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Por que “Stained Class” foi — e é — um dos discos mais importantes do Judas Priest

Mesmo sem ceder às tendências da época, quarto álbum de estúdio da banda foi sucesso em vendas na Europa e nos EUA; cover presente no repertório desencadearia polêmica na década seguinte

De Dave “Snake” Sabo do Skid Row a Jim Matheos do Fates Warning. Como consta do compêndio “The Top 500 Heavy Metal Albums of All Time”, de Martin Popoff, muitas são as personalidades americanas ligadas ao rock e ao metal que colocam “Stained Class”, quarto álbum de estúdio do Judas Priest, entre os discos que moldaram seus caráteres. Ron Keel (Keel) vai além e aponta este como o seu disco favorito de toda a vida.

Isso tem uma explicação: foi o primeiro disco dos britânicos a entrar nas paradas dos Estados Unidos. Mas o caminho rumo a essa popularidade toda começou a ser trilhado um pouco antes disso.

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A turnê de “Sin After Sin” manteve Rob Halford (vocais), Glenn Tipton (guitarra), K.K. Downing (guitarra), Ian Hill (baixo) e Les Binks (bateria) na estrada do lançamento do disco em abril de 1977 até agosto daquele ano. Fizeram parte do giro os primeiros compromissos nos Estados Unidos, por onde os cinco excursionaram durante um mês e meio, chegando a tocar no mesmo palco que o Led Zeppelin no festival Day on the Green, na Califórnia.

De volta ao lar, nada de descanso, porém: o Priest tinha outro álbum a fazer.

Uma história que se repete

“Stained Class” foi gravado em outubro e novembro de 1977 na altitude de Chipping Norton, cidade inglesa situada 200 metros acima do nível do mar, sob a batuta do produtor Dennis Mackay.  

Indicado pela gravadora CBS, Mackay vinha de trabalhos voltados ao jazz e ao fusion. Constavam de seu currículo gravações da Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin e do Return to Forever, coletivo chefiado pelo pianista Chick Corea. No âmbito mais rock, produzira os dois álbuns solo de Tommy Bolin — “Teaser” (1975) e “Private Eyes” (1976) —, além de “Gazeuse!”, do Gong, e “Airborne”, do Curved Air (ambos de 1976).

Não era a primeira vez que alguém oriundo do universo jazzístico colaborava com o Judas Priest: as baterias de “Sin After Sin” haviam sido gravadas por Simon Phillips, exímio músico de estúdio versado em jazz.

Nenhum dos integrantes ficou mais feliz do que Les Binks, como deixou claro em depoimento dado em 2017:

“Ele foi o substituto do lendário Ken Scott no Trident Studios, em Londres, gravando minha grande influência Billy Cobham com a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin. Adorei o som de bateria que ele conseguiu nesses discos.”

Na mesma ocasião, o baterista deu detalhes acerca das sessões de gravação:

“Fui o primeiro a chegar e passei o primeiro dia trabalhando com Dennis para deixar o som da bateria do jeito que queríamos. O foco do Dennis era obter uma boa separação entre os dois bumbos e o resto do kit, e em determinado momento os bumbos foram gravados com a pele frontal e um cobertor colocado sobre eles para que seu som não vazasse nos outros microfones da bateria.”

Embora não compartilhem da empolgação de Binks, Rob Halford e K.K. Downing reconhecem o bom trabalho feito pelo produtor. Na autobiografia “Confesso” (Belas Letras, 2021), diz o vocalista:

“Ainda éramos propensos à enrolação do rock progressivo, e ele [Dennis Mackay] viu que as nossas músicas podiam ser meio longas. Apontou que não precisávamos fazer uma grande declaração musical, e insistiu nesse ponto. ‘Cortem o excesso! Sejam cirúrgicos!’.”

Já o guitarrista soa levemente protocolar ao descrever o produtor em depoimento publicado em seu site oficial:

“É estranho que os dois álbuns de que menos me recordo sejam ‘Stained Class’ e ‘Killing Machine’ (1978). Lembro-me do estúdio em Chipping Norton, mas apenas de leve. Por exemplo, eu me lembro da sala de controle, mas não da sala ao vivo, embora eu me lembre de Dennis Mackay. Ele era um cara legal para se trabalhar e acho que fez um ótimo trabalho para nós neste álbum.”

“A música mais veloz já escrita”

A maioria das canções de “Stained Class” foi arranjada e pré-produzida em um pequeno estúdio de ensaio em Birmingham primeiro. Talvez as duas mais importantes tenham surgido meio que ao acaso; e por “culpa” do novato Les Binks.

A primeira delas, “Exciter”, surgiu de um padrão de bumbo duplo que Binks tocou em uma passagem de som. Glenn gostou do que ouviu e pediu para o baterista tocar de novo. Ele então se juntou com um riff de guitarra e essa se tornou a introdução de “Exciter”.

Sobre a faixa, amplamente considerada uma precursora do speed metal — ao lado de “Fireball”, do Deep Purple, e “Kill the King”, do Rainbow, entre pouquíssimas outras —, K.K. Downing comenta:

“Acho que essa [‘Exciter’] e ‘Hell Bent for Leather’ são as músicas sinônimo do nome Judas Priest. Nossa ideia era escrever a música mais veloz já escrita. [Risos.] Não me surpreende que muitas pessoas a considerem uma precursora de alguns dos subgêneros do metal que surgiriam mais tarde. É uma faixa de pura energia — mesmo para os padrões de hoje.”

