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Judas Priest e tributo ao Pantera oferecem shows repletos de peculiaridades em SP

Rob Halford, que canta como nunca, e companhia trouxeram set “direto” e reafirmaram idolatria; homenagem com Zakk Wylde e Charlie Benante fez o que estava no alcance – o que já está de ótimo tamanho

O Knotfest Brasil nos trouxe bons sideshows que seguem movimentando São Paulo ao longo desta semana. Após o Trivium oferecer um espetáculo matador no Cine Joia, na última quarta-feira (14), o Vibra recebeu na quinta (15) shows do grandioso Judas Priest e do tributo ao Pantera (como eles próprios se definem) com Zakk Wylde (guitarra) e Charlie Benante (bateria) respectivamente nas vagas de Dimebag Darrell e Vinnie Paul.

É o tipo de evento que entrará no imaginário popular do headbanger brasileiro, podendo ser discutido ao longo de anos por quem esteve, pelo caráter único da ocasião. Peculiaridades cercavam ambas as atrações, desde o repertório “diretão” do Priest com um Rob Halford cantando como nunca até a própria iniciativa de homenagear o Pantera, com pontapé inicial justamente na América Latina.

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*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox

Esclarecimento prévio

Em respeito a você, caro leitor, considero necessário esclarecer o que cargas d’água fui fazer em um show do tributo ao Pantera (sim, tributo, já que rechaçam o rótulo de “reunião”) quase sete anos após a saudação nazista de Phil Anselmo. Meu posicionamento a respeito não foi revisto. Segue o mesmo. O vocalista foi, para dizer o mínimo, infeliz. Em outros países, seria criminoso por ter feito o que fez. Fora a reincidência em discursos perigosos.

Contudo, o mundo dá voltas. No caso de Phil, que praticamente sumiu e perdeu muita de sua relevância após o episódio mesmo com seguidas retratações e explicações, foram muitas voltas – o suficiente para lhe causar uma forte labirintite, especialmente no bolso.

A poeira abaixou e surgiu, agora, um novo projeto onde há muita gente boa a seu lado praticamente “avalizando” a iniciativa – que transcende o cantor e abrange até mesmo dois ex-colegas já falecidos. Isso faz com que seja ao menos razoável oferecer espaço por aqui. E sei que você, caro leitor, certamente está curioso para saber como foi o show, um dos primeiros de uma turnê que se expandirá por outros continentes somente em 2023.

Em respeito a você, caro leitor, compareci a um evento que inclusive tinha como atração principal o Judas Priest, liderado por Rob Halford, talvez um dos poucos que posso chamar de “ídolo” neste meio rock/metal. E olha que nem sou tão chegado no som do Priest (queimem o herege!), mas se Halford apoia e avaliza, é importante dar ouvidos. Digo o mesmo por haver envolvimento de gente do calibre de Zakk Wylde e Charlie Benante, que já mostraram ser não apenas músicos excelentes, como também boas pessoas (tirei a prova no caso de Wylde ao conduzir uma longa e agradável entrevista com ele em 2021).

Compreendo os companheiros de imprensa que optam por não publicar uma linha sequer sobre Pantera ou Phil Anselmo, bem como os fãs que se distanciaram da banda talvez até involuntariamente. Também respeito quem não deixou de publicar (entre colegas da área) ou escutar (entre público) e buscou separar obra e artista. Tento buscar um caminho diferente: o de seguir adiante sem ignorar o que foi e está sendo feito, nem esquecer o que causou tantas feridas.

Pantera e “tudo o que você pode fazer”

Ao apresentar “Yesterday Don’t Mean Shit”, oitava música do repertório e única representante do álbum “Reinventing the Steel” (2000), Phil Anselmo diz algo como: “Às vezes nem tudo sai perfeito. Essa música é sobre tudo o que você pode fazer”.

O tributo ao Pantera é tudo o que Phil e o temporariamente ausente Rex Brown podem fazer no momento. Não dava para fazer melhor.

