A história de “Thriller”, o campeão de vendas de Michael Jackson e da música

Em seu sexto disco solo, cantor moldou a cultura pop contemporânea em sua imagem na base de talento e ambição

O sucesso de “Thriller”, sexto álbum solo de Michael Jackson, é tamanho a ponto de não apenas nunca ser igualado, mas ser tão sem precedentes a ponto de remodelar a indústria musical para se adequar à nova realidade.

A partir dali, todo disco pop precisava de múltiplos singles no topo das paradas. Videoclipes se tornaram veículos narrativos, não apenas oportunidades para as bandas se apresentarem diante de uma câmera. E, mais importante, artistas negros agora tinham mais espaço na MTV.

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Pense em música, seja pop, rock, R&B ou o que for. Michael Jackson pegou tudo feito antes e remodelou para satisfazer não só sua ambição comercial, mas também artística.

E mesmo assim, há de se argumentar que “Thriller” ainda ficou aquém das expectativas. Vamos explorar a história do disco mais vendido de todos os tempos.

De indesejável a inegável

“Off the Wall” (1979), a estreia de Michael sem os irmãos, vendeu mais de 10 milhões de cópias e se tornou o primeiro disco solo a gerar quatro singles top 10 nas paradas americanas. Ainda assim, o cantor via com decepção essa performance.

O álbum não foi indicado para as categorias principais do Grammy, e em 1980 chegou a ser preterido pela Rolling Stone para uma matéria de capa.

No livro “The Magic and the Madness”, de Randy J. Taraborrelli, Jackson é citado dizendo:

“Já me disseram várias vezes que negros na capa de revistas não vendem cópias… Podem esperar. Um dia essas revistas vão me implorar para uma entrevista. Talvez eu lhes dê uma, talvez não.”

O jeito encontrado por Michael para ir de indesejável para inegável começou com uma premissa simples: fazer um álbum sem músicas ruins. Não apenas isso, mas um lançamento onde toda faixa é um single de sucesso em potencial.

Numa sessão de perguntas e respostas para a revista Ebony publicado em 2007, o cantor explicou seu processo:

“Desde que eu era uma criança pequena, eu estudava composição. E foi Tchaikovsky que mais me influenciou. Se você pega ‘Suite Quebra-Nozes’, toda música é matadora, cada uma delas. Então eu disse para mim mesmo: como que não pode haver um álbum pop onde todas as músicas são boas – pessoas costumavam fazer discos onde você tinha uma música boa e o resto era tipo lado B. Chamavam de ‘canções de álbum’ – e eu falava pra mim mesmo: como que não dá pra fazer cada uma das canções um hit? Por que não dá pra toda canção ser tão boa a ponto de pessoas quererem comprá-las se saíssem como singles? Então eu sempre almejei isso. Esse era meu propósito pro próximo disco.”

Sucesso crossover

Unido nesse objetivo com Michael Jackson estava seu maior parceiro criativo, Quincy Jones. Um músico lendário com capacidade de trafegar por qualquer gênero, o produtor já havia trabalhado com o cantor em “Off the Wall”, e os dois haviam criado uma cumplicidade baseada na ambição compartilhada.

Em sua autobiografia “Moonwalk”, Jackson escreveu sobre o início dos trabalhos de composição para o disco e como Jones ficou encarregado de encontrar material de outros compositores para serem gravados enquanto ele escrevia canções próprias:

“Quincy é brilhante na função de equilibrar um álbum, criando a mistura ideal de números agitados e lentos… Ele tem um bom faro para o meu gosto e para o que vai combinar comigo.”

Além disso, o cantor escreve sobre como tinha receio de apresentar certas canções simplesmente por estar apegado demais a elas, e Jones era quem conseguia convencê-lo a apresentar o material: 

“A primeira canção que eu tinha era ‘Wanna Be Startin’ Somethin’’, composta quando gravamos ‘Off the Wall’, mas nunca dera a Quincy para aquele álbum. Às vezes tenho uma canção que compus e realmente gosto dela e não consigo oferecê-la. Enquanto fazíamos ‘Thriller’ cheguei a me apegar a ‘Beat It’ por muito tempo antes de tocá-la para Quincy. Ele insistia comigo que precisávamos de uma grande canção de rock para o álbum. Dizia: ‘Vamos lá, onde é que está? Eu sei que você tem ela’. Gosto de minhas canções, mas no começo fico um tanto inibido de tocá-las para as pessoas, porque receio que não irão gostar e esta é uma experiência dolorosa. Finalmente me convenceu a deixá-lo ouvir o que eu tinha. Escolhi ‘Beat It’ e toquei para ele, que ficou maluco. Senti-me no topo do mundo.”

