“65 – Ameaça Pré-Histórica” estava na minha lista de filmes mais aguardados do ano. Afinal, um filme de dinossauros protagonizado por um dos melhores atores da atualidade não tem erro – e de certa forma, na teoria, eu estava certo.
O problema é que o longa irrita, a ponto de você querer sair da sala de cinema. Mas não por ser um produto ruim e, sim, por você não suportar ver em tela o desperdício de uma ideia tão extraordinária e que poderia levar Adam Driver (“Star Wars: Episódios 7, 8 e 9”) a ter o mesmo momento na carreira que tiveram Tom Hanks com “Náufrago” e Leonardo DiCaprio com “O Regresso”.
De volta para o futuro
Seguindo à risca o esqueleto técnico de roteiros para filmes de sobrevivência, “65 – Ameaça Pré-Histórica” traz o protagonista caindo em uma terra desconhecida. Ele precisa estabelecer conexão com esta terra para sobreviver e, nesse percurso, chegar ao local de objetivo que pode lhe render a salvação.
Mills (Adam Driver) é um explorador espacial que está em missão, porém, após se deparar com uma chuva de asteroides, ele acaba sendo enviado para a Terra – só que há 65 milhões de anos. O personagem se vê preso em um lugar repleto de dinossauros e criaturas. Só há a companhia de uma única sobrevivente ao acidente todo: a pequena Koa (Ariana Greenblatt). Com isso, Mills e Koa precisam chegar a uma espécie de cápsula que lhes levará de volta – para dificultar o percurso, um não fala a língua do outro.
A ideia é batida e simples: uma clássica aventura de sobrevivência. Contudo, quando um ator do nível de Adam Driver aceita um filme teoricamente de ação com dinossauros, é de se esperar algo a mais – ou o astro está com severas dívidas, o que acho difícil após três filmes da saga “Star Wars”.
Driver pode ter enxergado o mesmo potencial que eu, mas não refletiu como essa visão se sairia ao ser passada para a prática. Uma vez o contrato assinado, não podia voltar atrás, apenas fazer o seu melhor. Isso é entregue: o ator entrega uma performance de alto nível, como habitual, o que me dá mais certeza ainda de que ele vislumbrou sim a possibilidade de ter em seu currículo um clássico de sobrevivência.
A sensação que nos acompanha durante os singelos 90 minutos é de que até mesmo os diretores e roteiristas Scott Beck e Bryan Woods (“A Casa do Terror”) não conseguiram entender a ideia que tinham em mãos – e só foram ter noção disso após a conclusão na sala de montagem, mas ai já era tarde.
Um dos problemas está no orçamento: “65 – Ameaça Pré-Histórica” precisou de US$ 45 milhões para ser feito. Onde em sã consciência esses diretores imaginaram a possibilidade de fazer uma ficção científica dessa proporção com um montante módico em mãos?
O teatro ensina que quando uma produção não tem o orçamento necessário para certos luxos, é preciso usar inteligência e criatividade para transformar até mesmo uma cadeira em um dinossauro. Faltou isso; faltou entender que aquela história poderia ser contada sem mostrar sequer um dinossauro em tela.
As melhores e mais atrativas cenas do filme são justamente as que os diretores apenas sugerem os dinossauros. Uma pegada, um som e até mesmo apenas a silhueta de um gigantesco T-Rex atrás de uma cachoeira: esses são os momentos de ápice e que poderiam ter sido explorados desde o minuto 1.
E vale destacar: se resolver mostrar dinossauro, precisa de uma visão de qualidade. Caso contrário, a produção deve ser pensada para um streaming, na TV, não para a telona.
Um náufrago para chamar de seu
O acréscimo da personagem Koa é um erro. A pré-adolescente só limita o potencial de Mills e transforma o filme todo num grande clichê de salvamento a criança insuportável. “Náufrago” ou “O Regresso” mostram que dá para um personagem passar por toda a jornada sozinho, talvez sem sequer dizer uma só palavra, com um clima de suspense minimalista.
Todos tiveram essa mesma visão – isso é uma certeza que fica estampada na tela –, mas por algum motivo tentaram abraçar todo esse escopo gigantesco do tema e forçaram um drama de protetor e protegida, sob o pretexto de que os gigantescos animais mostrados em tela trariam a curiosidade do público.
Não se teve o cuidado necessário para realmente colocar o personagem em situações de morte iminente. Muita tecnologia espacial foi mal usada. O drama emotivo também surgiu em momentos sem necessidade.
Tudo isso gerou um longa a ser descartado. Não à toa, mal foi promovido e ainda saiu em meio a blockbusters como “Pânico VI” e, na próxima semana, “Shazam! Fúria dos Deuses. Como faltou visão, serviu somente para apresentar uma ótima performance de Adam Driver no filme errado.
*“65 – Ameaça Pré-Histórica” estreou nos cinemas brasileiros na última quinta-feira (8).
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