Seja pela similaridade no estilo de tocar ou pela amizade com a banda enquanto ela existia de fato, Zakk Wylde sempre foi o nome mais indicado para assumir o posto de Dimebag Darrell. A presença de Charlie Benante é um pouco mais agridoce, pois enquanto Dimebag foi assassinado tragicamente em 2004, Vinnie Paul nos deixou por problemas cardíacos em 2018. Até então, esperava-se que o baterista original fizesse as pazes especialmente com Anselmo para retomar o grupo. Não deu; o tempo não curou essa ferida. Ainda assim, Benante também é o melhor cara para ocupar a vaga – pela técnica incontestável e pela proximidade com os músicos.

Dito isso, havia duas opções ao se deparar com os caras no palco: considerar o copo meio vazio ou meio cheio.  A alternativa menos empolgada nos leva à conclusão mais óbvia: falta algo. Zakk Wylde é incrível, mas não é Dimebag Darrell, nem faz questão de soar como ele. Charlie Benante quase não faz sentir falta de Vinnie Paul, contudo, algum detalhe inexplicável no som provoca saudade do falecido. No caso dos fãs que acompanham as apresentações no Brasil, ainda houve a ausência de Rex Brown, acometido pela Covid-19 e substituído por Derek Engemann, baixista do Cattle Decapitation que também faz parte de duas bandas ao lado de Phil Anselmo: The Illegals e Scour.

Sob a ótica mais otimista, porém, faz-se necessário ressaltar: tudo o que era possível de se fazer no momento ainda é algo acima da média. A grande variável, por incrível que pareça, era o integrante remanescente de maior identificação com o público. Nos últimos anos, Phil Anselmo não vinha cantando bem. Parecia ter perdido a potência vocal que o tornou quase imbatível na década de 1990. Seu destino poderia ter sido o mesmo de tantos cantores de rock e metal que se tornam caricaturas de si próprios, mas a pausa da pandemia claramente fez bem à performance do cantor.

Já a abordagem dos dois convidados de peso é distinta. Zakk Wylde, como já destacado, tem estilo muito similar ao de Dimebag Darrell, então consegue soar próximo do falecido guitarrista de forma natural. Fora os timbres, porém, ele não faz questão de replicar tudo exatamente como o saudoso amigo fazia. Vários solos são tocados de forma diferente. Seu harmônico e seu vibrato tão característicos oferecem outra perspectiva a alguns riffs. É diferente – e ainda é bom. Na contramão, Charlie Benante se esforça para reproduzir tudo do jeitinho que Vinnie Paul fazia. Muito profissional e consciente, ele até puxa o freio de mão às vezes não por incapacidade, mas para não desgastar Phil. Em “Cowboys from Hell”, isso é nítido.

Por falar no vocalista, também deu para notar que todo o setlist parece ter sido construído em torno de sua capacidade vocal atual. Músicas como “Cemetery Gates” e “Domination” – esta última nunca interpretada da melhor forma por ele nem mesmo em seu auge – são respectivamente executadas apenas em uma gravação com um vídeo em homenagem a Dimebag Darrell e Vinnie Paul e em um trecho instrumental emendado em “Hollow”. Sete das 14 músicas do repertório vêm de “Far Beyond Driven” (1994), álbum que chegou ao topo das paradas americanas, mas não é o mais famoso do grupo. Porém, era o que dava para fazer diante das limitações, já que este trabalho apresenta um canto mais grave, sem tantas variações e extensões.

No fim das contas, quem foi, gostou e muito. Músicas como “A New Level”, “Mouth for War”, “Fucking Hostile” e “Walk” tiraram o público do chão, enquanto “5 Minutes Alone”, “I’m Broken” e “Strength Beyond Strength” provocaram bate-cabeça quase que sincronizado. Os vídeos em homenagem a Dimebag e Vinnie emocionam e trazem o tom correto. E por falar em momentos belos, o cover de “Planet Caravan” (Black Sabbath), com Charlie adotando uma percussão na frente do palco e um solo incrível de Zakk, é um dos pontos altos do set.