A outra, “Beyond the Realms of Death”, também surgiu das mãos de Binks, só que não a partir de uma introdução ou de uma virada de bateria, como relata Downing na autobiografia “Heavy Duty” (Estética Torta, 2021):

“Um dia ele pegou uma das nossas guitarras, virou-a de cabeça para baixo e começou a tocar com a mão esquerda. O riff que ele criou formou a base desse clássico do Judas Priest.”

À música de Les, Rob acrescentou versos que reconhece serem bem pessoais. Segundo o vocalista:

“É uma canção cujo protagonista, já completamente exausto, é acossado pelas dificuldades do mundo (…) Em 1978, a ideia de ser capaz de conversar com outros homens gays, aberta e livremente e sem estigmas, parecia tão provável quanto chegar a Marte num salto com vara. Eu só sabia o seguinte: ‘nunca vai acontecer’”.

Acabaria acontecendo, exatos vinte anos depois.

Judas Priest no banco dos réus

Quando entrevistado por Martin Popoff para o livro “Judas Priest: Heavy Metal Painkillers” (ECW Press, 2007), Glenn Tipton deu a seguinte declaração a respeito de “Beyond the Realms of Death”:

“Foi essa [música] que nos colocou em apuros. É nisso que esse álbum me faz pensar imediatamente; todo aquele alvoroço em torno de ‘Beyond the Realms of Death’. Eu tinha que ir ao tribunal todos os dias de terno, porque não deixavam a gente entrar sem terno. E tivemos que ouvir mentiras descaradas. Mas saímos vitoriosos no final, então de certa forma hasteamos a bandeira do heavy metal, porque todo livro, filme ou matéria posterior teria entrado na mira. Teria sido insuportável para todos, se tivéssemos perdido na Justiça.”

O episódio ao qual o guitarrista se refere foi o pacto de suicídio de dois fãs que levou o Judas Priest para o banco dos réus no início dos anos 1990. Mas o que motivou Raymond Belknap, de 18 anos, e James Vance, de 20, a tirarem as próprias vidas na noite de 23 de dezembro de 1985 não foi a mensagem explícita em “Beyond the Realms of Death”, mas sim uma supostamente implícita em outra faixa de “Stained Class”.

Como o álbum estava curto em duração (pouco mais de 30 minutos), uma nona música teria de ser adicionada à tracklist. A gravadora sugeriu, então, tentar a sorte novamente com um cover. A bola da vez seria “Better By You, Better Than Me”, obscuridade do Spooky Tooth, a ser registrada em sessão única no Utopia Studios em Londres com produção de James Guthrie, que permaneceria a bordo e assinaria a produção do álbum de estúdio seguinte, “Killing Machine”.

Escrita pelo tecladista Gary Wright, a faixa se desenvolve a partir de um riff que poderia muito bem ter sido ideia de Tipton ou K.K. Downing; tanto que não são poucos os que se surpreendem ao descobrir tratar-se de um cover. Um compacto chegou às lojas um mês antes do lançamento de “Stained Class” trazendo no lado B a faixa “Invader”, cuja principal distinção é ser uma das únicas duas canções da banda nos anos 1970 a contar com o baixista Ian Hill entre os autores; a outra é “Winter”, de “Rocka Rolla” (1974).

Belknap morreu na hora vítima de ferimento a bala autoinfligido na cabeça. Vance, não. Tendo deixado a espingarda escorregar de sua mão na hora do disparo, acabaria com o rosto completamente desfigurado, mas sobreviveria para ver os pais processarem a banda — e chegarem perto de decretar o seu fim — pelo ocorrido. Ele morreria anos mais tarde de overdose. Todo o imbróglio é detalhado no documentário “Dream Deceivers: The Story Behind James Vance vs. Judas Priest”, de 1992.

Sem concessões e sem tempo a perder

Lançado em 10 de fevereiro de 1978, “Stained Class” veio numa época em que as poucas bandas pesadas do Reino Unido assistiam, de mãos atadas, o punk tomar conta. Sem fazer concessão alguma às tendências da indústria fonográfica da época, o Judas Priest chegaria à 27ª posição nas paradas britânicas e faria sua estreia na Billboard 200, o principal ranking norte-americano, no modesto número 173. Na capa de apelo futurista de Rozlav Szaybo vê-se, pela primeira vez, o logotipo clássico presente até hoje em tudo relacionado ao grupo.

Para além da música, o álbum foi importantíssimo na evolução da imagem do Judas Priest. Foi na época em que os cinco entraram em estúdio para gravá-lo que K.K. Downing começou a considerar toda a questão do visual.

A ideia do couro, dos rebites e de uma indumentária imediatamente identificável fervilhou dentro do guitarrista, que sentia que havia uma falta de motivação dos colegas no quesito trajes e visual. A adoção do look que seria ostentado para todo o sempre pelo grupo se daria nos meses seguintes ao lançamento do disco.

Apesar da boa vendagem em ambos os lados do Atlântico, a promoção de “Stained Class” limitou-se a breves temporadas de shows em casa (como headliner) e nos Estados Unidos (abrindo para o Mahogany Rush). Ao invés de capitalizar na estrada, a gravadora quis a banda de volta no estúdio o quanto antes.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

  1. O disco é bom, mas o cover que o JP fez do Spooky Tooth é para mim a faixa mais fraca do tracklist de Stained Class – não devia ter reultado toda essa polêmica que aconteceu anos depois com a banda, não devia mesmo!

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