Outra sacada inteligentíssima de Michael foi entrar em contato com Paul McCartney. O cantor havia feito uma cover de “Girlfriend”, da banda do ex-Beatle, o Wings, em “Off the Wall”. Agora o plano era um dueto.

Os dois se encontraram e da reunião saíram dois singles, “The Girl Is Mine” e “Say, Say, Say”. Enquanto a segunda foi lançada como single por Paul com colaboração de Michael, a primeira foi selecionada por Quincy Jones para ser o primeiro single de “Thriller”. A lógica era simples, segundo Jackson em sua autobiografia, “Moonwalk”:

“Não tínhamos realmente muita escolha. Quando você tem dois nomes fortes como aqueles juntos numa canção, precisa logo publicá-la antes que seja tocada à exaustão e fique superexposta. Tínhamos de tirá-la do caminho.”

Um orçamento de US$ 750 mil

As gravações foram iniciadas em 14 de abril de 1982, no Westlake Recording Studios, com “The Girl Is Mine” sendo a primeira gravada. O orçamento de US$ 750 mil possibilitou Jones a contratar os melhores músicos de estúdio possíveis, desde ases do R&B, jazz, até vários integrantes do grupo de rock Toto.

Numa entrevista para o canal de YouTube do Musicians Hall of Fame & Museum, o guitarrista do Toto, Steve Lukather, conta sobre como ele havia conhecido Jones ao trabalhar num disco solo do produtor, “The Dude”, e a amizade criada entre os dois o fez ser chamado para colaborar em “Thriller”.

Em outra entrevista, agora para a Rolling Stone, Lukather descreveu o clima no estúdio naquele primeiro dia:

“Dá pra imaginar a zorra que tava, com Quincy e McCartney e todas as pessoas, e funcionários, e segurança. Nem dava pra entrar na sala de controle – George Martin e Geoff Emerick estavam lá, Dick Clark. Era super intenso.”

Conforme dito por Lukather ao canal de YouTube do Musicians Hall of Fame & Museum, o tecladista do Toto, David Paich, arriscou como tática para quebrar o gelo no início das gravações de “The Girl Is Mine” começar tudo com uma improvisação em torno de “I Was Made to Love Her”, de Stevie Wonder.

O trabalho dos integrantes do Toto nessa sessão agradou tanto que quando chegou a hora de “Beat It”, eles foram recrutados, junto com o maior guitar hero do planeta, Eddie Van Halen.

Inicialmente, Eddie inicialmente recusou o convite, alegando não fazer trabalhos como músico contratado. Contudo, após persuasão de Jones, topou gravar um solo e sequer cobrou cachê pela sessão.

Segundo a Rolling Stone, o produtor só disse uma coisa para Van Halen antes da gravação:

“Eu não vou sentar aqui e tentar te dizer o que tocar – a razão pela qual você está aqui é por causa do que você sabe tocar.”

Enquanto isso, Lukather e cia estavam encarregados do resto da faixa no Sunset Sound Studios. Steve falou para a Rolling Stone sua reação ao saber da participação de Van Halen:

“Quando me falaram que Eddie estava tocando na faixa, e eles estavam tentando fazer um disco crossover, eu meti os Marshalls e fiz uma parede de som. Quincy mandou a gravação de volta pra gente e disse: ‘As guitarras estão pesadas demais, eles nunca vão tocar isso em rádios R&B’, então eu baixei a escala para Fenders pequenos e fiz de novo.”

Paranoia e post-disco

Um dos maiores pontos altos musicais de “Thriller” é também sua canção mais sombria. “Billie Jean” é construída numa estrutura instrumental esparsa, habitada principalmente pelo baixo de Louis Johnson e a bateria de Leon “Ndugu” Chancler, com o saxofonista Tom Scott dando contornos de suspense ao groove graças ao lyricon, um sintetizador de sopro.

A introdução da música, com o groove se estendendo muito mais do que um single pop normal, foi um ponto de discórdia entre Quincy Jones e Michael Jackson. O produtor estava receoso da faixa ser vista como disco music, tamanha foi a queda do gênero nas paradas americanas. Enquanto isso, o cantor bateu o pé sobre a permanência da seção instrumental no começo. Segundo Jackson, o groove o fazia querer dançar, e isso era chave.

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A letra – um conto criado por Michael sobre sexo, fama e alegações de paternidade – sempre foi um ponto de controvérsias e lendas urbanas. O cantor havia alegado inicialmente ter se inspirado num caso de uma fã que o acusou de ser pai de seu filho, apesar dele nunca sequer ter conhecido a mulher.