Fora a ausência de algumas canções que fizeram falta e alguns solos alterados por Zakk que não ficaram tão legais assim, um alerta foi acendido apenas na performance de “This Love”, onde especialmente as partes mais lentas não ficaram tão boas – seja pela oscilação na voz natural de Phil, seja pelos timbres de guitarra não tão definidos. De resto, tudo muito bem feito dentro do que dava para fazer diante das circunstâncias e dos aproximados 75 minutos de apresentação.

Repertório – tributo ao Pantera

  • Abertura: Regular People (Conceit) – com exibição de vídeos dos tempos de Pantera, destacando Dimebag Darrell e Vinnie Paul + In Heaven (Lady in the Radiator Song) (original de David Lynch & Alan R. Splet) – exibindo silhuetas de Dimebag e Vinnie
  1. A New Level
  2. Mouth for War
  3. Strength Beyond Strength
  4. Becoming (com trecho de Throes of Rejection)
  5. I’m Broken (com trecho de By Demons Be Driven)
  6. 5 Minutes Alone
  7. This Love
  8. Yesterday Don’t Mean Shit
  9. Fucking Hostile
  10. Gravação de trecho de Cemetery Gates com vídeo em tributo a Dimebag e Vinnie
  11. Planet Caravan (cover de Black Sabbath, com mais vídeo em tributo a Dimebag e Vinnie)
  12. Walk
  13. Domination / Hollow
  14. Cowboys From Hell

O gigante Judas Priest

O que fez do Judas Priest uma banda de porte menor que o Black Sabbath original e o Iron Maiden, só para citar dois exemplos também ingleses? Uma série de decisões equivocadas ao longo da carreira ajudam a explicar, mas não reduzem a grandeza deste grupo que ainda surpreende aos 50 anos de carreira – grandeza essa que talvez só será melhor compreendida quando, infelizmente, as atividades forem encerradas.

Aliás, a marca de meio século em atividade dá o tom da turnê atual da banda, que excursiona com Rob Halford no vocal, Richie Faulkner e Andy Sneap nas guitarras, Ian Hill no baixo e Scott Travis na bateria. Sneap, aliás, quase não esteve nos planos para 2022 em diante. Em uma já admitida pisada na bola, Halford anunciou no início do ano que o Judas Priest seguiria atividades como quarteto, tendo apenas Faulkner nas seis cordas. Como esta banda depende que o instrumento em questão esteja em formato duplo, não fez o menor sentido – e a decisão acabou revertida.

Ainda bem. Não só porque é impossível imaginar o Judas com guitarra única, como também pelos méritos conquistados por Andy ao longo dos anos em que substitui nos palcos Glenn Tipton, afastado devido ao avanço de seu diagnóstico de Parkinson. Dono de longa carreira como produtor, o britânico de 53 anos oferece exatamente aquilo que o grupo precisa. Não muda uma nota sequer do que Tipton executaria. Isso, curiosamente, deu mais liberdade para que Richie Faulkner pudesse mostrar um pouco mais de suas garras, vez ou outra fugindo das linhas gravadas por K.K. Downing. Todos saem ganhando.

Falar da cozinha e do frontman é chover no molhado, mas faz-se necessário. Comecemos pelo primeiro “setor”. Ian Hill e Scott Travis são “tight”: o entrosamento é tamanho que nem precisam trocar olhares. Travis, em especial, é uma força da natureza. Toca com vigor e, no alto de seus 61 anos, não parece estar disposto a pisar no freio.

Mas o que faz a diferença mesmo no Judas Priest é Robert John Arthur Halford. Este homem está com 71 anos de idade. Nem mesmo o visual esconde, pois as barbas brancas e as rugas no rosto denunciam as décadas de heavy metal muito bem vividas. Isso só torna ainda mais impressionante tudo o que ele consegue fazer no palco.

Esta foi a primeira vez que assisti ao Priest ao vivo, mas conferi diversos vídeos de vários momentos da carreira da banda. Sob meu ponto de vista pessoal – e que pode estar um pouco distorcido –, nunca vi Halford cantar tão bem desde, pelo menos, início da década passada. Talvez a pausa forçada pela pandemia tenha feito bem a ele. Fato é que raríssimos cantores septuagenários fazem o que ele faz, seja em performance vocal ou em presença de palco. Os falsetes incríveis em “Riding on the Wind” e o coro em interação com a plateia antes de “The Green Manalishi (With the Two Prong Crown)”, cover do Fleetwood Mac, foram apenas algumas das várias provas disso.

