais um Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro, é considerado um dos menos inspirados. O último contato que Lampadinha teve com o vocalista foi antes das gravações.

“Ele queria que eu produzisse o trabalho, mas não rolou, não sei porquê. Desde então, não nos falamos”, disse o produtor, que discorda sobre “Camisa 10” ser o menos inspirado. “É uma questão de gosto. Acho o disco bom”.

Reunião e fim

Com a saída de Heitor Gomes, em 2011, Champignon e Marcão voltaram à banda, que passou a ter dois guitarristas novamente. Após darem sequência aos compromissos de estrada, lançaram o ao vivo “Música popular caiçara” e entraram em estúdio para gravar o primeiro disco após a reunião.

A morte de Chorão, porém, interrompeu os planos. Produzido por Tadeu Patolla e masterizado por Lampadinha, “La Família 013” foi lançado sem ser devidamente finalizado pelo vocalista e é um trabalho quase autobiográfico do cantor, em função do teor mais melancólico e das músicas mais arrastadas.

Para Lampadinha, os excessos nos últimos anos comprometeram Chorão.

“Você vai ficando velho, né? Quando você é moleque, toma 10 cervejas, quando é mais velho, toma cinco. Ele continuava na mesma pegada, aí foi o problema.”

A relação de Lampadinha com os demais músicos continuou boa, no entanto, o produtor musical diz ter se surpreendido ainda mais com o suicídio de Champignon, seis meses após a morte de Chorão.

“Primeiro porque já ter acontecido com o Chorão. E também porque o Champignon era moleque e do nada acontece isso. Ele era muito explosivo. Tenho certeza que, se não tivesse arma em casa, não teria acontecido. Daria um soco na parede ou qualquer m*rda do tipo, mas estava com a arma, né? Mas o relacionamento sempre foi bom. Com todos, na verdade. Tanto que é agora com o Marcão e o Bula, vira e mexe a gente se encontra.”

Existe vida após o Charlie Brown Jr?

Discute-se muito sobre a atual fase do rock no Brasil. Com exceção dos nomes já consagrados, não há uma boa banda que mova multidões como aconteceu até a década passada. Os últimos nomes que conseguiram isso, depois do Charlie Brown Jr, foram as bandas de hardcore/emocore, como NX Zero, Fresno e outros nomes do gênero.

Para Lampadinha, que trabalhou com as bandas trabalha com as bandas Instinto, Zimbra, Cadibode e Republica no período da entrevista, depende da mídia para que o cenário se modifique.

“O mundo mudou muito, né? O Charlie Brown Jr foi abertura da Malhação por trocentos anos. No Brasil, a Rede Globo é muito forte. Pode tocar muito no rádio que se não passar na TV, a galera não conhece. Nessa época, muitas bandas iam para a TV. Só que, depois, eles trocaram o estilo das músicas, especialmente nas novelas, que têm penetração absurda. Nem sei há quantos anos que nas novelas só tem sertanejo e funk nas trilhas sonoras. Não acho ruim, tem que ter. A música é uma diversidade f*dida. Mas não pode ter só um.”

Discografia completa de estúdio – Charlie Brown Jr

  • 1997 – Transpiração contínua prolongada
  • 1999 – Preço curto… prazo longo
  • 2000 – Nadando com os tubarões
  • 2001 – 100% Charlie Brown Jr – Abalando a sua fábrica
  • 2002 – Bocas ordinárias
  • 2004 – Tamo aí na atividade
  • 2005 – Imunidade musical
  • 2007 – Ritmo, ritual e responsa
  • 2009 – Camisa 10 (joga bola até na chuva)
  • 2012 – Música popular caiçara 2013 – La Família 013

*Foto: Alex Carvalho / Flickr / Wikimedia / CC BY-SA 2.0

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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