Contudo, em sua autobiografia “Moonwalk”, Jackson negou essa história, escrevendo:

“Nunca houve uma ‘Billie Jean’ real. (Excetuando aquelas que vieram depois da canção.) A garota da canção é uma colagem de pessoas que nos têm assediado ao longo dos anos. Esse tipo de situação aconteceu com alguns de meus irmãos e eu costumava ficar realmente espantado com aquilo. Não conseguia entender como aquelas garotas podiam dizer que estavam com o filho de alguém na barriga quando aquilo não era verdade. Não posso imaginar mentir a respeito de algo assim.”

No lado oposto da paranoia de “Billie Jean” está “Wanna Be Startin’ Something”, a exuberante faixa de abertura do disco, que trata o tema de confrontos violentos com um tom brincalhão. No clímax, Michael puxa um coro no dialeto Duala tirado de “Soul Makossa”, canção do músico camaronês Manu Dibango.

“Soul Makossa” foi lançada inicialmente em 1972 e se tornou um hit nos EUA graças a festas LGBTQ+ organizadas pelo DJ David Mancuso, que descobriu o single numa loja em Nova York. Michael ficou tão apaixonado pelo canto a ponto de insistir em incluí-lo em “Wanne Be Startin’ Something” igual. Um acordo de direitos eventualmente foi atingido com Dibango.

Ao final do período de gravações, começaram as mixagens. Aí foi quando iniciaram os problemas. Michael escreveu em sua autobiografia, “Moonwalk”, sobre sua reação ao ouvir o álbum completo pela primeira vez:

“Quando finalmente ouvimos as faixas que colocaríamos no disco, ‘Thriller’ pareceu-me uma porcaria tão grande que lágrimas me vieram aos olhos. Estávamos sob muita pressão porque enquanto tentávamos terminar ‘Thriller’, também trabalhávamos em ‘The E.T. Storybook’, igualmente pressionados quanto aos prazos. Todas aquelas pessoas brigavam umas com as outras e nos demos conta da triste realidade de que as mixagens de ‘Thriller’ não funcionaram.”

Tensões a esse ponto entre Jones e Jackson estouraram. O produtor estava trabalhando dia e noite comandando às vezes três estúdios ao mesmo tempo, enquanto Michael passava tempo praticando passos de dança. Os dois decidiram remixar o álbum inteiro, passando uma semana em cada canção.

Arrasa-quarteirões

Em 18 de outubro de 1982, “The Girl Is Mine” saiu como primeiro single. Chegou ao topo das paradas de R&B e ao número 2 na Billboard 100.

O disco “Thriller”, lançado em 30 de novembro de 1982, demorou até fevereiro do ano seguinte para chegar ao topo. Ele atingiu a primeira posição graças ao sucesso dos dois singles lançados após “The Girl Is Mine”: “Billie Jean” e “Beat It”.

“Billie Jean” foi lançada como compacto na virada do ano novo em 1983 e atingiu o topo da Billboard 100, onde permaneceu por sete semanas. O videoclipe se tornou instantaneamente icônico graças à dança de Michael Jackson e os azulejos que acendiam acompanhando seus passos.

Curiosamente, a MTV recusou exibir o clipe de início, alegando que a música não se adequava aos padrões mais rock da emissora. Em resposta, o presidente da CBS (empresa matriz da Epic Records, gravadora de Michael), ameaçou expor o canal como racista. Em uma entrevista para o site Blender, ele diz:

“Eu falei para a MTV: ‘Eu vou tirar tudo que nós temos da programação de vocês, todos os nossos produtos. Não vou dar mais clipes para vocês. E vou à público e dizer pra todo mundo sobre como vocês não querem exibir música feita por um negro’.”

No fim das contas, a MTV acabou se beneficiando de exibir “Billie Jean” e os clipes subsequentes de Michael, pois eles ajudaram a rede a ganhar um grau de visibilidade mundial enorme.

Em março de 1983, o cantor e a canção protagonizaram um dos momentos mais icônicos da história da TV americana. Durante o especial “Motown 25: Yesterday, Today, Forever”, Jackson se reuniu com seus irmãos a pedido de Berry Gordy, presidente da lendária gravadora. 

Michael não queria participar do especial, mas concordou sob a condição de poder ter um número solo, “Billie Jean”. Durante sua performance, que acabou sendo indicada a um prêmio Emmy, o cantor apresentou ao público estimado em 47 milhões de telespectadores o moonwalk, seu mais icônico passo de dança.