Desta vez, seja por limitação de tempo ou por conceito mesmo, o Judas Priest buscou oferecer um repertório mais direto. Músicas curtas, sem tantas “viagens”, feitas para o bate-cabeça. Das 16 faixas executadas, cinco vêm de “Screaming for Vengeance” (1982), seu álbum mais vendido, mas talvez não o mais conhecido no Brasil – “Painkiller” (1990), com duas canções no setlist, e “British Steel” (1980), com quatro, parecem deter juntos o título em questão por aqui. Outros cinco discos são representados por uma faixa cada. É pouco, mas ao menos houve materiais que firmaram a bandeira do período setentista, do contestado “Turbo” (1986) e do recente “Firepower” (2018).

Entre os destaques, estiveram a impactante abertura com “The Hellion” + “Electric Eye”, os já mencionados falsetes e os timbres de guitarra sequinhos em “Riding on the Wind”, a deliciosa lado B “Jawbreaker”, a pesada “Steeler” com direito ao tridente no topo do palco descido durante os solos e as clássicas “You’ve Got Another Thing Comin’”, “Metal Gods” e “Screaming for Vengeance”.

O cara que nunca foi lá o maior fã de Judas Priest saiu do Vibra doido para fazer a seguinte recomendação: se você gosta de heavy metal, não perca a oportunidade de assistir a esses caras ao vivo. É uma experiência pela qual todo headbanger deveria passar ao menos uma vez.

*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório – Judas Priest

  • Abertura gravada: War Pigs (Black Sabbath) e The Hellion
  1. Electric Eye
  2. Riding on the Wind
  3. You’ve Got Another Thing Comin’
  4. Jawbreaker
  5. Firepower
  6. Devil’s Child
  7. Turbo Lover
  8. Steeler
  9. Between the Hammer and the Anvil
  10. Metal Gods
  11. The Green Manalishi (With the Two Prong Crown) (cover de Fleetwood Mac)
  12. Screaming for Vengeance
  13. Painkiller

Bis:

  1. Hell Bent for Leather
  2. Breaking the Law
  3. Living After Midnight
  • Encerramento gravado: We Are the Champions (Queen)

Pontos organizacionais de atenção

Nem tudo foram flores na última quinta-feira (15). Os shows em si foram ótimos e a estrutura do Vibra é fora de série, mas infelizmente a casa pecou nos horários.

Primeiro, houve confusão na própria divulgação ao público. Em todo lugar foi dito que as apresentações começariam às 20h30, mas a produtora 30E publicou no Instagram, horas antes, que o início seria às 20h. Pegou um monte de gente de surpresa.

E foi justamente a 30E a única que divulgou o suposto horário (errado, é claro) que marcaria o início da performance do Judas Priest. Em nenhuma divulgação oficial constava quando o grupo subiria ao palco. Manter segredo disso atrapalha o transporte de quem reside em São Paulo e também de quem se mobiliza de outras cidades para acompanhar as apresentações. Revelar quando cada show começa é, acima de tudo, sinal de respeito com o público – que poderá inclusive cobrar se houver qualquer atraso.

Dito isso, não dá para saber se o show do Judas Priest realmente atrasou para começar ou se estava dentro do previsto. Fato é que iniciou bem tarde, às 22h50, o que inviabilizou transporte fácil para milhares de headbangers presentes em uma madrugada de dia de semana. Como a localização da casa não é das mais acessíveis nem mesmo para os residentes da capital paulista – é preciso caminhar pouco mais de 10 minutos na borda da Marginal Pinheiros, em trechos onde não há nem calçada, até chegar a uma estação de metrô –, é preciso ter esse cuidado com quem já paga caro para assistir aos espetáculos.

Nada disso tira a grandeza da ocasião, que terá “round 2” durante o Knotfest Brasil junto de outras atrações. Mas se até Phil Anselmo fala sobre “tudo o que você pode fazer”, dá para caprichar mais nesse sentido.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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