Devido ao tamanho da audiência, esse momento é comparado às aparições dos Beatles e de Elvis Presley no Ed Sullivan Show. A esse ponto, “Thriller” já estava no topo das paradas e o clipe de “Beat It”, com suas brigas de faca baléticas, dividia com “Billie Jean” rotação pesada na MTV.

Ao todo, “Thriller” permaneceu 37 semanas no topo das paradas americanas entre 26 de fevereiro de 1983 e 14 de abril de 1984. No auge desse período de dominação, o álbum vendia um milhão de cópias por semana. Das nove faixas, sete foram lançadas como singles, todos atingindo o Top 10 da Billboard, com a faixa título sendo o último, mais ambicioso e mais improvável deles.

Videoclipe como cinema

Escrita por Rod Templeton, “Thriller”, a canção, é baseada no terror a tal ponto que é pontuada por um monólogo de Vincent Price. O ícone do gênero foi convencido a participar da faixa por Quincy Jones, cuja esposa o conhecia pessoalmente, e gravou sua parte em apenas dois takes.

A gravadora não queria lançar “Thriller” como single, vendo a canção como boba demais. Contudo, uma redução no ritmo de vendas do disco em junho de 1983 ajudou o cantor a convencer a Epic a não só seguí-lo na ideia, mas financiar um clipe que era na verdade um curta metragem de 14 minutos dirigido por John Landis, responsável por “Os Irmãos Cara de Pau” e “Um Lobisomem Americano Em Londres”.

O videoclipe da música “Thriller” era o mais caro de todos os tempos. Foi um sucesso tamanho a ponto da MTV registrar aumentos de audiência de dez vezes o normal. Em 1999, a emissora o elegeu o melhor de todos os tempos.

A canção não chegou ao topo da Billboard 100 (atingiu a quarta posição), mas mesmo assim se tornou um marco cultural. A dança dos zumbis, a jaqueta vermelha, o meme de Michael comendo pipoca. A cultura popular como conhecemos hoje foi fundamentalmente moldada pelo cantor nesse período.

Ele ajudou artistas não-brancos a conseguir espaço na MTV e em rádios, que alteraram seus formato para acomodar interesse do público geral em R&B. Quando a Rolling Stone escreveu sobre os 40 discos mais revolucionários de todos os tempos, “Thriller” foi descrito da seguinte maneira:

“É difícil imaginar a paisagem musical atual sem ‘Thriller’, que mudou o jogo tanto sonoramente quanto comercialmente. A mistura paranoica e expansiva de pop, rock e soul do álbum causaria ondas sísmicas pelo rádio, convidando tanto crossovers famosos (como o solo de guitarra de Eddie Van Halen em “Beat It”) e tentativas mais furtivas de fusão de gêneros.os clipes enormes e cinematográficos – do curta dirigido por John Landis promovendo ‘Thriller’ à homenagem de ‘Amor, Sublime Amor’ em ‘Beat It’ – legitimizou o formato nascente e forçou a MTV a incorporar artistas negros em sua programação. Sua estratégia promocional, que levou a sete de suas nove faixas sendo lançadas como singles, elevaram o nível para o que, exatamente, constituía um LP ‘cheio de sucessos’. Além de quebrar barreiras, quebrou recordes, mostrando o quão longe música pop podia chegar: o álbum mais vendido de todos os tempos, o primeiro disco a vender oito Grammys em uma única noite e o primeiro disco a permanecer no To 10 por um ano inteiro.”

Mas mesmo assim ele não conseguiu colher todos os frutos de seu sucesso.

Nada de turnê 

Em meio a tudo isso, você esperaria uma turnê triunfante, né? Mas não aconteceu. 

Em vez de shows sozinho, ele foi convencido pelos pais a se reunir com os irmãos para uma campanha promocional com a Pepsi e uma turnê batizada Victory Tour.

Durante as gravações de um comercial dessa campanha, em 27 de janeiro de 1984, Michael teve seu cabelo incendiado por pirotecnia, o dando queimaduras de segundo grau na cabeça.

A Victory Tour foi uma decepção, apesar de ter sido vista por 2 milhões de pessoas nos Estados Unidos. Polêmicas sobre o preço dos ingressos e brigas constantes entre os irmãos, ressentidos com a fama de Michael, tornaram a situação tão desagradável a ponto do cantor se isolar cada vez mais, e ao final dos shows nunca mais se apresentar com eles.

Também, a esse ponto Michael já estava preocupado com algo muito mais importante: como seguir o disco mais bem sucedido de todos os tempos?

Sorte de vocês que tem um texto sobre isso aqui no site.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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